Na última quinta-feira, 4, o Senado aprovou o PL 39/13, conhecido como lei anticorrupção, que responsabiliza administrativa e civilmente pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira.
Sendo parte da agenda definida para atender as manifestações públicas, o projeto segue agora para sanção presidencial. Caso seja aprovado, entrará em vigor em 180 dias.
Estudo elaborado pelos advogados do escritório Trench, Rossi e Watanabe Advogados destaca o texto final, abordando os principais pontos do documento aprovado pelo Senado.
1. Pessoas sujeitas à lei
O texto dispõe que as seguintes pessoas jurídicas, constituídas de fato ou de direito, ainda que temporariamente, serão responsabilizadas objetivamente pelos atos lesivos praticados em seu interesse ou benefício, exclusivo ou não:
I. sociedades empresárias e sociedades simples, personificadas ou não, independentemente da forma de organização ou modelo societário adotado;
II. fundações, associações de entidades ou pessoas;
III. sociedades estrangeiras, que tenham sede, filial ou representação no território brasileiro.
2. Atos lesivos
O projeto prevê a aplicação da lei a outras condutas lesivas, além da corrupção, praticadas contra a administração pública, nacional ou estrangeira. Estão sujeitas a sanções:
I. prometer, oferecer ou dar, direta ou indiretamente, vantagem indevida a agente público, ou a terceira pessoa a ele relacionada;
II. comprovadamente financiar, custear, patrocinar ou de qualquer modo subvencionar a prática de atos ilícitos pela nova lei;
III. comprovadamente utilizar-se de interposta pessoa física ou jurídica para ocultar ou dissimular seus reais interesses ou a identidade dos beneficiários dos atos praticados;
IV. no tocante a licitações e contratos:
a) frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente, o caráter competitivo de procedimento licitatório público;
b) impedir, perturbar ou fraudar a realização de qualquer ato de procedimento licitatório público;
c) afastar ou procurar afastar licitante, por meio de fraude ou oferecimento de vantagem de qualquer tipo;
d) fraudar licitação pública ou contrato dela decorrente;
e) criar, de modo fraudulento ou irregular, pessoa jurídica para participar de licitação pública ou celebrar contrato administrativo;
f) Obter vantagem ou benefício indevido, de modo fraudulento, de modificações ou prorrogações de contratos celebrados com a Administração Pública, sem autorização em lei, no ato convocatório da licitação pública ou nos respectivos instrumentos contratuais;
g) manipular ou fraudar o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos celebrados com a Administração Pública.
V. dificultar atividade de investigação ou fiscalização de órgãos entidades ou agente públicos, ou intervir em sua atuação, inclusive no âmbito das agências reguladoras e dos órgãos de fiscalização do sistema financeiro nacional.
3. Sanções
I. Administrativas
a) multa no valor de 0,1% a 20% do faturamento bruto do ultimo exercício anterior ao da instauração do processo administrativo, excluídos os tributos, a qual nunca será inferior à vantagem auferida, quando for possível sua estimação;
b) publicação extraordinária da decisão condenatória.
No caso da multa, se não for possível utilizar o critério do valor do faturamento bruto da pessoa jurídica, a multa será de R$ 6 mil a R$ 60 mi. Ademais, a lei anticorrupção dispõe que o valor da multa não poderá exceder o valor total do bem ou serviço contratado ou previsto.
II. Judiciais:
a) perdimento dos bens, direitos ou valores que representem vantagem ou proveito direta ou indiretamente obtidos da infração, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé;
b) suspensão ou interdição parcial de suas atividades;
c) dissolução compulsória da pessoa jurídica;
d) proibição de receber incentivos, subsídios, subvenções, doações ou empréstimos de órgãos ou entidades públicas e de instituições financeiras públicas ou controladas pelo poder público, pelo prazo mínimo de um e máximo de cinco anos.
Importante notar que, de acordo com o texto, a aplicação das sanções previstas no projeto não afeta os processos de responsabilização e aplicação de penalidades decorrentes de violações à lei de improbidade administrativa (8.429/92) ou à lei de licitações (8.666/93).
