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CBF deve impedir uso da Justiça comum para questões esportivas, afirma Carlos Aidar

As regras de prática e de direção devem ser respeitadas, sob pena de se ingressar em um caos jurídico-desportivo, onde punição alguma mais valerá.

9/1/2014

Na reta final de 2013, o futebol esteve em pausa dos gramados, mas tomou a cena na Justiça, com o rebaixamento da Portuguesa para a série B do Campeonato Brasileiro. Sobre o recente imbróglio envolvendo as demandas desportivas na Justiça comum, o advogado Carlos Miguel Aidar, da banca AIDAR SBZ Advogados é enfático: Se não respeitarmos as regras de prática e de direção, estaremos ingressando em um caos jurídico-desportivo, onde punição alguma mais valerá. Confira entrevista do especialista.

Times de futebol podem entrar na Justiça comum contra punição do STJD?

A Constituição da República Federativa do Brasil, em seu art. 217, parágrafo 1º, determina que o Poder Judiciário poderá apreciar as questões relativas à disciplina e competições, matéria de competência da Justiça Desportiva, após esgotarem-se suas instâncias. Considerando a previsão constitucional, podemos afirmar que a Justiça comum terá competência para apreciar tais matérias tão somente após o esgotamento das vias desportivas.

Cumpre ressaltar neste ponto que a ninguém é lícito retirar do Judiciário a apreciação de lesão ou ameaça de lesão de direito, conforme determina o art. 5º, XXXV, da mesma Carta Magna.

Isso significa que para que a Justiça comum possa apreciar a matéria, ela deverá necessariamente ser apreciada pelas instâncias desportivas internas de cada país e pelo Tribunal Arbitral do Esporte, que possui caráter recursal às decisões internas.

Outra situação que ocorre e deve ser salientada é o previsto no art. 1º da lei 9.615/98, a conhecida lei Pelé, em seu parágrafo 1º, que reconhece no ordenamento brasileiro as leis internacionais que regem o desporto. Esta previsão tem importância porque o Estatuto da federação internacional responsável pela modalidade futebol, a Fifa, em seu art. 68, proíbe que as entidades de administração e de prática do desporto recorram às cortes civis da Justiça comum para resolução de litígios de natureza desportiva. Ainda, recomenda que exista previsão no próprio regulamento interno das entidades nacionais de administração do esporte que afaste a possibilidade - e aplique sanções – aos seus filiados que acionarem a Justiça comum. Neste aspecto, a resolução CNE 29/09, conhecido como o CBJD – Código Brasileiro de Justiça Desportiva, faz menção em seu art. 231 de punição de exclusão do campeonato ou torneio que estiver disputando e multa aos clubes que pleitearem perante o Poder Judiciário, antes de esgotadas todas as instâncias da Justiça Desportiva, matéria relativa a disciplina e competições, ou beneficiar-se de medidas obtidas pelos mesmos meios por terceiro.

Considerando que a CBF é entidade filiada à Fifa e, consequentemente, aceita todas as suas normas como condição para sua filiação, a CBF deverá fazer com que a norma estabelecida no Estatuto da entidade máxima do futebol prevaleça. Convém dizer também que, caso a CBF não impeça que um filiado seu se utilize da Justiça comum para alterar questões esportivas, a própria CBF pode ser sancionada pela Fifa pelo descumprimento de seus Estatutos.

Qual o respaldo legal para que a CBF puna as equipes?

Como já salientado anteriormente, o art. 1º, §1º, da lei 9.615/98 recepciona no ordenamento brasileiro as leis internacionais que regem o desporto.

O Estatuto da Fifa em seu art. 68 proíbe que as entidades de administração e de prática do desporto recorram às Cortes civis da Justiça comum para resolução de litígio. Ainda, recomenda que exista previsão no próprio regulamento interno que afaste a possibilidade (e aplique sanções) de tais entidades acionarem a Justiça comum. Considerando que a Confederação Brasileira de Futebol é entidade filiada à Fifa e, consequentemente, aceita todas as suas normas como condição para sua filiação, a CBF deverá fazer com que a norma estabelecida no Estatuto da entidade máxima do futebol prevaleça.

Ainda, determina que as Confederações e seus membros, bem como as Ligas deverão reconhecer o Tribunal Arbitral do Esporte como autoridade competente para apreciar matéria desportiva, bem como prolatar decisão que deverá ser cumprida, obrigatoriamente, por seus membros.

E o recente imbróglio envolvendo as demandas desportivas na Justiça comum?

Penso ser atitude temerária dos clubes utilizarem-se da Justiça comum para questões esportivas, por descumprir regulamentos, regras, estatutos, etc. de entidades superiores, às quais estão subordinados por serem filiados a elas. Para mim, é algo simples: se não quero cumprir com as regras do judô, vou lutar karatê. Se o clube não quer cumprir com o que determina a Federação Internacional da Modalidade, que pratique outro esporte.

Houve decisão da Justiça Desportiva e, para mim, tratou-se de decisão legalista e coerente, uma vez que se manteve a jurisprudência da própria Corte.

Se não respeitarmos as regras de prática e de direção, estaremos ingressando em um caos jurídico-desportivo, onde punição alguma mais valerá.

É preciso acabar com essa história de se buscar o Poder Judiciário comum para tentar reverter decisão do Poder Judiciário desportivo.

O senhor acredita que a Portuguesa vá entrar na Justiça comum?

Creio que devam se esgotar as instâncias da Justiça Desportiva e, após a decisão final dos órgãos desportivos, caso a Portuguesa entenda que teve seus direitos lesados, deverá buscar a reparação na justiça comum. O direito à ação é assegurado pela Constituição Federal, mas, possíveis consequências devem ser consideradas por todo o exposto acima.

