Até 30 de abril de 2009, data do julgamento pelo STF da ADPF 130, o direito de resposta proveniente de abuso por parte da imprensa era julgado pela lei 5.250/67, alcunhada exatamente de “lei de imprensa”, vetusto diploma da época da ditadura.
Relatada pelo ministro aposentado Ayres Britto, cujo minucioso voto conduziu o julgamento, a ADPF 130 foi julgada procedente por maioria para declarar a lei de imprensa incompatível com o ordenamento jurídico inaugurado pela CF.
A matéria, entretanto, não ficava órfã, conforme lia-se na própria ementa do acórdão:
“11. EFEITOS JURÍDICOS DA DECISÃO. Aplicam-se as normas da legislação comum, notadamente o Código Civil, o Código Penal, o Código de Processo Civil e o Código de Processo Penal às causas decorrentes das relações de imprensa. O direito de resposta, que se manifesta como ação de replicar ou de retificar matéria publicada é exercitável por parte daquele que se vê ofendido em sua honra objetiva, ou então subjetiva, conforme estampado no inciso V do art. 5º da Constituição Federal. Norma, essa, "de eficácia plena e de aplicabilidade imediata", conforme classificação de José Afonso da Silva. "Norma de pronta aplicação", na linguagem de Celso Ribeiro Bastos e Carlos Ayres Britto, em obra doutrinária conjunta.”
Para o senador Roberto Requião, contudo, não é assim. Na justificativa do projeto de lei de sua autoria (PLS 141/11), encontra-se que
“a retirada do diploma legal do ordenamento jurídico deixou um vácuo que precisa ser preenchido com um novo marco normativo. Consentâneo com a atual ordem constitucional, esse novo regramento se faz necessário a fim de que sejam adequadamente disciplinadas as relações da mídia com a sociedade, de forma a assegurar justiça e segurança jurídica.
Referimo-nos particularmente às regras que disciplinam o direito de resposta do ofendido. Em nosso entendimento, conquanto assegurado no plano constitucional, esse direito necessita de normas infraconstitucionais de organização e procedimento que tornem possível seu efetivo exercício. Consideramos que os Códigos Civil e Penal não têm detalhamento suficiente para a especificidade dessa demanda.”
Os principais pontos do projeto do Senado
Se é certo que a própria Constituição assegura o direito de resposta, um dos direitos constantes do art. 5° capazes de oferecer ponderação – sempre casuística e a posteriori – à liberdade plena de informar do art. 220, §1°, da mesma CF, tal como aprovado o PLS 141/11 tem sofrido algumas críticas severas.
Em primeiro lugar, cabe dizer que o projeto de lei é simples e conciso, e ainda, que repete em muito a estrutura do direito de resposta da lei defenestrada: aquele que se sentir ofendido dirige seu pleito de réplica ou retratação ao órgão em que veiculada a pretensa ofensa, e caso não seja atendido, repete-o a um juiz. Recebido o pedido, o juiz manda citar a empresa para que exponha as razões do não atendimento, para em seguida, se assim julgar, ordenar que o faça.
O rito é especialíssimo: os prazos são exíguos, em razão da impossibilidade de ser reparado o dano se a informação ofensiva se espalhar. A velha lei falava em prazos de 24horas (para o exercício do direito de resposta, para a citação, para a decisão do juiz, tivesse o veículo acusado apresentado ou não as informações); o PLS 141 fala em sete dias pra o exercício do direito, 24h para citação; 24h para apresentação das razões de não tê-lo atendido e três dias para a contestação, a chamada exceção da verdade.
Ampliação das hipóteses para o direito de resposta?
Um dos pontos que vem suscitando polêmica, contudo, situa-se onde a lei inovou. O art. 29 da antiga lei de imprensa dispunha que “Toda pessoa natural ou jurídica, órgão ou entidade pública, que for acusado ou ofendido em publicação feita em jornal ou periódico, ou em transmissão de radiodifusão, ou a cujo respeito os meios de informação e divulgação veicularem fato inverídico ou, errôneo, tem direito a resposta ou retificação.” (grifo nosso)
A Constituição fala que “é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;” (art. 5°, V), e o Código Penal, nos crimes de calúnia e difamação, em honra e reputação (honra subjetiva e objetiva).
O PLS 141/11, por sua vez, no art. 2°, §1°, dispõe que “Para os efeitos desta Lei, considera-se matéria qualquer reportagem, nota ou notícia divulgada por veículo de comunicação social independentemente do meio ou plataforma de distribuição, publicação ou transmissão que utilize, cujo conteúdo atente, ainda que por equívoco de informação, contra a honra, a intimidade, a reputação, o conceito, o nome, a marca ou a imagem de pessoa física ou jurídica identificada ou passível de identificação.” (grifos nossos)
Para alguns críticos, ao ampliar o campo de incidência para além da honra e da reputação, bens tutelados pelo Código Penal, o legislador teria ultrapassado o limite desejável, pondo em risco a liberdade de imprensa, interferindo onde não há de existir, na democracia, a intervenção do Estado.
Foro competente para distribuição da ação – disposição preocupante
O grande problema do projeto, todavia, parece residir em outra disposição. Lê-se no art. 5°, § 1º, que “É competente para conhecer do feito o juízo do domicílio do ofendido ou, se este assim o preferir, aquele do lugar onde o agravo tenha apresentado maior repercussão.”
Trata-se, sem dúvida, de prerrogativa perigosa. Ao escolher o foro que entende cabível, o ofendido pode optar pelo “juiz amigo”, caso muito bem ilustrado pelo advogado e jornalista Luís Francisco Carvalho Filho em artigo ao jornal Folha de S. Paulo no último sábado: “Vamos imaginar duas hipóteses. O presidente do Senado, com vários domicílios, pode escolher Murici, em Alagoas, cidade politicamente dominada pela família há décadas, onde o juiz provavelmente é gente amiga. O senador Requião pode escolher uma das muitas pequenas cidades do Paraná, onde o ‘agravo’ terá ‘maior repercussão’ e assim se beneficiar de eventual juiz amigo.”
“Medidas necessárias”
Por fim, destoa das garantias constitucionais o poder atribuído ao juiz, que “nas vinte e quatro horas seguintes à citação, tenha ou não se manifestado o responsável pelo veículo de comunicação, conhecerá do pedido e, havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, fixará desde logo a data e demais condições para a veiculação da resposta ou retificação em prazo não superior a dez dias. (art. 7°).” (grifos nossos)
E mais, no § 4º, do mesmo artigo:
“Para a efetivação da tutela específica de que trata esta Lei, poderá o juiz, de ofício ou mediante requerimento, adotar as medidas necessárias, tais como imposição de multa por tempo de atraso, remoção de pessoas e coisas, aquisição de equipamento e suspensão das atividades do veículo de comunicação, se necessário com requisição de força policial.” (grifos nossos)
Nem a velha lei de imprensa havia ido tão longe, dispondo que “a recusa ou demora de publicação ou divulgação de resposta, quando couber, constitui crime autônomo e sujeita o responsável ao dobro da pena cominada à infração.”