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Regulamentação da telemedicina não deve judicializar saúde no Brasil, analisam especialistas

Advogadas explicam os impactos positivos e negativos que a prática deve ter no país.

21/2/2019

Recentemente, o CFM – Conselho Federal de Medicina editou a resolução 2.227/18, que define e disciplina a telemedicina como o exercício da medicina mediado por tecnologias, regulamentando a prática no Brasil. A norma entra em vigor 90 dias após sua publicação , que se deu em 6 de fevereiro.

A tecnologia tem alterado as relações entre médico e paciente, que passaram a ser mediadas até mesmo por aplicativos e plataformas que permitem o atendimento médico à distância. Mesmo que o uso da tecnologia tenha crescido nos últimos anos, inclusive na saúde, a resolução do CFM não é inédita no país.

É o que afirma a advogada Thaís Bertolini da Cruz, supervisora da área cível de saúde do escritório Marcelo Tostes Advogados. Segundo a especialista, a prática foi definida pela resolução 1.643 /02 do CFM. No entanto, a nova medida instituída pelo Conselho revoga o texto anterior e atualiza as regras sobre o tema.

“Com o avançar da tecnologia, já era tempo de ampliar a regulamentação para situações presentes no cotidiano que já se apresentavam à margem dos atendimentos clínicos realizados.”

De acordo com a especialista, ao passo que a resolução anterior regulamentava a telemedicina como um recurso de médico para médico (o que assiste o paciente e o médico consultor), agora, a nova norma regulamenta outros aspectos envolvidos na prática médica.

“Nesse momento, a nova resolução do CFM vem regulamentando a teleconsulta, entre médico e paciente em diferentes espaços geográficos, a teleinterconsulta (troca de informações e opiniões entre médicos com ou sem a presença do paciente), o telediagnóstico, a telecirurgia, a teleconferência de ato cirúrgico, a teletriagem médica, o telemonitoramento. Em suma, regulamenta várias situações da prática da medicina à distância podendo ser realizada em tempo real ou offline.”

Aplicativos

Entre as ferramentas de telemedicina, talvez as mais conhecidas sejam os aplicativos que possibilitam o contato à distância entre médico e paciente ou até mesmo presencialmente, por meio do cadastro em plataformas e da precificação das consultas – popularmente conhecidos como “Uber da medicina”. Os dispositivos também já são regulamentados pelo CFM, por meio da resolução 2.178/18, e têm ganhado popularidade nos últimos anos.

Para a advogada Estela Tolezani, da banca Vilhena Silva Advogados, a possibilidade de se fazer o atendimento por meio das plataformas traz diversas vantagens, em especial, aos pacientes.

“Como principais vantagens temos o atendimento para as pessoas que se encontram em regiões de difícil acesso, e o atendimento para os pacientes com doenças crônicas.  Na primeira hipótese, não há a necessidade da primeira consulta ser presencial, desde que o paciente esteja acompanhado de outro profissional de saúde. Já nos casos dos pacientes crônicos, evitaria um deslocamento apenas para a entrega de prescrição médica para compra de remédios.”

A causídica explica que ponto negativo da telemedicina, no entanto, é em relação à perda da pessoalidade no atendimento. Para Thaís Bertolini da Cruz, a desvantagem pode recair também sobre os honorários recebidos pela classe médica, que podem ser reduzidos em virtude do uso dessas ferramentas.

Judicialização

Mesmo com o crescimento do uso da tecnologia na medicina, o último levantamento  Justiça em Números feito pelo CNJ, que tem 2017 como ano-base, mostrou que, em média, a cada uma hora, três ações sobre erros médicos são ajuizadas no Brasil. São cerca de 70 novos processos ajuizados por dia no país em decorrência de falhas na prestação de serviço médico.

Apesar do número de demandas judiciais envolvendo erros médicos, a advogada Estela Tolezani, acredita que o uso da telemedicina não tem o potencial de aumentar a judicialização de temas relacionados à saúde no Brasil.

Segundo a especialista, as exigências trazidas pela resolução podem até mesmo evitar novas demandas sobre o tema, “isso porque muitas ações por erro médico são ajuizadas em razão da falha na comunicação entre médico e paciente”.

“Como a resolução exige a concordância e autorização expressa do paciente (ou seu representante legal), por meio de documento formal que deverá ser assinado, talvez [a resolução] não implique na elevação de demandas nesse sentido.”

Proteção de dados

Segundo Thaís Bertolini da Cruz, a regulamentação da telemedicina no Brasil está em consonância com o cenário internacional, sendo a prática reconhecida pela Associação Médica Mundial (World Medical Association) desde 1999, por meio do documento intitulado “Responsabilidades e Normas Éticas na Utilização da Telemedicina”.

A advogada explica que a norma, embora não potencialize a judicialização da saúde no Brasil, pode gerar discussões acerca de outros pontos, em especial, em relação à responsabilização dos profissionais quanto à segurança de dados dos pacientes.

“O que certamente será discutido é como ficará a responsabilização profissional em situações como cirurgias remotas, diagnósticos a distância, informações do paciente à luz da Lei Geral de Proteção de Dados.”

No entanto, Estela Tolezani afirma que, em relação a este ponto, a norma editada pelo CFM é ainda mais rigorosa que as regras internacionais, impondo regras mais rígidas acerca da preservação de dados dos pacientes.

“O médico é obrigado a preservar todos os dados trocados por texto, imagem ou áudio, entre médicos, pacientes e profissionais de saúde. As informações devem ser guardadas por 20 anos”, pontua.

Propostas sobre a regulamentação

Apesar de a norma atualizar resolução anterior, após sua publicação, o CFM abriu prazo até 7 de abril de 2019 para que médicos e entidades representativas da categoria enviem suas contribuições e propostas para modificá-la. As sugestões podem ser enviadas por meio de ofício a e-mail divulgado no site do conselho.

Por isso, Thaís Bertolini da Cruz entende que a oportunidade de humanizar a telemedicina e implementar a prática está aberta para os profissionais brasileiros.

“O momento é de canalizar ideias para instrumentalizar a resolução de maneira ética, favorável aos pacientes e profissionais da saúde, com segurança jurídica. Da tecnologia já nasce uma nova medicina”, conclui.

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