Responsabilidade objetiva
Na aplicação das sanções administrativas e na sanção judicial de perdimento de bens, direitos ou valores, a pessoa jurídica responderá objetivamente. Ou seja, bastará existir a comprovação de o ato lesivo ter sido praticado no interesse ou benefício da pessoa jurídica. A aplicação das demais sanções dependerá da comprovação de culpa ou dolo.
Responsabilidade dos sucessores
O projeto dispõe que subsiste a responsabilidade da pessoa jurídica na hipótese de alteração contratual, transformação, incorporação, fusão ou cisão societária. Nas hipóteses de fusão e incorporação, a responsabilidade da sucessora fica restrita à obrigação de pagamento de multa e reparação do dano causado, até o limite do patrimônio transferido.
Fatores a serem levados em consideração na aplicação das sanções
Ao tratar da aplicação das sanções, o PL traz uma lista de fatores que serão levados em consideração, tais como a gravidade da infração; a vantagem auferida ou pretendida pelo infrator; a consumação ou não da infração; o grau de lesão, ou perigo de lesão; o efeito negativo produzido pela infração; entre outros.
Especificamente, importante notar que a futura lei anticorrupção traz dois fatores que proporcionam mudanças significativas à legislação anticorrupção brasileira.
Primeiro, a existência de programa de compliance efetivo passará a gerar benefício para a pessoa jurídica em caso de violação. De acordo com o texto, "a existência de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e a aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica" será levado em consideração na aplicação das sanções. Os parâmetros de avaliação dos programas de compliance, por sua vez, serão estabelecidos em regulamento a ser publicado pelo Poder Executivo Federal.
Outro fator importante que será levado em consideração pelas autoridades na aplicação das sanções é a "cooperação da pessoa jurídica para a apuração das infrações".
Tais dispositivos aproximam a legislação anticorrupção brasileira daquela adotada por outros países, em especial pelos EUA e Reino Unido, ao reconhecer expressamente que as empresas que tenham programas de compliance efetivos e que cooperem com as autoridades na apuração de irregularidades deverão receber um tratamento diferenciado, mais benéfico, no caso de violações.
e) Responsabilização administrativa e judicial
Com relação à responsabilização administrativa, a instauração e o julgamento de processo para apuração da responsabilidade de pessoa jurídica, via de regra, caberá à autoridade máxima de cada órgão ou entidade dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.
A CGU terá competência para apurar e julgar os atos praticados contra a Administração Pública estrangeira. Ademais, no âmbito do Poder Executivo Federal, a CGU também terá competência concorrente para instaurar processos administrativos de responsabilização de pessoas jurídicas ou para avocar os processos instaurados com fundamento na futura lei, para exame de sua regularidade ou para corrigir-lhes o andamento.
Com relação à responsabilização judicial, essa deverá seguir o rito da ação civil pública (lei 7.347/85).
f) Celebração de acordos de leniência
O projeto permite que a Administração Pública celebre acordo de leniência com as pessoas jurídicas responsáveis pela prática dos atos lesivos nele previstos que colaborem efetivamente com as investigações e o processo administrativo e que dessa colaboração resulte: i) a identificação dos demais envolvidos na infração, quando couber; e ii) a obtenção célere de informações e documentos que comprovem o ilícito sob apuração.
O acordo de leniência somente poderá ser celebrado se preenchidos, cumulativamente, os seguintes requisitos:
I. a pessoa jurídica seja a primeira a se manifestar sobre seu interesse em cooperar para a apuração do ato ilícito;
II. a pessoa jurídica cesse completamente seu envolvimento na infração investigada a partir da data de propositura do acordo;
III. a pessoa jurídica admita sua participação no ilícito e coopere plena e permanentemente com as investigações e o processo administrativo, comparecendo, sob suas expensas, sempre que solicitada, a todos os atos processuais, até seu encerramento.
A celebração do acordo de leniência não isentará a pessoa jurídica da obrigação de reparar o dano causado. Entretanto, todas as sanções administrativas e judiciais previstas na lei anticorrupção serão excluídas, salvo a multa, que será reduzirá em até dois terços.
Importante notar que o texto da lei anticorrupção também prevê que a Administração Pública poderá celebrar acordo de leniência com a pessoa jurídica responsável pela prática de ilícitos previstos na lei de licitações, com vistas à isenção ou atenuação das sanções administrativas estabelecidas em seus arts. 86 a 88.
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