Na terça-feira, 14, o ministro Rogério Schietti Cruz liberou para julgamento na 6ª turma do STJ o RHC 75.851, que discute a legalidade de escuta ambiental na Divisão de Homicídios de Niterói e São Gonçalo, da Polícia Civil do RJ, onde foram gravadas conversas entre o advogado Paulo Wong Chan e seu cliente, e também de outros advogados. A interceptação foi autorizada pela juíza de Direito da vara Única de Cordeiro/RJ, Samara Freitas Cesário.
Autora do RHC, a Abracrim – Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas divulgou nesta semana nota de "repúdio e indignação em razão da interceptação ambiental realizada" (veja abaixo). De acordo com o documento assinado pelo presidente da entidade, James Walker Júnior, e o vice, Carlo Luchione, em depoimento em juízo o delegado de polícia Fabio Barucke, que presidiu as investigações, afirmou que entende como legal a interceptação em um ambiente em que estão presentes advogados e seus clientes, "o que também merece o repúdio da classe".
"Dessa forma, revela-se inconcebível que o poder judiciário, a quem compete administrar a justiça, admita qualquer resquício de complacência com esse tipo injustificável de violação das prerrogativas profissionais do advogado, que tem se tornado recorrente por parte de alguns atores processuais pelo país."
Histórico
O caso trata de autoria de homicídio do ex-prefeito do município de Macuco/RJ, Rogério Bianchini, ocorrido em 30 de abril de 2015.
Em setembro de 2015, após representação policial e manifestação favorável do MP, a juíza de Direito da Vara Única de Cordeiro/RJ, Samara Freitas Cesário, autorizou a escuta ambiental de sala para manutenção e inquirição dos indiciados, na sede Divisão de Homicídios de Niterói e São Gonçalo, da Polícia Civil do RJ, pelo prazo de 15 dias. Determinou que fosse mantida sob sigilo a interceptação de áudio e imagem, durante a manutenção dos investigados no local.
A magistrada justificou, entre outros, que "a escuta ambiental para a captação de diálogos e movimentos entre os investigados durante a manutenção destes em recinto fechado na sede da Divisão de Homicídios, diga-se, resguarda inclusive os interesses dos próprios investigados, a fim de evitar eventuais abusos da autoridade policial, conforme aventado por alguns investigados nos diálogos interceptados nos autos".
A interceptação se deu por mais de três horas ininterruptas, sendo gravados diálogos entre cinco advogados e seus clientes. As informações foram utilizadas nos autos posteriormente pela juíza, que recebeu a denúncia e decretou a custódia cautelar dos três corréus.
A defesa de um dos investigados, patrocinada pelo escritório Luchione Advogados, requereu, então, a nulidade da interceptação, alegando violação ao exercício da advocacia (incisos II e II, do art. 7º, da lei 8.906/94 e art. 133 da CF). Também pleiteou a anulação de todas as decisões fundamentadas nessas escutas, especialmente, a que decretou a prisão preventiva.
Entretanto, a magistrada indeferiu os pedidos, alegando que a gravação ambiental foi devidamente autorizada e "não há como se reconhecer que a gravação visava captar diálogos sigilosos entre os advogados e seus clientes, uma vez que a sala onde o sistema de gravação foi instalado era somente uma sala de espera de livre acesso dos investigadores". Afirmou ainda que a decretação da preventiva se fundamentou, "única e exclusivamente", na postura do réu durante as gravações e sua comunicação com o corréu, "não tendo sido utilizado pelo Juízo qualquer diálogo entre os indiciados e seus patronos".
Contra essa decisão, a Abracrim impetrou HC em favor de dois investigados que se encontravam presos. O pedido foi negado pela 1ª câmara Criminal do TJ/RJ e a entidade recorreu ao STJ. De acordo com a associação, "é fato que o referido sigilo foi violado. Pretender ignorar essa violação é uma afronta a todos os advogados atuantes no Brasil e à suas prerrogativas, e, com a força normativa da atual Constituição da República, é seguro afirmar que com as prerrogativas profissionais dos advogados não se transige".
No RHC, a associação pede, entre outros, que seja declarada a ilicitude da interceptação ambiental e sua consequente nulidade, e dos atos processuais posteriores fundamentados nas gravações. O Conselho Federal da OAB requereu ingresso no feito na condição de assistente, mas o pedido foi negado pelo ministro Schietti.
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NOTA DE REPÚDIO
A Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas do Rio de Janeiro – ABRACRIM – RJ – vem a público externar o seu absoluto repúdio e indignação em razão da interceptação ambiental realizada na Divisão de Homicídios de Niterói, efetuada pelo Delegado de Polícia responsável por aquela Delegacia Especializada, contra o DR PAULO WONG CHAN, OAB/RJ Nº 86.384, que se encontrava em entrevista com seu cliente , ocasião que foi ilicitamente interceptado ambientalmente, no exercício da profissão, violando-se gravemente a prerrogativa profissional do sigilo profissional, amparada pela Lei federal 8.906/94.
A interceptação se deu por mais de três horas ininterruptas e foi utilizada nos autos posteriormente, ilícitamente, pela MM. Juíza de Direito da Vara Única de Cordeiro, município do interior do estado do Rio de Janeiro, Dra. Samara Freitas Cesário.
A Autoridade Policial, Delegado Fabio Barucke, declinou em depoimento em Juízo que “considera legal” esse tipo de interceptação entre advogados e seus constituintes, o que também merece o repúdio da classe.
Dessa forma, revela-se inconcebível que o poder judiciário, a quem compete administrar a justiça, admita qualquer resquício de complacência com esse tipo injustificável de violação das prerrogativas profissionais do advogado, que tem se tornado recorrente por parte de alguns atores processuais pelo país.
A advocacia é função essencial à justiça, por mandamento Constitucional, e seus atos e manifestações referentes ao exercício da profissão são invioláveis e devem ser reservadas e sigilosas.
Ademais, é inquestionável o fato de que o sigilo profissional é condição indispensável para o exercício de liberdade da defesa e é garantia fundamental do acusado. A vigente Constituição brasileira, o Código de Processo Penal, o Estatuto da Advocacia e até mesmo a Convenção Americana de Direitos Humanos preceituam e protegem a relação cliente e advogado.
A ABRACRIM-RJ já está tomando as providências legais cabíveis, onde atuou prontamente objetivando o desentranhamento e inutilização da mídia/fotos ilícitas, impetrando Habeas Corpus neste sentido e permanecerá atenta e vigilante ao deslinde desta inaceitável prática ilegal de grave violação das prerrogativas profissionais dos advogados criminalistas, em afronta aos direitos e garantias fundamentais e ao Estado Democrático de Direito.
Rio de Janeiro, 14 de fevereiro de 2017.
JAMES WALKER JÚNIOR - PresidenteCARLO LUCHIONE - Vice-Presidente