As ações ajuizadas por torcedores podem ser consideradas manobras da equipe?

Não posso responder pela Portuguesa, não conheço os planos de sua recém-empossada diretoria. Do mesmo modo não creio que as ações ajuizadas por torcedores possam ser consideradas manobras do time. Os torcedores que se sentem lesados também possuem direito de ação, pela garantia constitucional do acesso ao Poder Judiciário e pela lei Federal que trata destas relações, especificamente, o Estatuto do Torcedor. Entretanto, tal direito possui limites, tendo em vista que ninguém poderá pleitear, em nome próprio, direito alheio (art. 6º do Código de Processo Civil). Isso significa que não serão todas as ações postuladas por torcedores aceitas, levando em consideração que o torcedor não poderá agir em nome do clube na demanda. Neste sentido convém informar que fora ajuizada demanda civil junto à 40ª vara Cível de São Paulo por um torcedor da Portuguesa, objetivando garantir ao clube disputar a Série A do Campeonato Brasileiro em 2014. A ação foi extinta pela juíza Priscila Buso Faccinetto com base no referido art. 6º do CPC.

Quais importantes casos desportivos chegaram à Justiça comum?

A disputa da Série C no Campeonato Brasileiro de 2011 acarretou diversas disputas judiciais acerca de rebaixamento e permanência na competição do ano seguinte. O Brasil de Pelotas/RS foi punido pelo STJD por escalação irregular de atleta, perdendo pontos e sendo rebaixado à Série D do campeonato. Consequentemente, o Santo André salvou-se e garantiu a permanência na Série C do ano seguinte. O clube gaúcho tentou, na Justiça Desportiva, reverter a perda de pontos aplicada pelo STJD. Após o esgotamento das instâncias desportivas a equipe recorreu à justiça comum para manter-se na Série C. A liminar foi expedida pelo TJ/RS, favorecendo o clube apenado e rebaixando o Santo André. A CBF não viu solução a não ser acatar a decisão da justiça. Entretanto, o Santo André e a CBF conseguiram cassar a liminar que colocou o Brasil de Pelotas na Série C, garantindo a participação do clube paulista.

Ainda durante a disputa da competição, as equipes do Rio Branco/AC e do Treze da Paraíba também acionaram a Justiça comum para garantir as respectivas vagas na competição em 2012, após uma suposta exclusão do Rio Branco da competição por conta de uma decisão judicial envolvendo a Arena da Floresta. A disputa judicial que atrasou o início das séries C e D do Campeonato Brasileiro de 2012, garantiu ao Treze sua participação na série C.

Outro exemplo de disputa na Justiça comum que se arrasta há anos é sobre a Taça das Bolinhas, troféu criado para premiar o primeiro clube do Brasil a vencer o Campeonato Brasileiro de Futebol três vezes seguidas ou cinco vezes alternadamente, também é um caso simbólico de disputa judicial envolvendo clubes e a Confederação Brasileira de Futebol (e a Caixa Econômica Federal). Os clubes envolvidos na disputa são o SPFC, o Flamengo e o Sport do Recife. A polêmica envolvendo a Taça diz respeito ao Campeonato Brasileiro de 1987, a Copa União, da qual sagrou-se vencedor o Flamengo. A CBF propôs, antes do início da Copa União, que esta seja um módulo de um campeonato organizado por ela. Desta forma, o vencedor do módulo verde foi o Flamengo e do módulo amarelo o Sport.

Por uma divergência no regulamento das duas competições, o Flamengo recusou-se a jogar a final do cruzamento entre os dois módulos e a CBF declarou o Sport como vencedor do Campeonato Brasileiro daquele ano, classificando-se para a Libertadores de 1988. Em mais um embate envolvendo o Poder Judiciário, a Justiça comum declarou o Sport campeão brasileiro daquele ano. Atualmente há diversas ações ajuizadas pelos clubes defendendo a manutenção de posse da Taça das Bolinhas, sendo certo que subsiste conflito de competência, pois as ações foram distribuídas em diferentes juízos estaduais e Federais.

STJD

Autônomo, independente e com natureza jurídica de ente despersonalizado. É assim que o STJD se autodefine, no art. 1º de seu regimento interno. Inserida no âmbito da associação nacional de futebol no Brasil, a CBF, a Corte desportiva possui composição que guarda leve semelhança com a estrutura do Poder Judiciário, e possui um Tribunal pleno e cinco comissões disciplinares.

Cada uma das cinco comissões disciplinares do tribunal, primeiras a receber e julgar as denúncias apresentadas pela procuradoria, é composta por cinco membros cada, com competência estabelecida pelo art. 26 do CBJD. Em caso de recurso contra decisão das comissões, o caso vai para o pleno, composto por nove auditores indicados conforme disposições do CBJD. A presidência e a vice-presidência do Tribunal desportivo são de responsabilidade do presidente e vice do pleno, escolhidos em escrutínio secreto. Atualmente, tais funções são ocupadas, respectivamente, por Flavio Zveiter e Caio César Vieira Rocha.

Conforme bem expresso na lei 9.615/98 (lei Pelé), os órgãos integrantes da Justiça Desportiva "são autônomos e independentes das entidades de administração do desporto de cada sistema", compondo-se do STJD. Ainda de acordo com a norma, recurso ao Poder Judiciário não prejudicará os efeitos desportivos validamente produzidos em consequência de decisão proferida pelos tribunais Desportivos.

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