Migalhas Quentes

Contexto do entrevero entre Barroso e Gilmar

Para entender o que se deu na semana retrasada, quando o ministro Barroso falou que Gilmar usava o plenário para destilar ódio, é preciso analisar o caso sob outro ângulo.

6/11/2017

A imprensa de modo geral deu muito destaque ao agastamento havido entre os ministros Gilmar Ferreira Mendes e Luís Roberto Barroso no julgamento da ação contra a extinção do Tribunal de Constas dos Município do Estado do Ceará.

Em geral o tom foi o mesmo nos editoriais: pediu-se serenidade aos julgadores. Na mesma onda entraram algumas entidades jurídicas.

Todavia, pegou-se a parte pelo todo. E como toda regra tem exceção, no caso a virtude não está no meio. Com efeito, talvez os que se manifestaram acerca do entrevero não tenham a informação completa. Melhor explicando, sem refolhos, há muito havia o agastamento. Talvez por questões acadêmicas (são dois constitucionalistas de escol), talvez por motivos que só Freud explica, o fato é que o ministro Gilmar passou a se antagonizar com o ministro Barroso.

Aliás, basta lembrar o julgamento do caso da proibição do financiamento privado de campanhas, ação na qual o ministro Barroso já havia votado, e nem estava no Brasil quando se deu uma triste passagem. Para quem não se lembra, após quase um ano e meio do pedido de vista (quando já havia maioria formada), o ministro Gilmar Mendes sugeriu que o ministro Luís Roberto Barroso, então professor da UERJ, teria usado a OAB (impetrante da ADIn) para defender a proibição do financiamento de empresas às campanhas eleitorais.

Mas assim como esse caso, foram vários nos últimos meses. O fato é que como o ministro Barroso não reagia às farpas, elas foram aumentando de tom.

Mas nem seria preciso voltar nas sessões anteriores para ver o contexto. Basta analisar a própria sessão na qual se deu o desgaste. Antes, vejamos um retrato objetivo com o tempo dos votos dos ministros. O relator, ministro Marco Aurélio, voto que geralmente é o mais substancioso por conta da relatoria, demorou 39 minutos. Na sequência, abrindo a divergência, o que também consome tempo de argumentação, o ministro Alexandre de Moraes gastou 23 minutos. Seguiram-se, acompanhando o relator, Fachin 8 minutos, Barroso 5 minutos, Rosa 2 minutos, Fux 6 minutos. A propósito, nos 6 minutos do ministro Fux inclua-se um aparte do ministro Gilmar, que pelo tom já denunciava o que estava por vir.

A seguir Lewandowski gastou 7 minutos para votar com o relator, último voto antes do intervalo regimental.

Na volta, como o ministro Gilmar estava atrasado, o ministro Celso adiantou seu voto e demorou apenas 15 minutos para também seguir o relator.

Começa, então, o ministro Gilmar Mendes. Já avisamos, conquanto a maioria já estivesse firmada (7 votos contra 1), o ministro demorou intermináveis 56 minutos.

S.Exa. falou das minhocas, das farmácias suíças. Falou que isso não era coisa de bang bang. Disse ainda, referindo-se, por óbvio, aos 7 ministros que lhe eram contrários, que estariam “legitimando uma decisão de faroeste”; que “não se tratava de fechar uma quitanda” ou uma “bodega da esquina”; que estavam “fazendo jurisprudência contraditória de acordo com os ventos”; que estavam “cometendo fraude argumentativa”; que estavam “a todo momento mandando paraplégico andar”.

Depois deste amoroso florilégio, começou a falar da emenda constitucional dos precatórios e a detonar a decisão que a declarou inconstitucional, e na qual ficou vencido.

Gilmar Mendes fez ainda crítica ferrenha à OAB, dizendo que no caso dos precatórios ela foi usada por lobby de advogados. Lobby este que, segundo o ministro, age até mesmo nas eleições da OAB. “Gente poderosa”, disse ele.

Enfim, nesse contexto, que nada tinha a ver com a extinção do Tribunal de Contas do Ceará, foi que se deu a discussão. Veja, pois, os minutos que antecederam ao agastamento.

Como se vê pelo vídeo acima, errou no endereçamento quem recomendou serenidade a ambos.

Antecedentes

Há muito que o ministro Gilmar Mendes é considerado dos mais beligerantes ministros do Supremo. S. Exa. com frequência está envolvido em discussões, no mínimo, acaloradas com os colegas do plenário.

Em abril de 2009, por exemplo, uma sessão plenária chegou a ser cancelada em decorrência do bate-boca entre Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa.

Com o ministro Lewandowski, não foram poucas as vezes. No ano de 2012, os ministros discutiram sobre o destino de processos de pessoas sem foro privilegiado:

Em 2015, durante julgamento sobre a possibilidade de cumprimento de pena em regime menos gravoso por falta de vagas:

Cerca de um ano depois, nova discussão quando o ministro Lewandowski ressaltar que Gilmar, após proferir voto, abriu mão e pediu vista do processo em julgamento:

E até mesmo com advogados o ministro Gilmar Mendes já esteve envolvido em desentendimentos, como durante o julgamento da ADIn 4.650, sobre o financiamento privado de campanhas, ação ajuizada pela OAB, e sobre a qual Mendes disse: "O espírito santo jurídico abandonou quem fez esta ação."


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