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Cumprimento provisório de decisão judicial sem caução

A caução não é uma condição para o requerimento, a instauração ou o prosseguimento do cumprimento provisório.

sexta-feira, 21 de março de 2025

Atualizado às 11:57

A eficácia imediata da decisão judicial impugnada por recurso desprovido de efeito suspensivo e pendente de julgamento autoriza o cumprimento provisório, também conhecido como execução provisória.

Todo cumprimento é execução, inclusive o provisório, embora não seja processo (autônomo) de execução. Lembro-me de um professor que dizia: "ninguém se atreveria a chamar o exequente e o executado de cumprimentando e cumprimentado."

O Código fala em cumprimento provisório da sentença, mas é perfeitamente admissível o cumprimento provisório da decisão interlocutória, do acórdão ou da decisão monocrática.

Da mesma forma, o cumprimento provisório não se restringe às decisões condenatórias. Por exemplo, a sentença que concede a segurança é mandamental e está sujeita ao cumprimento provisório.

Segundo Cássio Scarpinella Bueno, "Cumprimento provisório de sentença é expressão que deve ser entendida como a possibilidade de os efeitos de decisão jurisdicional (de qualquer decisão, não necessariamente de sentenças, o que vem confirmado pelo art. 297, parágrafo único, ao determinar a observância desta disciplina para a efetivação das decisões concessivas de 'tutela provisória') serem sentidos a despeito de haver recurso contra ela pendente. Há, neste sentido, verdadeira antecipação da eficácia da decisão que, ao menos em perspectiva de ideal de segurança jurídica, quiçá ultrapassada, só seriam sentidos após o respectivo trânsito em julgado, isto é, julgamento de todos e quaisquer recursos dela interponíveis ou desde que não interpostos os recursos cabíveis."

Diz o CPC, art. 520, que o cumprimento provisório será realizado da mesma forma que o definitivo, mas se sujeita a um regime que compreende a responsabilidade objetiva do exequente, a restituição das partes ao estado anterior e a exigência de caução suficiente e idônea, prestada pelo exequente ou por terceiro (enunciado 697 do FPPC).

Quanto à exigência da caução, diz o CPC:

"O levantamento de depósito em dinheiro e a prática de atos que importem transferência de posse ou alienação de propriedade ou de outro direito real, ou dos quais possa resultar grave dano ao executado, dependem de caução suficiente e idônea, arbitrada de plano pelo juiz e prestada nos próprios autos." (art. 520, IV).

Já a dispensa da caução é regulada pelo CPC, art. 521, caput (o crédito for de natureza alimentar, independentemente de sua origem; o credor demonstrar situação de necessidade; pender o agravo em REsp ou em RE (art. 1.042); a decisão a ser provisoriamente cumprida estiver em consonância com súmula do STF ou do STJ, ou em conformidade com precedente judicial vinculante firmado no julgamento de IRDR ou de recursos repetitivos (hipótese que deve ser estendida a precedentes vinculantes firmados por outros instrumentos, como o IAC e o RE sob o regime da repercussão geral), podendo o juiz manter a exigência da garantia quando a dispensa puder resultar manifesto risco de grave dano de difícil ou incerta reparação, consoante o parágrafo único do mesmo dispositivo, desde que fundamente adequadamente (STJ - Terceira Turma, AgInt na TutCautAnt n. 144/BA, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, DJe de 28/2/2024; STJ - Terceira Turma, AgInt no AREsp n. 2.606.772/DF, relator Ministro Humberto Martins, DJEN de 6/12/2024).

Também não se deve exigir a caução para o levantamento de valores incontroversos. Nessa linha, inclusive, a caução é dispensada no cumprimento provisório do julgamento antecipado parcial do mérito, conforme dispõe o CPC, art. 356, § 2º, embora exista o entendimento de que a dispensa da caução é apenas para a instauração da execução provisória, devendo ser exigida nas hipóteses do CPC, art. 520, IV (enunciado 49 da ENFAM).

