O CNMP tem oito votos pelo arquivamento de reclamação contra o procurador Deltan Dallagnol devido a uma notícia compartilhada por ele em suas redes sociais. A discussão sobre abertura de PAD para investigar a conduta do coordenador da Lava Jato se deu na sessão desta terça-feira, 27, mas foi adiada após pedido de vista do conselheiro Erick Venâncio.
A recorrente é a senadora Katia Abreu. Na reclamação disciplinar, a parlamentar alega que Dallagnol utilizou suas redes sociais para difundir matéria jornalista sobre um suposto pagamento de caixa 2 pela construtora Odebrecht à senadora no valor de R$ 500 mil. A denúncia, no entanto, já estava arquivada pelo STF.
Inicialmente, a reclamação de Katia Abreu foi arquivada pela corregedoria do MP, em decisão monocrática de 9 de agosto. Para o corregedor, não houve infração por parte de Dallagnol, porque apenas compartilhou notícia já divulgada pela imprensa. A senadora interpôs recurso.
Em análise na sessão desta terça-feira, o relator do recurso, conselheiro Luiz Fernando Bandeira de Mello Filho, votou pela instauração do PAD, ao considerar, entre outros pontos, indício de violação do dever de desempenhar com zelo suas funções, além de quebra de decoro. Ele foi acompanhado por dois conselheiros: Otavio Luiz Rodrigues Jr. e Valter Shuenquener.
O corregedor Orlando Rochadel inaugurou a divergência, votando por manter sua decisão monocrática pelo arquivamento da reclamação da senadora. Sete votos acompanham a divergência: Fábio Stica, Marcelo Weitzel, Sebastião Caixeta, Silvio Amorim, Dermeval Farias Gomes Filho, Lauro Nogueira e Raquel Dodge.
Voto do relator
Em seu voto nesta terça-feira, o relator, conselheiro Luiz Fernando Bandeira de Mello Filho, destacou que, de fato, não se pode atribuir a Dallagnol a violação de sigilo ou tentativa de promoção pessoal. A reportagem supostamente obteve acesso a documento sigiloso, e divulgou a informação dentro dos limites do direito de informação jornalística - o simples ato de compartilhar não significa que foi o procurador o responsável por esse vazamento.
Por outro lado, afirmou, ao compartilhar a notícia, notadamente por sua condição de coordenador da força-tarefa e uma das figuras mais proeminentes do MPF na operação Lava Jato, "o requerido atesta perante a opinião pública a veracidade da matéria, reforçando e difundindo informação que deveria ser sigilosa".
Para Bandeira de Mello, nesta situação, o sigilo que já fora ilegalmente violado é prontamente expandido por um membro do MP, "que, por dever de ofício, deveria se manter no mínimo em silêncio sobre o caso".
Ele destacou que, embora não tenha feito manifestação sobre a reportagem, o compartilhamento em si é suficiente para demonstrar sua opinião pessoal, situação capaz de gerar condenação social prévia à reclamante. Assim, pontuou, "há indícios de violação do dever de guardar segredo sobre assunto de caráter sigiloso".
"Sendo um formador de informação, que o é, atestou, com sua figura, presumida veracidade da informação."
Para o relator, há também indício de violação do dever de desempenhar com zelo suas funções, porque, na qualidade de coordenador da força-tarefa, "não teve o cuidado ao propalar informação desabonadora à senadora, mesmo sabendo que se tratava de suposta informação sigilosa, e que os fatos, mesmo em parte, já haviam sido arquivados anteriormente pelo STF".
Por fim, apontou indício de quebra de decoro, porque, "pelo menos a priori, a divulgação a partir de vazamentos ilícitos não é a postura que se espera de membro do MP, especialmente de um membro tão intimamente relacionado à situação".
Assim, entendeu que duas questões podem ser mais bem elucidadas durante instrução de eventual PAD: a) se o requerente não tinha conhecimento da veracidade do suposto documento e mesmo assim divulgou informação; ou b) sabendo da veracidade, optou por difundir informação sigilosa vazada.
O conselheiro votou por conhecer do recurso e dar provimento para determinar a instauração de PAD.
Divergência
Ao votar, o corregedor Nacional do MP, conselheiro Orlando Rochadel, divergiu do relator, entendendo que deveria ser mantido o arquivamento.
Para ele, não houve violação do dever de guardar segredo, já que o compartilhamento foi de matéria de jornal de grande circulação. Ele destacou que o simples ato de compartilhar matéria não enseja o descumprimento do dever de guardar segredo sobre assunto de caráter sigiloso, "máxime quando as informações já eram de conhecimento geral ante ampla divulgação pela imprensa". Destacou que não a reportagem não era relacionada a investigação dentro de suas funções.
O corregedor também afastou hipótese de falta funcional por parte de Deltan ao atestar veracidade de informação divulgada pela imprensa, uma vez que, para Rochadel, o procurador se limitou a republicar matéria, "sem qualquer juízo de valor".
Por fim, observou que os atos foram praticados fora do exercício da função – o que não poderia caracterizar falta de zelo no exercício do cargo.
"Por óbvio, somente será passível de punição por descumprimento do dever de desempenhar com zelo e probidade suas funções aquele membro ministerial que praticar falta administrativa na condução dos casos concretos que estão sob sua responsabilidade."
O corregedor votou por manter inalterada a decisão monocrática, mantendo o arquivamento da reclamação.
- Reclamação Disciplinar: 1.00428/2019-15
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