Migalhas Quentes

STJ retomará polêmica de cobrança da taxa de conveniência na venda on-line de ingressos

Dois processos acerca do tema serão julgados na 4ª turma.

16/12/2019

No início do ano, um processo julgado no STJ causou alvoroço para consumidores e mercado: a 3ª turma julgou ilegal cobrar dos consumidores taxa de conveniência na compra on-line de ingressos para shows e outros eventos, em decisão válida em todo o território nacional.

Por maioria de votos, a turma deu parcial provimento ao recurso da ADECON/RS - Associação de Defesa dos Consumidores do RS contra decisão do TJ gaúcho, em julgamento no qual prevaleceu o entendimento da relatora, ministra Nancy Andrighi (REsp 1.737.428).

Esse processo está em fase de julgamento de embargos declaratórios – o ministro Sanseverino, em sessão de agosto, divergiu da relatora para considerar que não haveria abusividade na cobrança da taxa de conveniência desde que os valores da taxa fossem disponibilizados ao consumidor durante a compra on-line, isto é, desde que haja publicidade e informação claras. A relatora Nancy está com vista regimental desde então.

Já na 4ª turma do STJ a controvérsia ainda será enfrentada, em dois processos: um relatado pela ministra Isabel Gallotti (REsp 1.840.271) e outro pelo ministro Luis Felipe Salomão (AREsp 1.412.238). Os dois têm como parte a ADECON/RS, sendo um caso rivalizando com a Ingresso.com e, em outro, com a Tickets for Fun.

Intervenção da AGU

Em ambos os casos da 4ª turma a AGU peticionou para participar como amicus curiae, baseando a intervenção na relevância da matéria – incluindo o campo da inovação digital – e a representatividade da União, na medida em que a Secretaria de Advocacia da Concorrência e Competitividade (órgão do Ministério da Economia) e a Senacon (do MJ) emitiram nota técnica acerca do tema.

Ao abordar o desenvolvimento das tecnologias para comércio on-line de ingressos, a AGU destacou que a nova forma de atrair consumidores, atrelada à maior comodidade para adquirir bilhetes em outras localidades, não se dá sem custos: “O investimento na busca de uma maior eficiência e da criação de um maior valor para o consumidor possui um custo para o empreendedor.”

Esse é, aliás, um ponto destacado pelo CEO da Ingresso.com, Mauro Gonzalez, que explica que a composição da taxa por compras feitas pela internet remunera os diversos serviços prestados e sua composição leva em consideração variáveis como infraestrutura tecnológica, recursos humanos dedicados ao projeto, sistemas antifraudes, entre outros.

A taxa de serviço da Ingresso.com segue práticas adotadas não apenas no Brasil, mas ao redor do mundo. Em outros países do mundo, esta prática é regulada pelo próprio mercado.

Na petição apresentada ao Tribunal da Cidadania, a AGU argumenta que caso seja de fato proibida a cobrança da taxa de conveniência, esse ônus será suportado por todos aqueles que adquirirem o ingresso e não apenas por aqueles que escolheram adquirir da forma mais cômoda, via internet.

A única diferença é que ao invés de ser suportada por parcela dos consumidores, será custeada por todos aqueles que pretendam ir ao evento, retirando o direito daqueles que pretendiam pagar menos.”

Sob a ótica do Direito Econômico, os advogados da União ressaltam ainda que a proibição de cobrança pelos serviços de conveniência acabará por limitar a concorrência ante restrição na liberdade econômica dos empreendedores.

Trata-se de um setor sem barreiras de entrada para novos players. Logo, eventuais restrições na fixação dos preços, nesse momento, podem implicar em menos investimentos das empresas e em consequência menos produção e menos crescimento da renda.”

Assim, aceita como amicus curiae, a AGU defenderá no julgamento a ser realizado que a cobrança da taxa de conveniência não pode ser considerada ilícita ou abusiva. Mas propõe também os seguintes critérios/parâmetros:

(i) não é recomendável estabelecer um valor máximo para sua cobrança;

(ii) deve ser garantida a existência de efetiva liberdade de escolha do consumidor;

(iii) deve ser assegurada ao consumidor a opção da compra presencial; e

(iv) não sendo possível  a impressão do ingresso, o serviço de conveniência deve incluir a entrega do ingresso em domicílio.

Insegurança jurídica

Mauro Gonzalez, da Ingresso.com, ressalta que o julgamento na Corte é “essencial” para acabar com a insegurança jurídica acerca da remuneração dos serviços de venda on-line de ingressos.

A situação é muito séria. Paramos de vender ingressos no Espírito Santo em abril de 2019 após a lei 10.986/19 que proibia a taxa e só voltamos a vender quando o Estado modificou a lei, permitindo a cobrança da taxa de conveniência, o que só ocorreu após reclamações de consumidores contra a interrupção dos nossos serviços naquele Estado. A indefinição é muito ruim para a Ingresso.com e para o setor em geral.

Não à toa, existem mais de 20 projetos de lei acerca da taxa de conveniência, muitos surgidos após a decisão da 3ª turma.

Um deles é o PL 1.652/19, do deputado Kim Kataguiri, apresentado na Câmara. Na justificativa do projeto, o deputado defende que a “intervenção feita pelo STJ que fatalmente prejudicará o consumidor, causando justamente o efeito oposto ao desejado pela Corte Superior”. A proposta é de permitir a cobrança da taxa de conveniência, desde que reste caracterizada a conveniência para o consumidor, que poderá optar ou não pela contratação do serviço.

A proposta foi apensada ao PL 10.585/18, do deputado Aureo, o qual prevê que para que a taxa de conveniência não seja considerada abusiva e infrinja a ordem econômica, ela deve ser única e fixa, não estando relacionada com  o preço do ingresso, bem como deve estar limitada a um teto condizente com a realidade do serviço prestado. Por essa proposta, o valor da taxa de conveniência não poderá ser superior a 10% do valor inteiro do ingresso da categoria mais barata disponível para o evento.

A expectativa é que as decisões judiciais venham antes da regulamentação legislativa. Mas vale dizer, tanto a conclusão na 3ª turma quanto o início dos julgamentos na 4ª não têm previsão para ocorrerem; aliás, é certo que ficaram para 2020, já que nenhum dos processos foi pautado para esta semana, última antes do recesso de fim de ano no Tribunal.

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