Com maior razão, a caução também não será exigida no cumprimento de capítulo autônomo (da decisão) não impugnado, porque, nesse caso, além da incontrovérsia, o cumprimento será definitivo devido ao trânsito em julgado do capítulo (coisa julgada progressiva).

Já quanto ao cumprimento de tutela provisória, dispõe o CPC, art. 297, parágrafo único, que esta "observará as normas referentes ao cumprimento provisório da sentença, no que couber."

Portanto, a caução deve ser exigida nas hipóteses do CPC, art. 520, IV, e dispensada nas hipóteses do CPC, art. 521, com atenção ao caso concreto.

O CPC, art. 300, § 1º, também estabelece que o juiz pode, conforme o caso, exigir caução para a concessão da tutela de urgência, devendo dispensá-la se a parte economicamente hipossuficiente não puder prestá-la.

Evidentemente, esse dispositivo deve ser interpretado em conjunto com o CPC, arts. 520, IV e 521 (Enunciados 497 e 498 do FPPC).

Portanto, a caução não é uma condição para o requerimento, a instauração ou o prosseguimento do cumprimento provisório. Tais situações não caracterizam, per se, risco iminente de grave dano ao executado.

A caução funciona como uma cautela (do latim cautio) ou uma precaução (do latim praecautio), não ao cumprimento provisório em si, mas à prática de atos que, conforme as circunstâncias, impliquem risco iminente de grave dano ao executado, como, por exemplo, a interdição da sua atividade econômica.

A exigência pontual da caução está inserida no âmbito do dever de proteção, como decorrência do princípio da cooperação (CPC, art. 6º).

Note que o "levantamento de depósito em dinheiro" e "a prática de atos que importem transferência de posse ou alienação de propriedade ou de outro direito real" são apenas exemplos de atos que podem indicar, conforme o caso, "risco iminente de grave dano ao executado".

Se a decisão exequenda for reformada, anulada ou modificada, as partes - e não as coisas - serão restituídas ao estado anterior, conforme dispõe o CPC, art. 520, II.

Por isso, o CPC, art. 520, § 4º, é expresso ao dizer que:

"A restituição ao estado anterior a que se refere o inciso II não implica o desfazimento da transferência de posse ou da alienação de propriedade ou de outro direito real eventualmente já realizada, ressalvado, sempre, o direito à reparação dos prejuízos causados ao executado."

Portanto, a execução provisória permite a prática de atos expropriatórios irreversíveis. Estes não serão desfeitos, nem mesmo se a decisão for reformada, anulada ou modificada (por isso se diz, com certa dose de razão, que provisória é a decisão, não a execução). Com a caução exigida pelo juiz, se e quando surgir a iminência de grave dano, o executado ficará resguardado apenas quanto à reparação dos prejuízos que venha a sofrer em razão do cumprimento provisório.

A análise a respeito da necessidade da caução deve levar em conta as peculiaridades do caso concreto, a conjuntura fática e jurídica, as condições pessoais do exequente e os fins normativos, não se podendo dizer a priori que todo levantamento de depósito em dinheiro, que toda transferência de posse ou que toda alienação de propriedade ou de outro direito real implique risco iminente de grave dano ao executado. Por exemplo, não faz sentido exigir caução de uma grande instituição financeira, como o Bradesco, para o levantamento de trinta mil reais.

Por fim, a caução pode ser dispensada por meio de negócio jurídico processual (CPC, art. 190; enunciado 262 do FPPC), celebrado antes ou durante o processo.

Portanto, é perfeitamente possível que o exequente satisfaça o seu direito num cumprimento provisório que nunca viu a cor da caução.

Rodrigo da Cunha Lima Freire

VIP Rodrigo da Cunha Lima Freire

Mestre e Doutor em Direito Processual Civil pela PUC-SP, Professor de Direito Processual Civil da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Advogado e Parecerista. youtube e Instagram @ProfRodrigoDaCunha

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