A 2ª turma do STF julgará a possibilidade de terceiros impugnarem acordo de colaboração premiada. A tese está em pauta em dois HCs de pacientes que respondem a ação penal derivada da operação Publicano, que investigou desvio de recursos da Receita no Paraná.
Os autores sustentam a ilegalidade de termo aditivo de acordo de delação de ex-auditor. De acordo com os autos, a delação foi rescindida e houve a imputação, pelo delator, de crimes ao parquet (que teria forjado declarações). Depois, delator e MP celebraram termo aditivo e o delator retira as acusações contra o parquet.
Possibilidade de impugnação
O relator dos HCs, ministro Gilmar Mendes, propôs à turma que repensem a jurisprudência do Tribunal acerca da impossibilidade de terceiros impugnarem acordos de delação premiada.
O plenário do STF decidiu, em leading case do ministro Toffoli (HC 127.483), que a delação é meio de obtenção de prova advindo de um negócio jurídico personalíssimo que gera obrigações e direitos entre as partes celebrantes, que não pode ser impugnada por coautores ou partícipes do colaborador na organização criminosa e nas infrações penais por ela praticadas, ainda que venham a ser expressamente nominados no respectivo instrumento.
Contudo, para Gilmar, os acordos têm graves impactos à esfera de corréus delatados e toca intimamente nos interesses da sociedade: “É evidente e inquestionável que a esfera de terceiros delatados é afetada pela homologação de acordos ilegais e ilegítimos.”
O ministro lembrou o caso de delação do ex-senador Delcídio do Amaral, “com declarações que abalaram a República e denegriram a imagem de diversos cidadãos”, que se mostraram futuramente infundadas e imprestáveis à persecução criminal; “não podemos fechar os olhos diante deste cenário e da falta de limites ao poder negocial no processo penal brasileiro”.
Assim, disse Gilmar, em razão do impacto na esfera de direitos de terceiros, o acordo de colaboração premiada deve ser passível de impugnação e controle judicial – “é o momento para dar um passo a mais e reconhecer a possibilidade de impugnação por terceiros em caso de ilegalidade manifesta”.
“Em caso de ilegalidade manifesta em acordo de colaboração premiada o Poder Judiciário deve agir para a efetiva proteção de direitos fundamentais.”
"Virada diametral"
Com relação ao caso concreto, o relator destacou que os aditivos apresentados aos termos continham cláusula que determinavam que os delatores se retratassem de acusações aos promotores do Gaeco e ratificassem declarações anteriores na fase de investigação preliminar.
Para Gilmar, diante da gravidade das acusações aos promotores, seria “questionável que esses agentes possam negociar e transigir sobre fatos supostamente criminosos a eles imputados”. O ministro entendeu um novo acordo sobre os mesmos fatos configurou uma “virada diametral”, com “evidente fragilização”. “A força probatória de tais declarações resta completamente esvaziada diante do panorama.”
Mais adiante, o relator assentou a orientação no sentido de que assentar a obrigatoriedade do registro audiovisual de todas as fases de negociação do acordo.
Dessa forma, concedeu a ordem de ofício para declarar a nulidade do segundo acordo de colaboração firmado, e a ilicitude das declarações incriminatórias prestadas pelos delatores. E determinou ao juízo de origem que verifique outros elementos probatórios contaminados e atos deles derivados, para eventual anulação, bem como a viabilidade do trancamento da ação penal. Com base na necessidade de segurança jurídica, o ministro reconheceu que os benefícios concedidos aos colaboradores no acordo devem ser mantidos.
Por fim, ainda recomendou ao CNMP e à corregedoria do MP/PR, investigação para apurar as “graves denúncias” relacionadas aos integrantes do parquet.
Após o voto do relator, o ministro Edson Fachin pediu vista dos autos, lembrando que o plenário da Corte “já exarou, à unanimidade, um determinado horizonte”. O julgamento será retomado na sessão de 11 de junho.
- Processos: HC 142.205 e HC 143.427