Fortaleza sediou nos últimos dias 15 e 16 de julho, a 6ª Reunião de Cúpula do BRICS. O encontro entre os chefes de Estado das potências emergentes da economia global, Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul culminou com a criação do Novo Banco de Desenvolvimento ou Banco dos BRICS, com um capital inicial de US$ 100 bilhões – fato que marcou o ponto alto da reunião realizada em solo pátrio.
Apesar de terem sido trazidos à discussão temas relevantes do atual cenário econômico, o grupo não incluiu em sua agenda questões com influência primordial no bom desenvolvimento dos negócios, como é caso da arbitragem. Frente aos avanços legislativos em matéria de arbitragem, o Brasil vem conquistando espaço e destaque no cenário internacional.
Sobre o tema, o advogado José Nantala, do escritório Peixoto E Cury Advogados, destaca a importância do fomento aos estudos jurídicos sobre os BRICS para se perceber que, "em diversas áreas e segmentos, nutrimos importantes convergências e complementaridades". Confira entrevista do especialista.
Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul têm leis que regulamentam a arbitragem em seus ordenamentos jurídicos internos. Nos casos de Brasil, Rússia, Índia e China, os textos de lei atuais são declaradamente influenciados pela Lei Modelo da UNCITRAL de 1985, e foram elaborados contemporaneamente, entre 1993 e 1996. A África do Sul, por sua vez, tem uma lei de Arbitragem mais antiga, de 1969, e que, segundo alguns especialistas que atuam por lá, deve ser atualizada para atender às exigências do mercado atual.
Além disso, todos os BRICS são signatários da Convenção de Nova Iorque sobre Reconhecimento e Execução de Sentenças Arbitrais Estrangeiras, de 1958.
Estas duas fontes comuns, como é de se esperar, já aproximam em muitos aspectos os tratamentos dispensados à Arbitragem em todos os BRICS, principalmente no que diz respeito à Arbitragem Comercial Internacional. Contudo, os modelos de organização interna utilizados por cada um, e a diferença de abrangência existente em conceitos cruciais à arbitrabilidade de determinados litígios (como o que se entende por ordem pública ou interesse público, por exemplo), culminam em diferenças muito interessantes e que revelam muita coisa sobre os diferentes níveis de intervenção estatal na atividade privada, além da influência de questões sociais na própria reputação do instituto em cada uma dessas jurisdições.
Curiosidades interessantes podem ser observadas das experiências de cada um desses países, e que dizem bastante sobre seus “ambientes jurídicos”: na Rússia, já houve um caso em que foi denegado o reconhecimento de sentença arbitral estrangeira por infração à Ordem Pública, sendo que uma das razões para tanto residiria no fato de que, na decisão arbitral, teria sido criticado um acórdão proferido pela Corte homologadora. Na China se deu um caso bastante midiático nos idos de 2008, quando o governo mandou prender um árbitro chinês que decidiu desfavoravelmente aos interesses da China, numa arbitragem envolvendo o país e uma gigante do setor alimentício. Na África do Sul, o uso e a modernização do instituto encontra até hoje um entrave social considerável, pelo movimento criado na década passada por alguns juristas locais, que vincularam a Arbitragem ao Apartheid, definindo-a no país como “a justiça dos brancos”.
O Brasil é um país que vem ganhando destaque a cada ano no cenário internacional, pela qualidade da nossa lei atual, pela boa interpretação que vem sendo aplicada pelas cortes locais e, também, pela valiosa contribuição doutrinária do que chamamos de “comunidade arbitral”. Em termos legislativos, o último grande passo que demos para o fomento da arbitragem comercial em nosso ordenamento foi a ratificação da Convenção de Nova Iorque em 2002. De lá para cá, nossa jurisprudência, nossas práticas, nossas instituições e nossa doutrina evoluíram muito. Uma evidência disso é o fato da CAM-CCBC ter seu regulamento escolhido para servir de base ao VIS MOOT de Viena, na sua edição vindoura de 2016-2017. Outro ponto a ser comemorado foi a recente indicação do país, pela revista Global Arbitration Review, como a jurisdição que mais evoluiu no tratamento do tema nos últimos anos.
O chamado “padrão internacional” (consubstanciado principalmente na Lei Modelo da UNCITRAL e na Convenção de Nova Iorque) unificou bastante, ao menos em termos legislativos, a regulamentação da Arbitragem nas jurisdições que o adota formalmente ou, ao menos, nele se inspiram. O que mais as distancia é a prática e as culturas jurídicas de cada um desses países. Poderia tratar dessas diferenças mais aprofundadamente neste espaço, mas acho que faltariam caracteres...
Acredito que o principal ponto é garantir que as sentenças arbitrais sejam cumpridas e executadas pelos sistemas judiciais internos de cada país, sem grandes barreiras estatais para que isso ocorra. No mérito, é importante que as jurisdições aceitem com maior naturalidade a autonomia da vontade que é característica essencial à arbitragem, não colocando entraves à livre-escolha de foro e lei aplicável. No Brasil, por exemplo, ainda são preocupantes os efeitos da interpretação do artigo 9° da Lei de Introdução ao Direito Brasileiro, que para muitos serve de base para defender, em determinadas disputas, que a aplicação da lei brasileira derrogaria, necessariamente, a que foi determinada pelas partes livremente.
O exercício é difícil, mas é salutar. Num mundo cada vez mais próximo e com negócios ocorrendo entre partes de países bastante heterogêneos entre si, é importante que algumas coisas sejam comuns a todos. Acredito que, de certo modo, já temos sedimentado no mundo todo a necessidade do respeito ao devido processo legal e, também, à própria autonomia da vontade. Contudo, há muita coisa a ser desenvolvida para que os meios de resolução de controvérsias se adéqüem ao multiculturalismo que se apresenta. Um mundo mais conectado gera relações mais conectadas e, por isso, precisa de soluções que sigam este mesmo caminho.
Certamente há assuntos mais urgentes. Mas o movimento seria bastante interessante e deve ser fruto da interação entre as instituições voltadas ao estudo do tema. Esperar que os governos façam isto sem a influência e cobrança dos particulares interessados, certamente, não funciona. Todos os BRICS detêm instituições confiáveis e com bom grau de internacionalização, o que facilitaria o contato entre elas e o estabelecimento de convênios particulares, com intercâmbio de profissionais e indicações de árbitros de cada uma destas jurisdições nos quadros de árbitros de cada Câmara. Um movimento como este, com certeza, faria com que os Governos dos BRICS voltassem seus olhos ao tema e percebessem, de forma mais palpável, sua importância para o bom desenvolvimento dos negócios entre eles.
Trata-se, sem dúvida, de mais um relevante passo para a aproximação entre países bastante heterogêneos mas que, desde 2006, vêem seus particulares e suas economias se aproximarem e o fluxo de negócios intra-grupo aumentar. Acredito que, pelo menos, devemos fomentar mais estudos jurídicos sobre os BRICS para percebermos que, em diversas áreas e segmentos, nutrimos importantes convergências e complementaridades.
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* José Nantala é bacharel em Direito pela Universidade Prebisteriana Mackenzie - Mackenzie/SP, pós graduado em Direito Europeu pela Universidade de Coimbra e mestre em Direito Internacional Privado na Universidade de São Paulo (Arbitragem Internacional).