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Luís Roberto Barroso saúda Sepúlveda Pertence: “Um homem que ensina sendo”

Pertence recebeu a medalha Teixeira de Freitas, principal honraria do Instituto dos Advogados Brasileiros.

6/8/2019


Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

O ministro Sepúlveda Pertence recebeu nesta segunda-feira, 5, no Rio de Janeiro, a medalha Teixeira de Freitas, principal honraria do Instituto dos Advogados Brasileiros.

A saudação foi do ministro do STF Luís Roberto Barroso, seu amigo de muitas décadas. Num país que vive momentos de grande aspereza, o ministro Barroso fez um discurso ameno e afetuoso, que emocionou a plateia presente, exaltando a vida e as virtudes do homenageado. Pertence respondeu exaltando as virtudes da tolerância.  

Veja abaixo a íntegra da saudação.

_______________

INSTITUTO DOS ADVOGADOS BRASILEIROS

MEDALHA TEIXEIRA DE FREITAS PARA JOSÉ PAULO SEPÚLVEDA PERTENCE

5.08.2019

I. INTRODUÇÃO

1. Numa época em que parece existir uma epidemia de notícias ruins, recebi com enorme alegria no coração o convite do Ministro Sepúlveda Pertence para saudá-lo nesse momento em que recebe a comenda maior do nosso Instituto dos Advogados Brasileiros. Na verdade, o convite veio do meu amigo José Paulo, com quem a vida me deu o privilégio de conviver desde os meus últimos anos ainda como acadêmico de direito.

2. Na epígrafe de um livro que se tornou clássico, Democracia e Desconfiança, John Hart Ely escreveu: “Você não precisa de muitos heróis se você os escolher com cuidado”. Ele se referia ao juiz e presidente da Suprema Corte americana Earl Warren, de quem havia sido assessor. Warren presidiu a Suprema Corte americana durante seu período mais progressista. Essa frase foi uma das primeiras coisas que me vieram à cabeça quando comecei a organizar as minhas ideias para esta saudação.

3. Algumas pessoas foram verdadeiramente emblemáticas na minha vida e na minha formação, jurídica e pessoal. Homenageio aqui algumas delas. Começo com Raymundo Faoro, que foi presidente da OAB durante o período de transição do regime militar para a democracia, no final dos anos 70. Faoro teve um papel decisivo naquele processo. Além disso, ajudou diversos estudantes a passarem incólumes pela repressão, com um simples telefonema.

4. Incluiria nessa lista dois outros grandes nomes da advocacia com os quais comecei a minha vida profissional, como estagiário e como jovem advogado: Miguel Seabra Fagundes e Eduardo Seabra Fagundes. O primeiro, um dos grandes juristas brasileiros. E o segundo um advogado do primeiro time, com quem aprendi muito.

5. E, na academia, destaco dois extraordinários professores que tive: José Carlos Barbosa Moreira e Jacob Dolinger, ambos pessoas que fizeram toda a diferença na vida de quem teve a sorte de estar no seu caminho.

6. Recito esses nomes para realçar a importância de eu incluir José Paulo Sepúlveda Pertence nesse grupo seleto de pessoas que me inspiraram na vida e serviram como exemplos admiráveis de seres humanos e de profissionais. José Paulo foi grande em todos os lugares por onde passou. Sempre deixando a sua marca de talento e integridade. 

II. O ESTUDANTE E O ADVOGADO DE SUCESSO

1. Eu conheci José Paulo no final dos anos 70, aí por 1979, talvez 1980. Creio termos sido apresentados por um amigo comum queridíssimo e de saudosa memória, que foi Hélio Saboya, igualmente ex-presidente da OAB/RJ.

2. Naqueles dias ainda difíceis do regime militar, José Paulo era, para nós estudantes, o símbolo do sucesso: tinha sido líder estudantil, chegando a vice-presidente da UNE. Foi um dos pioneiros de Brasília, tendo participado da criação da Universidade de Brasília. Lá prestou concurso para o Ministério Público do Distrito Federal, tendo sido aprovado em primeiro lugar. E foi aposentado compulsoriamente pelo regime militar. Para os que resistíamos ao regime militar, esse era o currículo perfeito. A perseguição pela ditadura dava a ele uma aura ainda mais especial.

