Por maioria, a Corte negou provimento a recurso de condenado por tráfico de entorpecentes, que alegava nulidade das provas que levaram à sua condenação, devido à ausência de mandado judicial para realizar busca e apreensão em sua residência, onde foi encontrada a droga.
Em seu voto, o relator, ministro Gilmar Mendes, ressaltou que, embora a inviolabilidade do lar seja princípio constitucional contido no inciso XI do art. 5º da CF, não se deve interpretá-lo na sua literalidade. "Precisamos evoluir nesse sentido."
"Art. 5º
XI - a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial"
Para o ministro, a exigência de mandado judicial é importante para se evitar abuso, a arbitrariedade. No entanto, acredita que não se pode impor restrição à atividade policial, conferindo ao agente a possibilidade de se assumir um risco de perpetrar um crime - caso não obtenha sucesso em sua diligência - quando acreditava estar cumprindo seu dever.
Assim, a fim de evitar tal situação, Gilmar Mendes propôs o controle a posteriori das medidas invasivas, como forma de verificar a existência de justa causa para a adoção de tais medidas.
"Assim, as buscas sem autorização deverão ser passiveis de rigoroso escrutínio a posteriori por magistrado. Exigindo dos policiais a comprovação de que havia justa causa para adoção da medida."
No mesmo sentido, o ministro Ricardo Lewandowski, defendeu a adoção de uma medida mais enérgica para se combater os delitos permanentes, mas ressalvou que "a sociedade precisa ter uma salvaguarda", qual seja, a justificativa devidamente fundamentada.
"Se não colocarmos alguma limitação, nós sabemos o que acontece na vida real: a polícia invade e depois dá uma justificativa qualquer."
O ministro Celso de Mello ainda acrescentou, citando precedentes da Corte, que "é dispensável o mandado de busca e apreensão quando se trata de flagrante crime permanente".
Tese
Após intensa discussão, e preocupados em limitar a atuação policial nestes casos, os ministros fixaram a seguinte tese:
"A entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas a posteriori, que indiquem que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade dos atos praticados."
Para o ministro Edson Fachin, a tese "não compactua com a arbitrariedade, mas ao mesmo tempo estabelece espaço para a atividade policial".
"Embora há muitas questões periféricas que ainda comportem meditação em outras oportunidades, a tese é a tese que é compatível não só com os princípios constitucionais, mas com os tratados internacionais a que estamos submetidos", declarou o ministro Teori Zavascki.
Caso concreto
Na casa do requerente foram encontrados 8,5kg de cocaína. A polícia foi ao local por indicação de motorista de caminhão que foi preso por transportar o restante da droga, alegando que o mandante seria o requente.
Para o ministro Marco Aurélio, "o crime teve exaurimento quando um dos corréus foi surpreendido conduzindo o veículo e portando a droga". Portanto, não se trata de crime permanente e, consequentemente, de flagrante, mas apenas de "uma indicação de que o transporte estaria ocorrendo por ordem do proprietário da casa". Assim, no entendimento do ministro, a busca realizada seria ilícita.
"Ao invés de bater na porta do Judiciário Federal para pedir o mandado de busca e apreensão, a autoridade policial resolver invadir a casa. Indaga-se foi respeitado o inciso XI do art. 5º da CF? Não."
O ministro afirmou ainda que, conforme o princípio constitucional do inciso XI art. 5º, "a regra é a inviolabilidade da casa, a exceção corre à conta do consentimento do morador". Por isso, acredita que a tese aprovada "vai ser uma carta em branco para a polícia invadir domicílios".
"O que receio muito é que, a partir de uma simples suposição, se coloque em segundo plano uma garantia constitucional, que é a inviolabilidade do domicílio".
Em seu voto, o ministro Celso de Mello rebateu os argumentos divergentes. Para o ministro, no caso concreto, houve flagrante delito, pois "o agente se achava em situação de permanência deliquencial".
"Numa situação como essa, de delito permanente, a situação de flagrância está plenamente caracterizada, e a situação de flagrância é autorizadora, mesmo a noite, da invasão domiciliar."
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Processo relacionado: RExt 603.616