Barroso diz que Gilmar usa plenário para destilar ódio
Em acalorado debate, ministro Barroso afirmou que Gilmar é leniente com crimes do colarinho branco e que juiz não pode ter correligionário.
Da Redação
quinta-feira, 26 de outubro de 2017
Atualizado às 19:02
A sessão do STF desta quinta-feira, 26, foi a crônica de um confronto anunciado. O encontro estava marcado, mas, sessão a sessão, era postergado.
Hoje, ao final do julgamento de uma ADIn, em que se discutia a extinção do Tribunal de Contas dos Municípios do Ceará, quando o placar já era por ampla maioria, 7 a 1, o ministro Gilmar Mendes começou a votar, com seu ácido tom característico.
Agressivo, duro com quem votou diversamente de seu entendimento (ele se aliava ao "1" do placar), S. Exa. mais uma vez, como já havia feito recentemente, relembrou o caso da ação que julgou inconstitucional a emenda dos precatórios, para novamente criticar o ministro Fux, que tinha sido o relator daquele feito. Por tabela, criticou o Rio de Janeiro. O ministro Fux, faixa-preta de Jiu-Jitsu, não entrou no ringue. Preferiu deixar o ministro sozinho no octógono.
O mesmo não se deu com o ministro Barroso, que há muito vinha sendo alvo de farpas do ministro Gilmar. Com um ímpeto cesariano, iniciou uma altercação com o ministro.
Sem decair na metáfora da luta, foi como se levasse o ministro Gilmar às cordas, e o castigasse, sem dó. A ministra Cármen interrompeu o embate, pois anteviu um estrago.
Ao final, Barroso recomendou que o ministro Gilmar ouvisse a música "As Caravanas", de Chico Buarque. Nela, Julinho da Adelaide ensina que "a raiva é filha do medo e mãe da covardia".
Leia a íntegra do diálogo:
Gilmar: A prova de que falta criatividade do legislador é o caso do Rio de Janeiro - a gente citar o Rio de Janeiro como exemplo...
Barroso: Eles devem achar que é Mato Grosso, onde tá todo mundo preso...
Gilmar: Não, é o Rio de janeiro mesmo... e no Rio não estão?
Barroso: Alias, nós prendemos, tem gente que solta.
Gilmar: Solta cumprindo a Constituição... quem gosta de prender... V. Exa., quando chegou aqui, soltou Zé Dirceu!
Barroso: Porque recebeu indulto do presidente da República!
Gilmar: Não, V. Exa. julgou os embargos infringentes.
Barroso: Absolutamente, é mentira! Aliás, V. Exa. normalmente não trabalha com a verdade! Então gostaria de dizer que José Dirceu foi solto por indulto da presidente da República. E V. Exa. está fazendo um comício que não tem nada que ver com extinção de tribunal de contas do Ceará.
V. Exa. está queixoso porque perdeu o caso dos precatórios e está ocupando o tempo do plenário com um assunto que não é pertinente para destilar esse ódio constante que V. Exa. tem e agora o dirige contra o Rio. V. Exa. devia ouvir a última música do Chico Buarque, "a raiva é filha do medo e mãe da covardia".
V. Exa. fica destilando ódio o tempo inteiro, não julga. Não fala coisas racionais, articuladas. Sempre fala coisas contra alguém, está sempre com ódio de alguém, está sempre com raiva de alguém. Use um argumento!
Neste momento, Cármen Lúcia chamou a atenção para que voltassem à discussão sobre o Tribunal de Contas.
Gilmar: Vou voltar, só queria lembrar que os embargos infringentes de José Dirceu foram decididos aqui.
Barroso continuou: Zé Dirceu permaneceu preso, sob minha jurisdição, inclusive revoguei a prisão domiciliar porque achei imprópria. Concedi a ele indulto com base no decreto aprovado pela presidente da República, porque ninguém é melhor e nem pior do que ninguém. E, portanto, apliquei a ele a lei que vale para todo mundo. Quem decidiu foi o Supremo, aliás, não fui eu, porque o Supremo tem 11 ministros, e, portanto, a maioria entendeu que não havia o crime. E depois ele cumpriu a pena e só foi solto por indulto, e mesmo assim permanece preso porque estava preso por determinação da 13ª vara Criminal de Curitiba. E agora, só está solto porque a 2ª turma determinou que ele fosse solto. Portanto, não transfira para mim essa parceria que V. Exa. tem com a leniência em relação à criminalidade do colarinho branco.
Gilmar, rindo: Imagine...
Cármen a Gilmar: Peço por gentileza... estamos no plenário de um Supremo Tribunal e eu gostaria que... vamos voltar, por favor. Penso que V. Exa. colaborará.
Gilmar retomou brevemente a questão do julgamento em análise, e logo retomou a discussão:
Quanto ao meu compromisso com crime de colarinho branco, presidente, eu tenho compromisso com os direitos fundamentais. Fui presidente do STF, que foi inicialmente quem liderou todo um mutirão carcerário. São 22 mil presos libertados e era gente que não tinha sequer advogado. Não sou advogado de bandidos internacionais.
Barroso: V. Exa. vai mudando a jurisprudência de acordo com o réu. Isso não é estado de direito, é estado de compadrio. Juiz não pode ter correligionário.
Gilmar: Tenho esse histórico e realmente na 2ª turma, que eu sempre integrei, nós temos uma jurisprudência responsável, libertária, e não fazemos populismo.
Cármen: Ninguém faz, ministro. O Supremo Tribunal faz julgamentos.
Cármen Lúcia interrompeu o ministro e encerrou a discussão, confirmando o voto no julgamento.