3. O ato de força do regime militar devolveu à advocacia uma das suas grandes figuras e à Ordem dos Advogados do Brasil um dos seus maiores militantes. Porém, num meio no qual a simplicidade não é uma virtude que se encontre com abundância, José Paulo tinha essa marca: uma personalidade gentil, generosa e afetuosa com todos, inclusive com quem não tinha nenhuma importância. Que era o meu caso. Ele tinha autoconfiança suficiente para ser humilde. Uma coisa que eu aprendi na vida: não importa o seu talento, o seu nível de educação ou o seu cargo. É a maneira como você trata as outras pessoas, sobretudo as que não são poderosas, que diz tudo sobre você. Tornei-me seu admirador incondicional e seguimos amigos pela vida afora. À nossa relação, desde o primeiro momento, se aplica uma frase inspirada de Vinícius de Moraes: “A gente não faz amigos. A gente os reconhece”.

4. Nos encontrávamos com frequência nas suas vindas ao Rio. Às vezes na casa do Hélio, às vezes no Adegão Português, que era o restaurante favorito dele. Num adorável fim de semana que ele veio passar conosco em nossa casa de Itaipava, reuni um grupo de alunos e ex-alunos para fazerem uma apresentação para ele sobre as pesquisas de doutorado que haviam desenvolvido ou que estavam desenvolvendo. Alguns deles viriam se tornar grandes nomes do Direito, como Daniel Sarmento, Gustavo Binenbojm e Ana Paula de Barcellos.

5. No alvorecer da Nova República, Pertence integrou com brilho a Comissão Afonso Arinos, que elaborou um bom anteprojeto de Constituição para o país. Infelizmente não foi aproveitado como base para o início dos debates na Assembleia Nacional Constituinte.

6. Pouco à frente, José Paulo aceitou uma nova missão na vida: foi ser Procurador-Geral da República, indicado por Tancredo Neves e mantido por José Sarney. Ali marcou época, firmando um padrão de independência e serenidade. Num de seus muitos momentos brilhantes, teve uma ideia extremamente original. Naquela época, o Procurador-Geral da República tinha o monopólio da propositura de ações diretas perante o Supremo. Procurado por um grupo grande de parlamentares para questionar a constitucionalidade da Lei de Informática – que a ele parecia válida –, Pertence adotou uma posição inusitada e criativa: ajuizou a ação – para não privar os interessados e o país da manifestação do STF – mas desde logo se manifestou contra. Como acontece muitas vezes com as pessoas que estão à frente do seu tempo, não foi compreendido. O Supremo extinguiu o processo de plano, considerando haver incongruência entre a propositura da ação e a manifestação contrária.

7. E na Assembleia Nacional Constituinte que elaborou a Constituição de 1988, ele foi o grande artífice do desenho institucional de um Ministério Público independente e vigilante, não apenas na área penal, mas também, notadamente, no campo cível e administrativo, em atuações voltadas para a proteção do consumidor, do meio ambiente e da probidade administrativa.

8. Indagado por mim mesmo, certa ocasião, em uma entrevista, acerca da expansão do papel do Ministério Público, não renegou sua criatura. Com o senso crítico e a sensibilidade que lhe são típicos, assim se manifestou:

“Há abusos? Há excessos? É claro que há. Mas apenas se passaram vinte anos, e todo poder jovem tende a ser um poder entusiasmado e às vezes não sabe resistir às tentações de certos excessos. Eu creio que o amadurecimento da instituição virá, mas o saldo positivo do Ministério Público nestes vinte anos é inegável, sobretudo se se for pesquisar, não aquilo que aparece sob os holofotes, mas o trabalho cotidiano e anônimo que se tem feito em muitas áreas que se abriram à atuação do Ministério Público na Constituição de 1988”.

III. A CHEGADA AO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

1. Em 1989, seguindo um roteiro que se afigurava inevitável, José Paulo Sepúlveda Pertence foi nomeado para o Supremo Tribunal Federal pelo Presidente da República, na vaga do Ministro Oscar Dias Corrêa. Também ali marcaria época e faria história.

