No último dia 14, foi publicada no Diário Oficial do Estado de Santa Catarina a mensagem de veto total ao projeto de lei 48/17, que trata do uso do nome social e do reconhecimento da identidade de gênero de travestis e transexuais no âmbito da Administração Pública do Estado.
Na mensagem, o governador do Estado, Carlos Moisés, afirmou que a matéria está eivada de informalidade formal orgânica por invadir competência privativa da União para legislar sobre Direito Civil.
A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão – PFDC, órgão do MPF, emitiu na última segunda-feira, 21, manifestação contra a medida. De acordo com a PFDC, uma nota técnica do grupo de trabalho “Direitos Sexuais e Reprodutivos” da procuradoria apontou que os legisladores atuaram de forma constitucional, pois cuidaram de assunto relativo à Administração Pública estadual, e não de registro público ou de qualquer outra matéria de Direito Civil.
Segundo a PFDC, a adoção do nome social como expressão de identidade e de dignidade humana é um direito constitucional, reconhecido pelo STF em mais de uma oportunidade.
A Procuradoria destacou que tal direito decorre de inúmeros documentos internacionais adotados pelo Brasil, e também de legislações como o decreto 8.727/16, sobre o uso do nome social e o reconhecimento da identidade de gênero de pessoas travestis e transexuais no âmbito da Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional; e a portaria PGR/MPU 7/18, sobre uso do nome social pelas pessoas transgênero usuárias dos serviços, pelos membros, servidores, estagiários e trabalhadores terceirizados, no âmbito do MPU.
Ainda, a Procuradoria afirmou que o veto ao PL 48/17 de SC está "eivado de vícios formais e materiais, possui fundamentação antijurídica e vai de encontro à efetivação do direito fundamental e humano das pessoas transgênero a serem tratadas pelos entes públicos em consonância com sua identidade de gênero autodeterminada, direito esse decorrente dos marcos internacional e constitucional e já reconhecido na jurisprudência da Suprema Corte Brasileira e demais Tribunais Superiores".
A PFDC encaminhou a nota técnica à Assembleia Legislativa do Estado de Santa Catarina – Alesc.
Mudança de nome
Em 15 de agosto de 2018, o plenário do STF concluiu julgamento do RE 670.422 com repercussão geral reconhecida que discutia a alteração de gênero e nome no registro civil de transexual mesmo sem a realização de cirurgia. Um dos pontos fixados em tese pela Corte se deu no sentido de que “essa alteração deve ser averbada à margem do assento de nascimento, vedada a inclusão do termo 'transgênero'”.
A tese foi aderida por maioria do plenário, ficando vencido apenas o ministro Marco Aurélio.
Antes disso, em março do mesmo ano, o plenário já havia decidido, na ADIn 4.275, que é possível a alteração de registro civil por transexuais e transgêneros que não tenham realizado cirurgia de redesignação de sexo.
Na ocasião, a Corte também decidiu, por maioria, tornar dispensável a autorização judicial para a mudança, podendo esta ser solicitada por via administrativa.
Registro eleitoral
No mesmo mês, o plenário do TSE decidiu, por unanimidade, que travestis, transexuais e transgêneros podem solicitar à Justiça Eleitoral emissão de título de eleitor com seu respectivo nome social em vez do nome civil. Na sessão de julgamento, os ministros também determinaram que o cadastro eleitoral deve possuir informações relativas aos dois nomes, tanto o social quanto o civil, sendo a eventual candidatura a cargo público feita a partir do nome social do candidato, para preservação de sua intimidade.
STJ
Em maio de 2017, a 4ª turma do STJ também decidiu, ao julgar o REsp 1.626.739, pelo direito de transexual de alterar o nome em seu registro civil mesmo sem cirurgia. Na ocasião, o relator, ministro Luís Felipe Salomão pontuou que a segurança jurídica pretendida com a individualização da pessoa perante a família e a sociedade deve ser compatibilizada com o princípio fundamental da dignidade da pessoa humana.
Dessa forma, destacou, a exigência de cirurgia para viabilizar a mudança do sexo registral "vai de encontro à defesa dos direitos humanos internacionalmente reconhecidos - máxime diante dos custos e da impossibilidade física desta cirurgia para alguns -, por condicionar o exercício do direito à personalidade à realização de mutilação física, extremamente traumática, sujeita a potenciais sequelas (como necrose e incontinência urinária, entre outras) e riscos (inclusive de perda completa da estrutura genital)". O voto foi seguido por três dos quatro colegas de turma, garantindo ao requerente o direito de mudança do registro civil.