Migalhas Quentes

Em pauta: Os efeitos do indiciamento e o remédio legal

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7/4/2006


Os efeitos do indiciamento e o remédio legal


No informativo de ontem (Migalhas 1.389 - clique aqui), em uma entrevista exclusiva, o juiz aposentado dr. Ovídio Rocha Barros Sandoval, da Advocacia Rocha Barros Sandoval & Ronaldo Marzagão, ensinou que - ao contrário do que insistem em falar os jornais - CPI não indicia ninguém.

“A CPI não pode indiciar. Seus poderes se restringem à investigação sobre o fato determinado. O indiciamento somente poderá ser feito depois de aprovado o Relatório final a ser encaminhado para o Ministério Público. Somente o Ministério Público se entender presentes indícios de crime requererá à Polícia Judiciária que promova a abertura de inquérito policial e proceda, se as investigações autorizarem, o indiciamento da pessoa apontada como possível autor do delito."

Autor da obra “CPI ao Pé da Letra” (editora Millennium, 2001, 238p.), dr. Ovídio já tinha esmiuçado o tópico, principalmente ao falar dos poderes da CPI.

“Quando a Constituição diz que as Comissões Parlamentares de Inquérito ‘terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais’, importante fixar uma distinção. A outorga de tais poderes próprios das autoridades judiciais não confere às comissões de inquérito a competência para praticar atos jurisdicionais.”

Em seu livro o advogado lista os poderes das Comissões :

Mesmo assim, em uma rápida passagem por alguns portais de notícias, é possível encontrar as seguintes manchetes:

"Relatório final sugere indiciamento de mais de 100..."

"Professor indiciado pela CPI dos Correios pede HC no supremo"

É importante lembrar, segundo dr. Ovídio, que toda a oitiva de testemunhas e pessoas envolvidas diretamente nas CPIs, denominadas erroneamente de indiciados, deve ficar circunscrita ao fato determinado para a instalação da CPI.

"Aide – mémoire" sobre o indiciamento

Indiciamento é a imputação a alguém, no inquérito policial, da prática do ilícito penal, ou “o resultado concreto da convergência de indícios que apontam determinada pessoas ou determinadas pessoas como praticantes de fatos ou atos tidos pela legislação penal em vigor como típicos, antijurídicos e culpáveis”, ensina o professor Rogério Lauria Tucci.

Havendo qualquer indício da autoria, deve a autoridade policial providenciar o indiciamento. O indiciamento exige, até por força de etimologia, que haja, em relação a ele, indícios razoáveis de autoria. Só devem ser indiciadas, portanto, as pessoas que tenham contra si indícios de autoria do crime que está sendo apurado.

O indiciado não se confunde com o acusado ou o réu de qualquer processo, lembra o já citado advogado dr. Ovídio Rocha Barros Sandoval. “Para que alguém seja réu ou acusado, é indispensável que exista contra ele um processo instaurado.”

Após ser indiciado, a autoridade policial deverá ouvi-lo, com observância, no que for aplicável, do disposto no Capítulo III, do Título VII, do Livro I, do CPP.

Art. 185. O acusado que comparecer perante a autoridade judiciária, no curso do processo penal, será qualificado e interrogado na presença de seu defensor, constituído ou nomeado. (Redação dada pela Lei nº 10.792, de 1º.12.2003)

§ 1º O interrogatório do acusado preso será feito no estabelecimento prisional em que se encontrar, em sala própria, desde que estejam garantidas a segurança do juiz e auxiliares, a presença do defensor e a publicidade do ato. Inexistindo a segurança, o interrogatório será feito nos termos do Código de Processo Penal. (Incluído pela Lei nº 10.792, de 1º.12.2003)

§ 2º Antes da realização do interrogatório, o juiz assegurará o direito de entrevista reservada do acusado com seu defensor. (Incluído pela Lei nº 10.792, de 1º.12.2003)

Fernando da Costa Tourinho Filho, em seu clássico "Código de Processo Penal Comentado" (9ª edição, editora Saraiva), cita que um dos atos processuais mais importantes é, sem dúvida, o interrogatório. “Embora o Juiz possa formular ao acusado as perguntas que lhe parecem apropriadas e úteis, transformando o ato numa oportunidade para a obtenção de prova, o certo é que a Constituição consagrou o direito ao silêncio. Em face do texto constitucional (art. 5º, LXIII), o réu responderá às perguntas a ele dirigidas se quiser. Não se pode dizer, pois, seja o interrogatório o meio de prova. Aliás, tivesse essa qualidade, a Lei de Imprensa também o exigiria; mas ali se diz que o réu será interrogado ‘se o requerer’.”

Incisos LXII e LXIII do art. 5º da CF:

LXII - a prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz competente e à família do preso ou à pessoa por ele indicada;

LXIII - o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado;

Apesar de não poder fazer prova contra si próprio, o indiciado não pode furtar-se à qualificação. “Assim, intimado pela autoridade, não comparecendo injustificadamente, sua condução coercitiva reveste-se de legalidade. É certo, por outro lado, que se a intimação for para submeter-se a uma acareação ou para fornecer material gráfico para exame grafotécnico, seu não atendimento não implicará a invocação do art. 260 do CPP. Se ele não é obrigado a tais atos, pelo fato de não ser obrigado a fornecer provas contra si próprio, por óbvio não tem o dever de atender ao chamado para essas finalidades.”