2. No Supremo Tribunal Federal, Sepúlveda Pertence se destacou pelo conteúdo e pelo estilo. Não é o caso de inventariar decisões importantes que liderou ao longo do período, ou mesmo aquelas em que ficou vencido, acertando sozinho. Foram muitas as suas posições marcantes: (i) ao estabelecer o sentido e o alcance das cláusulas pétreas, para não impedir que as maiorias políticas de cada tempo possam efetivamente governar; (ii) ao demarcar os contornos do sigilo das comunicações relativamente a dados armazenados na memória dos computadores, traçando a linha correta entre proteção dos direitos fundamentais e enfrentamento legítimo da criminalidade de colarinho branco; (iii) ao definir o regime de relativa estabilidade dos diretores de agências reguladoras; (iv) ao interpretar restritivamente o instituto do foro privilegiado, não o estendendo às ações de improbidade administrativa; e (v) ao delinear os contornos do crime de lavagem de capitais, decisão que é largamente citada na maioria dos precedentes que versam o tema.

3. Pertence conseguiu, com maestria, proteger direitos fundamentais dos acusados, sem, todavia, frustrar a persecução penal legítima que é, em última análise, uma forma de também assegurar os direitos fundamentais de todos à vida, à integridade física, ao patrimônio e à decência na gestão de dinheiros públicos.

4. Porém, e talvez acima de tudo, Pertence simbolizou uma visão progressista da vida e uma liderança suave, capaz de empurrar o Tribunal na direção certa, mas evitando o confronto áspero. Num Supremo que vinha de uma composição formada no regime militar, com uma visão mais conservadora das potencialidades da Constituição de 1988, ele aos poucos conseguiu inverter essa tendência.

5. E, assim, preparou caminho para o Supremo que se reinventaria a partir de meados dos anos 2000, tornando-se um proativo defensor dos direitos fundamentais. E desde então o Tribunal cumpre bem as duas grandes missões que lhe cabem: proteger os direitos fundamentais e proteger as regras do jogo democrático.

6. Tem sido assim, com o avanço de direitos de mulheres, ações afirmativas para negros, proteção da comunidade LGBT, demarcação de terras indígenas. E, também, na proteção da democracia, como fez evitando o rito errático do impeachment e derrubando o modelo mafioso de financiamento eleitoral por empresas que vigorava no Brasil.

8. As dificuldades que o STF enfrenta são relativas a uma competência que ele não deveria ter: a de funcionar como tribunal criminal de 1º grau para uma enorme quantidade de autoridades, pela via do chamado foro por prerrogativa de função ou foro privilegiado. Em algum momento de 2017, havia mais de 500 processos criminais no STF, entre inquéritos e ações penais. Não é assim em parte alguma do mundo. E não há como o Tribunal desempenhar bem esta competência.

9. Porém, hoje é dia de falarmos de flores e não de espinhos.

IV. ALGUMAS CONTRIBUIÇÕES HISTÓRICAS DO HOMENAGEADO

1. Tendo sido por duas vezes Presidente do Tribunal Superior Eleitoral – cargo que, aliás, me espera no próximo ano –, Pertence é um conhecedor do sistema eleitoral brasileiro. E conhece bem os seus problemas. Em uma entrevista a Mauro Noleto, destacou dois dos mais graves: a influência do poder econômico e a fragilidade dos partidos políticos.

2. O diagnóstico é preciso. Por essa razão, nós precisamos, desesperadamente, de uma reforma política capaz de baratear o custo das eleições, aumentar a representatividade dos parlamentares e facilitar a governabilidade, inclusive pela redução drástica do número de partidos, boa parte dos quais não tem qualquer lastro programático autêntico.

3. Aliás, por isso mesmo, o TSE, sob o comando da Ministra Rosa Weber, encaminhou à Câmara dos Deputados uma proposta de Reforma Política, tentando impulsionar esta agenda. O Presidente da Câmara, Deputado Rodrigo Maia, encampou a ideia e prometeu dar-lhe tramitação. Ao comentar as dificuldades de aprovação de uma Reforma Política, Pertence lembrou uma passagem do Presidente Juscelino Kubitschek: “Bem, a primeira regra da política é a sobrevivência. E por isso vitorioso não muda de método”. Mas é preciso não perder a esperança no patriotismo dos integrantes do Congresso Nacional e nos seus compromissos com o Brasil.

