Migalhas Quentes

Conferência dos Advogados foi palco de conquistas para sociedade durante regime militar

Passando pelas edições de 1968, 1970 1974 e 1976, os eventos criaram um espaço de reflexão das questões que envolviam a profissão e o cenário político-social.

10/7/2014

Com o país inflamado pelo regime militar, a Conferência Nacional dos Advogados representou um novo ciclo na história das relações sociais de classe e o diálogo travado com a sociedade civil. Passando pelas edições de 1968, 1970 1974 e 1976, os eventos criaram um espaço de reflexão das questões que envolvem a profissão, proporcionando o acompanhamento da evolução do Direito brasileiro e sua relação com os problemas que se destacavam no cenário político-social do país. "Representam um dos principais instrumentos que viabilizam a participação da Ordem no processo de democratização nacional."

"Da primeira edição da Conferência, realizada em 1958, no Rio, até os dias de hoje, muita coisa mudou no país. Passamos por uma ditadura, vimos a abertura política, o fim do regime militar e as eleições diretas, a promulgação da Constituição, o impeachment de um presidente e a volta do povo às ruas. Ao longo da história da OAB, foram muitas as tentativas de cerceamento do seu poder de atuação, mas em todos esses momentos, a entidade nunca se rendeu ao arbítrio e aos atos violentos praticados. Pelo contrário, nossa luta pela liberdade de expressão e pela defesa da democracia sempre foi intensa. A Ordem se sacrificou, em momentos-chave da história do país, por muito mais que interesses meramente corporativos, mas pelos interesses da sociedade civil e dos advogados."

Felipe Santa Cruz
Presidente da OAB/RJ

O Brasil vivia em plena ditadura militar. Como reflexo do descontentamento social com o governo, à época cerca de cem mil pessoas ocuparam as ruas do centro do Rio de Janeiro em 26 de junho de 1968 e realizaram um dos mais importante protesto do país, a Passeata dos Cem Mil. A manifestação, organizada pelo movimento estudantil, contou com a participação de artistas, intelectuais e outros setores da sociedade brasileira. Era apenas o começo.

Neste contexto, realizada sob a presidência de Samuel Vital Duarte, a III Conferência Nacional dos Advogados teve como temas principais a proteção aos direitos humanos, a eficácia das instituições jurídicas posta em confronto com uma instrumentação emperrada e onerosa, e o problema da aceleração do processo tecnológico, que obrigava a adaptação do Direito.

A partir desta Conferência, e em virtude da liderança demonstrada por José Cavalcanti Neves, presidente da seccional de Pernambuco, com o apoio do presidente Samuel Duarte, os presidentes das seccionais passaram a reunir-se periodicamente, para retirar as bases da Ordem do "ostracismo a que estavam relegadas".

À época, a Ordem assinalou a urgente necessidade de um aprofundamento das discussões sobre a garantia dos direitos humanos no país, no momento em que o governo autoritário preparava o "arrocho" do regime. A sessão de encerramento da III Conferência coincidiu com o dia em que foi instituído o AI-5, que imergiu o país no mais crítico período do regime militar.

A partir da década de 1970, a oposição ao regime se torna mais intensa, com guerrilhas na cidade e no campo. O ano do estopim também ficou marcado por uma onda de sequestros a autoridades diplomáticas, que garantiram a troca por presos políticos. Reagindo com violência, os militares passam a agir com maior intensidade. Mortes, desparecimentos e torturas passavam a ocorrer com cada vez mais frequência.

Com tema principal centrado na contribuição do advogado para o desenvolvimento nacional, o então presidente da OAB, Laudo de Almeida Camargo, convidou Emílio Garrastazu Médici para presidir a sessão de instalação da IV Conferência Nacional dos Advogados.

Apesar de não tratar das consequências do regime autoritário – centrando-se nas questões relativas ao desenvolvimento econômico do país e sua relação com o desafio que a modernização nacional impunha aos advogados –, Camargo aproveitou a oportunidade para realçar ao general Médici a vocação dos advogados para o aprimoramento da ordem jurídica, como sustentação necessária ao desenvolvimento nacional.

Conforme a maioria das teses apresentadas na Conferência, o homem do Direito deveria exercer sua profissão levando em consideração as demandas jurídicas, fruto das transformações sociais, políticas e econômicas, sem perder de vista os ideais de liberdade, fraternidade, paz e Justiça.


Os 40 integrantes da relação de presos políticos libertados no sequestro do embaixador da Alemanha.

Em janeiro de 1974, o general Ernesto Geisel (Arena) é eleito presidente do Brasil, obtendo 400 votos contra 76 dados ao candidato da oposição, Ulysses Guimarães.

Sob o comando de José de Castro Filho, a V Conferência Nacional dos Advogados refletiu o incentivo da Ordem aos primeiros passos do processo de abertura política. Respondendo aos anseios da sociedade, que convivia com as constantes denúncias de tortura e desaparecimento de presos políticos, o evento teve como tema central "O Advogado e os Direitos do Homem".

Para a OAB, era inconcebível admitir indiferença ou atitude passiva do advogado na defesa dos direitos humanos fundamentais, pois a ele cabia, por vocação e por formação, o patrocínio dos legítimos interesses individuais e da liberdade do Homem. O seu compromisso maior é zelar pelo primado do Direito, tomado na sua expressão mais alta não pelo que é, mas pelo que deve ser, porque está baseado no mínimo ético e no ideal de Justiça.

No contexto aterrador da submissão política promovida pelo governo, a VI Conferência Nacional dos Advogados teve como temas a independência e autonomia do advogado e a reforma do direito positivo brasileiro. No evento, os advogados manifestaram seu anseio pela restauração do Estado de Direito, fundamental para a efetivação da Reforma do Poder Judiciário.

"A nação carece, devido a seu crescimento, de reformulação substancial na mecânica do Poder Judiciário, assegurando-se o acesso presto e seguro dos cidadãos aos cancelos legais. À responsabilidade de Juízes e Advogados deve somar-se a independência, em toda a sua perfeição, mantido, também, o princípio federativo. É essencial à eficácia da reforma a devolução das prerrogativas da magistratura e o restabelecimento, em toda a sua plenitude, do habeas corpus."

2014 - XXII Conferência Nacional do Advogado

Cenário da primeira Conferência Nacional dos Advogados, realizada em 1958, e por mais duas vezes, em 1974 e 1999, o Rio de Janeiro será palco novamente do principal evento da advocacia em 2014. Com o tema ”Constituição Democrática e Efetivação dos Direitos”, a Conferência discutirá questões ligadas aos direitos constitucionais, mas sobretudo, estará em pauta a defesa das prerrogativas profissionais, essencial para que se possa ter, cada vez mais, um Estado verdadeiramente democrático de Direito, onde o advogado possa exercer com liberdade e independência a sua atividade profissional.

O evento, que acontece a cada três anos, terá programação variada, composta por 40 painéis, quatro debates, duas conferências magnas e dois bate-papos, totalizando 172 palestrantes nacionais e internacionais. O evento ocorre entre os dias 20 e 23 de outubro.

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