No processo do interrogatório, o professor fala um pouco do papel da imprensa. “É muito comum, entre nós, em certos crimes que tenham ocupado o noticiário jornalístico, quando o pretenso autor é preso, os repórteres, com a permissão da Polícia, adentrarem a sala onde o conduzido se encontra e ali, tomado este de surpresa, sem saber do seu direito de calar-se, a qualquer gesto mais ou menos ameaçador do policial, passa a responder às perguntas dos jornalistas. No dia seguinte as emissoras de rádio e televisão e os jornais jogam aos quatro ventos a ‘confissão’ do pretenso culpado, com os condimentos floreados próprios da imprensa, e esse mesmo noticiário é levado aos autos do processo como prova acusatória. A confissão só terá valor se feita no ambiente oxigenado do Fórum, presente a autoridade judiciária. Senão, não.”

O desembargador aposentado Adauto Suannes (conhecido dos migalheiros), em seu livro "Os Fundamentos Éticos do Devido Processo Penal" (editora RT), ao comentar o inquérito policial, cita o mestre José Frederico Marques, que ensina : “a polícia judiciária não tem mais que função investigatória. Ela impede que desapareçam as provas do crime e acolhe os primeiros elementos informativos da persecução penal, com o objetivo de preparar a ação penal. Estamos, pois, em face de atividade puramente administrativa, que o Estado exerce, no interesse da repressão ao crime, como preâmbulo da persecução penal. A autoridade policial não é juiz: ela não atua inter partes e sim como parte. Cabe-lhe a tarefa de coligir o que se fizer necessário para a restauração da ordem jurídica violada pelo crime, em função do interesse punitivo do Estado.”

HC contra o indiciamento

Instituto originário da Inglaterra medieval, com a Magna Carta de 1215, do rei João Sem Terra, reaparecendo depois no Bill of Rights (1628) e no Habeas Corpus Act, de 1679. Na obra "Curso de Direito Constitucional" (editora Saraiva), Celso Ribeiro Bastos assevera que o habeas corpus é inegavelmente a mais destacada entre as medidas destinadas a garantir a liberdade pessoal. “Protege esta no que ela tem de preliminar ao exercício de todos os demais direitos e liberdades. Defende-a na manifestação física, isto é, no direito de o indivíduo não poder sofrer constrição na sua liberdade de locomover-se em razão de violência ou coação ilegal.”

No Brasil, a Constituição de 1824 não consagrou o instituto do habeas corpus. Foi a legislação ordinária que o disciplinou no art. 340 do CPC de 1832, que dizia :

“Todo cidadão que entender que ele ou outrem sofre uma prisão ou constrangimento ilegal, em sua liberdade, tem direito de pedir uma ordem de ‘Habeas Corpus’ em seu favor.”

E na Constituição de 1891, ele surge, no art. 72, parágrafo 22:

§ 22 - Dar-se-á o habeas corpus , sempre que o indivíduo sofrer ou se achar em iminente perigo de sofrer violência ou coação por ilegalidade ou abuso de poder.

A partir daí, as sucessivas Constituições brasileiras o retomam, enriquecendo-o. O texto Constitucional não especifica quem pode requerer o habeas corpus. A especificação está no art. 654 do Código de Processo Penal:

Art. 654. O habeas corpus poderá ser impetrado por qualquer pessoa, em seu favor ou de outrem, bem como pelo Ministério Público.

Ao falar de indiciamento, Damásio E. de Jesus, em seu "Código Penal Anotado", utiliza como exemplo uma decisão do STF (RHC 56.019, DJU 16.6.78), segundo a qual o mero indiciamento em inquérito policial não constitui constrangimento ilegal a ser corrigido por intermédio do habeas corpus.

É possível citar um outro caso do STF (HC 86149, DJ 07-10-2005). Neste julgado, os ministros da Corte maior decidem que o indiciamento em inquérito policial só é passível de anulação em hipóteses de evidente constrangimento ilegal. O HC 85491, de DJ 9/9/05, é no mesmo sentido : "havendo elementos que justifiquem o indiciamento em inquérito policial, não procede a alegação de constrangimento ilegal."

É como já exposto, o habeas corpus protege a liberdade, mas desde que cerceada por ato de ilegalidade ou abuso de poder. É, aliás, a observação do mestre Manoel Gonçalves Ferreira Filho, a ensinar, como sempre com precisão, que "a primeira condição do habeas corpus é a existência de ato lesivo ou de sua ameaça à liberdade de locomoção".

O saudoso professor Celso Ribeiro Bastos, no entanto, lembra que essa lesão por sua vez deverá assumir as funções de violência ou coação ilegal.

Há, é bom lembrar, autores que consideram estas expressões como sinônimas. Rui Barbosa fornece uma distinção entre os dois conceitos :

“Coação, definirei eu, é a pressão empregada em condições de eficácia contra a liberdade no exercício de um direito, qualquer que este seja. Desde que no exercício de um direito meu, qualquer que ele for, intervém uma coação externa, sob cuja pressão eu me sinto embaraçado ou tolhido para usar desse direito, na liberdade plena de seu exercício, estou debaixo daquilo que, em Direito, se chama coação. E violência é o uso de força material ou oficial, debaixo de qualquer das suas formas, em grau eficiente para evitar, contrariar ou dominar o exercício de um direito. Creio que a definição não é incorreta. Toda vez que a ação do que se chama força, ou seja a das armas, ou seja a de violência, ou seja a de um decreto do Poder, em contrário, me ameaça, ou me domina no exercício de um direito, estou sujeito à força no sentido que em direito pode receber este nome.”

É, em apertada síntese, a migalha sobre o assunto. Esta Migalha quente é agora dos senhores, migalheiros, para a devida conclusão.

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