4. Uma outra contribuição preciosa do Ministro José Paulo Sepúlveda Pertence foi ter de certa forma inaugurado, ou pelo menos ampliado de maneira expressiva, a comunicação do Poder Judiciário com a sociedade. Havia uma tradição de o Judiciário se manter distante da cidadania, como se precisasse ficar imunizado do contato com a sociedade, resguardado em uma torre de marfim, elitista e distante do sentimento social.

5. Com a ajuda do Irineu Tamanini, um discreto ás da comunicação social, Pertence mudou completamente essa percepção. E aqui é preciso uma reflexão importante, que José Paulo sempre soube fazer.

6. Numa democracia, todo poder é representativo. Ninguém exerce poder em nome próprio ou no próprio interesse. Todo o poder é exercido em nome e no interesse da sociedade. Porque assim é, juízes e tribunais devem ser capazes de interpretar o sentimento social. Porém, é preciso submeter o sentimento social ao filtro da Constituição. Se ele não passar, o dever do juiz é produzir uma decisão contramajoritária: a Constituição existe para que as paixões momentâneas não prevaleçam sobre os valores permanentes. Isso é especialmente válido no processo criminal.

7. O papel da interlocução é explicar para a sociedade o porquê de o sentimento social não ter sido atendido. Porque nem sempre a decisão correta e justa é popular. Porém, respeitados os valores essenciais, preservados os direitos fundamentais, o papel de juízes e tribunais é, sim, realizar da melhor forma os interesses da sociedade. Produzir os melhores resultados para todos. Porque se a sociedade não compreender e não se identificar com o que fazem seus juízes e tribunais, haverá um problema. Tribunais não têm armas nem a chave do cofre. Sua autoridade decorre da credibilidade que desfrute junto à sociedade. Pertence foi um dos primeiros a ter essa percepção e a investir tempo e energia nessa tarefa. Note-se bem: não se trata de submissão à opinião pública, mas sim de ter consideração por ela e se fazer compreendido.

8. O Ministro Pertence foi, também, um dos pioneiros no esforço de racionalização dos trabalhos do Supremo Tribunal Federal. Percebendo o esgotamento da capacidade física do Tribunal, passou a defender mecanismos de otimização dos julgados e a expansão dos seus efeitos, inclusive a súmula vinculante. Enfrentou altivamente todas as resistências e viu suas ideias prevalecerem quase 10 anos depois, quando finalmente, em 2004, veio a Reforma do Judiciário, com a introdução das súmulas vinculantes e da repercussão geral.

9. Ainda hoje o Tribunal precisa de um esforço de racionalização para que não admita mais recursos extraordinários do que possa julgar em um ano. Esta é uma providência indispensável. Com a nova sistemática da repercussão geral, uma vez que ela seja reconhecida, todos os processos que cuidam da matéria no país ficam suspensos. De modo que se o Supremo levar mais de um ano para julgar o tema – e ele muitas vezes leva 4,5, 6 anos para fazê-lo – acaba atravancando a justiça do país. Esta deveria ser a regra de ouro: não admitir mais casos do que possa julgar em um ano. E ao reconhecer a repercussão geral, já deveria marcar a data do seu julgamento, entre 6 meses e um ano da data do recebimento.

V. BOM HUMOR E LEVEZA 

1. Há uma lenda urbana um tanto apócrifa que circula por aí de um caso de extradição em que o extraditando tinha o sobrenome de Walker. Pertence teria então perguntado à relatora, Ministra Ellen Gracie, qual era o prenome do extraditando. Diante de certa perplexidade, Pertence teria esclarecido: “É que se fosse Johnny Walker eu me daria por impedido, em razão de amizade íntima”. José Paulo desmente a história, embora sem veemência. Mas se não aconteceu, poderia ter acontecido. Bom humor e uma certa leveza no trato sempre foram características do nosso homenageado.

2. No geral da vida, nossas ideias sempre foram convergentes em muitos pontos. Mas aqui e ali divergíamos. Em algumas palestras das quais participamos juntos, eu gostava de brincar: “O ministro Pertence e eu temos visões diferentes sobre este assunto específico. Mas não se esqueçam: é a posição dele que faz coisa julgada”. Meu querido amigo: veja como o mundo dá voltas! Hoje é o contrário. Mas para ser sincero, preferia muito mais o tempo em que eu postulava e você decidia.

