"Sempre fui defensor, em julgados ou em obras de doutrina, da aplicação da pena de acordo com a gravidade do delito praticado e não resta dúvida que a alienação parental dependendo do grau de dolo é, tipicamente, um crime de tortura."
Confira a íntegra.
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Migalhas entrevista
Quais foram as principais contribuições trazidas pela lei de alienação parental, em 2010, ao Direito de Família e à sociedade brasileira? Finalmente, consegue-se criar uma nova tendência no Direito de Família, a partir da Lei n. 12.318/11, que busca dar proteção e cumprir o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, garantindo-se à criança e ao adolescente um mínimo existencial, através da convivência entre genitores e filhos, afastando-os do clima de beligerância instalado entre genitores ou entre o alienante e qualquer pessoa que pretenda garantir o contato sadio com o núcleo familiar, o que, na ocorrência, constitui crime de tortura, mental e física.
Por outro lado, embora de forma tímida, chega-se à definição de Síndrome de Alienação Parental, quando a criança ou o adolescente passa a colaborar e adere aos desejos do alienador, sob o temor físico e mental de perder também sua convivência, voltando-se contra o outro genitor ou qualquer pessoa que o proteja, ao temor de perder a última referência ao núcleo familiar. Anos depois, ao verificar o engodo em que atirado, não mais consegue livrar-se do remorso. Pena perpétua para um desprezo que não construiu.
A Lei n. 12.962/2014 ampliou o escopo da proteção: ainda que privados da liberdade, aos genitores é garantido o direito de visita dos filhos, prevenindo-se que se instale qualquer espécie de Alienação Parental ou a respectiva Síndrome.
Desde então, como o Judiciário tem se posicionado e aplicado a lei de alienação parental? Durante minha judicatura no Tribunal de Justiça de São Paulo, o posicionamento, com exceções, foi incipiente, uma vez que o princípio da guarda compartilhada não foi aplicado em sua adequada extensão, eis que, nada obstante expressa previsão, apenas na hipótese de acordo entre alienante e alienado era aplicado pelos juízes, sob a afirmativa equívoca de que o litígio o impedia. Igualmente, poucas vezes o infrator acabou punido, na medida da violência contra os alienados, conforme previsão do disposto no art. 6º da Lei.
Também não se verificaram modificações à questão diabólica: a acusação de abuso ou violência sexual contra a criança ou ao adolescente, como forma de alienar qualquer dos genitores e que, posteriormente, revela-se imputação falsa e é decretada a absolvição do eventual agressor. Neste ponto, a especialização dos peritos revela-se essencial e somente o tempo pode permitir que o Judiciário recorra a profissionais verdadeiramente qualificados para expedir uma decisão de urgência.
O que mudou neste quadro com a sanção no fim do ano passado da lei 13.058/14, que tornou a guarda compartilhada obrigatória? Alguns entendem plenamente dispensável a nova lei, posto que já havia previsão na anterior. Assim não entendemos, diante da resistência da maioria dos magistrados à intervenção que determina a guarda compartilhada. Refugiavam-se estes na necessidade de clima pacífico e inexistência de beligerância entre os genitores. Em não poucos julgados, afirmou-se que desta forma o juiz não passaria de mero homologador de situações conciliadas e deixava-se de cumprir a determinação legal de sua obrigatória interferência, sob pena de facilitar ou coonestar as pretensões mesquinhas e desumanas do alienador. Por outro lado, é evidente que ao juiz – do alto de sua curul e ao seu bel-prazer – não seria permitida cega atribuição: tudo a depender do grau de beligerância e não mero por capricho ou vontade criminosa de torturar e que, a partir de estudos e perícias, seja determinada a guarda compartilhada. De toda forma, deve o magistrado definir liminarmente um regime de visitas – se o caso assistido – preservando o contato entre a criança ou o adolescente e o alienado.
A aplicação eficaz da lei é ansiosamente aguardada, assim como a mudança de mentalidade dos aplicadores do Direito.
A legislação atual é suficiente para coibir este tipo de ocorrência? Reporto-me, inicialmente, à resposta anterior, com alguns acréscimos: a realidade das relações homoafetiva não deve ser descurada de qualquer atenção aos novos casais, assim como na aplicação da Lei Maria da Penha não se pode esquecer dos institutos da guarda compartilhada ou da alienação parental, especialmente, quando o relacionamento exista entre pessoas do gênero masculino.
Quais melhorias ainda podem ser desenvolvidas neste sentido, com vistas à proteção da saúde psíquica da criança? Sempre fui defensor, em julgados ou em obras de doutrina, da aplicação da pena de acordo com a gravidade do delito praticado e não resta dúvida que a alienação parental dependendo do grau de dolo é, tipicamente, um crime de tortura.
Por outro lado, a mudança de domicílio sem qualquer justificativa, por parte do guardião, que traga evidente instabilidade às relações familiares e desespero ao alienado e à própria criança ou adolescente, além do efeito da aplicação da Lei Maria da Penha que imponha ao agressor distância mínima à vítima (ao outro ou à prole) merece, a exemplo da Resolução Conjunta do TJMG, de 7/3/2013, seja submetido o alienante ou o ofensor à obrigatoriedade de portar tornozeleira eletrônica.
Mais a mais, entende-se plenamente cabível a indenização por danos materiais e morais aos alienados (perda de emprego; viagens inúteis, tratamento por abalo psíquico – internação e medicamentos, aos quais se obrigue, igualmente o agressor).
Por fim, merece atenção a restituição de criança ou adolescente sequestrado em retorno ao país de origem ou levado para outro país, de acordo com a Convenção de Haia de 1980.