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Municípios e empresas rechaçam ICMS sobre software

Tema está na pauta de julgamentos do STF na sessão extraordinária da próxima quarta-feira, 22.

19/8/2018

Integrantes das fazendas municipais, das empresas e de entidades do setor de tecnologia da informação se uniram contra o que consideram o mais grave gargalo tributário da inovação: a bitributação do licenciamento de programas de computadores, sobre os quais já incide o ISS, mas dos quais os Estados tentam cobrar o ICMS, como ocorre em Mato Grosso, São Paulo e Minas Gerais.

A matéria chegou ao STF há quase vinte anos, por meio da ADIn 1.945, de relatoria da ministra Cármen Lúcia, que levou mais de uma década para ter o pedido de cautelar julgado. A ação ataca uma lei mato-grossense aprovada nos últimos dias de 1998, que prevê a incidência de ICMS sobre as operações com programa de computador, ainda que realizadas por transferência eletrônica de dados.

Também tramitam no Supremo a ADIn 5.576, de relatoria do ministro Toffoli, e a ADIn 5.659, relatada pelo ministro Barroso, que trazem respectivamente as realidades de Minas Gerais e São Paulo.

Essas últimas ações consideram a LC 116/03, que prevê o ISS sobre o licenciamento ou cessão de direito de uso de programas de computação, e são posteriores ao Convênio ICMS 181/15, que autoriza certos Estados a concederem redução de base de cálculo nas operações com softwares, programas, jogos eletrônicos, aplicativos, arquivos eletrônicos e congêneres na forma que especifica. A ADIn 1.945, contudo, é anterior a todas essas alterações.

Debate

O professor e auditor fiscal do município de São Paulo, Alberto Macedo, num raro consenso entre fiscos e contribuintes. 

Diante da controvérsia, na última sexta-feira, 17, no escritório Ayres Britto Consultoria Jurídica e Advocacia, se alternaram em painéis as diretoras jurídicas da Microsoft, Carolina Archanjo, e da Bentley Systems, Paloma Mansano; Alberto Macedo, professor e auditor fiscal do município de SP e Maren Taborda, procuradora do município de Porto Alegre, ambos representantes da Associação Brasileira das Secretarias de Finanças das Capitais; Ricardo Godoi, advogado da Confederação Nacional de Serviços e Manoel Santos, diretor jurídico da Associação Brasileira das Empresas de Software; e o constitucionalista Saul Tourinho Leal. A abertura do evento coube ao ex-presidente do STF, ministro Carlos Ayres Britto.

Para Britto, “a democracia tem por fundamento o prestígio das bases e o controle das cúpulas. Essa matéria mostra bem isso. De um lado, os municípios, os mais necessitados de autonomia orçamentária. Do outro, na cúpula, os Estados. É uma disputa genuinamente constitucional”. Conforme o ministro Britto, é necessário prestigiar os municípios, levando em conta a realidade social do cidadão, vivida nos limites geográficos dos municípios e distritos.

Paloma Mansano, da Bentley Systems, e Carolina Archanjo, da Microsoft.

Paloma Mansano e Carolina Archanjo mostraram-se preocupadas. “É duro ver o país perder em investimentos para a China, por exemplo, porque os recursos dos quais disporíamos ficam contingenciados pela insegurança criada com estratégias como essas que, mesmo com a Lei Nacional do ISS, bitributam a atividade com o ICMS”, disse Mansano.

Para as painelistas, a bitributação do setor ocorrida a partir da cobrança do ICMS impacta a performance no Brasil no cenário internacional quanto à inovação. Esse ano, o Índice Global de Inovação apontou o Brasil na 64ª posição dentre as 126 economias avaliadas. O índice é calculado em conjunto pela Universidade Cornell, da faculdade de administração Insead e da OMPI (Organização Mundial da Propriedade Intelectual). O país fica atrás, por exemplo, do Chile, Costa Rica e México.

Carolina Archanjo trouxe uma posição institucional: “A Microsoft respeita o principio da legalidade e da confiança nas relações tributárias e é por isso que recolhemos o ISS sobre operações de licenciamento de uso de software no Brasil”, afirmou.

Os representantes da ABRASF, Alberto Macedo e Maren Taborda, apresentaram os argumentos pelos quais os municípios têm zelado pelo que entendem ser sua competência. “No licenciamento, não há nenhum dos elementos - tangibilidade e transferência de titularidade - que permita a incidência do ICMS. Se partirmos para um conceito tão abrangente de mercadoria a ponto de abarcar bens imateriais, teremos o esvaziamento da base do ISS dos municípios”, disse Macedo.

Ricardo Godoi, advogado da CNS, que tanto é amicus curiae na ADIn 1.945, como ajuizou as ADIs 5.576 e 5.659, realçou a necessidade de o STF reunir as ações para que a discussão reflita a realidade atual. Tanto a CNS, como a ABES e a ABRASF já peticionaram invocando o artigo 126 do Regimento Interno do STF, que prevê o julgamento conjunto de casos que contam com matérias idênticas. Ainda não houve decisão da presidência do STF quanto às petições.

Manoel Santos, diretor jurídico da ABES, tratou dos fundamentos jurídicos: “A Procuradoria-Geral da República e a Advocacia-Geral da União trouxeram uma interpretação equivocada dos precedentes, o primeiro do ministro Sepúlveda Pertence e o segundo do ministro Ilmar Galvão. O STF definiu que, não tendo por objeto uma mercadoria, mas um bem incorpóreo, não incide ICMS sobre as operações de licenciamento ou cessão do direito de uso de programas de computador. Os programas se constituiriam mercadorias apenas quando o software circula gravado em suporte informático, atividade essa que praticamente desapareceu.

Encerrando o evento, o constitucionalista Saul Tourinho Leal destacou que “com a urbanização, as cidades se reconstruíram e depois de décadas de trabalho duro e investimento em inovação começam a colher os frutos. Agora, alguns Estados pedem que a Corte destrua o conceito de software, que é global. Ele passaria a ser mercadoria e, assim, a recolher o ICMS. A Constituição não subscreve isso”.

O evento contou com cerca de 100 participantes, entre players do setor, a exemplo da BRASSCON - Associação Brasileira das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação, representada pelo seu gerente de relações institucionais, Daniel Stivelberg. Também compareceram advogados e jovens ligados ao ecossistema da inovação, como startups e empresas de tecnologia.

A ADIn 1.945 será a última grande causa tributária de relatoria da ministra Cármen Lúcia pautada sob a sua presidência. O julgamento está agendado para a sessão extraordinária da próxima quarta-feira, 22, e será em conjunto com a ADIn 4.623.

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