3. Aliás, o bom humor sempre foi uma característica da sua personalidade. Bom humor e fina ironia, mas nunca com maldade. Dois episódios:

a) O ministro Sepúlveda Pertence era presidente do Supremo Tribunal Federal e jantava no Piantella, em Brasília. De repente, vem até a sua mesa o cidadão Edson Arantes do Nascimento. “Boa noite”, disse o Rei Pelé. “Desculpe incomodar, mas acho que conheço o senhor?” Pertence respondeu de bate-pronto: “Eu também acho que conheço o senhor”. A gargalhada foi geral. Dias depois, a convite de Pertence, Pelé visitou pela primeira vez o STF;

b) Era uma quarta-feira, dia de sessão plenária. Pertence a presidia. Nas cadeiras, estava sentado um advogado gaúcho aguardando a chamada do seu processo. De repente, toca o celular do advogado. Pertence não perdoa: “Senhores ministros, vamos suspender a sessão da Corte para que o Doutor advogado possa falar com tranquilidade ao celular”. O pobre causídico, todo atrapalhado, não sabia se pedia desculpas ou desligava o celular.

4. Devo a Pertence algumas provas de amizade. Foi dele o lindo prefácio da minha tese de titularidade, lançada como livro sob o título “Interpretação e aplicação da Constituição: Fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora”, publicado em 1995. E ao que se noticiou, ele teria, mais de uma vez, sugerido meu nome para o Supremo. Bom: mesmo que ele tenha se arrependido, eu devo a ele essa prova de apreço pessoal e intelectual.

5. E dura como venha sendo a vida por lá, nesses tempos sombrios, eu não tenho arrependimentos. A gente deve cumprir com alegria as missões que a vida nos dá. Considero um privilégio poder servir ao Brasil sem ter nenhum outro projeto na vida que não seja o de cumprir bem o meu papel e ajudar a fazer um país melhor e maior.

VI. CONCLUSÃO

1. É boa a hora de terminar. Quando eu era advogado, eu tinha aprendido a falar tudo o que eu precisava em 15 minutos. Depois que a gente vira juiz, o tempo fica mais flexível. Mas tenho a pretensão de não ser uma dessas pessoas que se apaixonam pela própria voz. 

2. Pertence e eu fomos militantes de duas transformações que a duras penas se tem procurado fazer no Direito brasileiro: a primeira é a Revolução da simplicidade. Fazer com que o Direito deixe de ser um culto esotérico, guiado por um vocabulário desnecessariamente empolado, que afasta da discussão quem não tenha essa chave de conhecimento. Já temos problemas suficientes ao termos que falar coisas como embargos infringentes, eleição de cabecel e mútuo feneratício. Não é preciso piorar. A linguagem não deve ser um instrumento de poder, mas um instrumento de socialização das ideias. Parece fácil, mas não é. Na boa frase de Clarice Lispector: “Que ninguém se engane. A simplicidade dá muito trabalho”.

3. A segunda Revolução ainda está inacabada: é a Revolução da brevidade. Precisamos escrever menos, falar menos, dispensar as exibições de erudição e economizar o tempo de todos, que esta é a matéria prima mais escassa nos dias atuais. Pertence foi um dos expoentes das duas Revoluções.

4. Meu querido amigo: gostaria de encerrar essa saudação com duas frases de Nelson Mandella que acho que se aplicam com perfeição à sua trajetória:

“É a diferença que fazemos nas vidas dos outros que determinará a importância da vida que levamos”.

“Uma boa cabeça e um bom coração formam uma formidável combinação”.

Nelson Mandella

5. A vida é na verdade muito simples: o que a gente dá a ela, a gente recebe de volta. Você distribuiu dedicação às pessoas e bons sentimentos. É isso que explica esse auditório lotado e essa energia boa que ele irradia. A afetividade é um poder revolucionário, uma das grandes forças do universo.

6. Sou grato à vida e sou grato a você por me permitir a glória de poder saudar, com humildade e alegria, um dos meus ídolos de juventude. Uma dessas pessoas que dedicaram a vida a fazer um país melhor e maior. Um homem que ensina sendo. Que ganhou o mundo e não perdeu a alma. Que buscou a verdade, mas nunca teve a pretensão de havê-la encontrado. 

7. Vida longa, meu querido amigo. 

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