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Embargos no mensalão apontam erros materiais e suscitam questões de mérito

Todos os réus condenados recorreram da decisão, além de Carlos Alberto Quaglia, cujo processo foi desmembrado e remetido à 1ª instância.

6/5/2013

Na última quinta-feira, 2, os defensores dos condenados na AP 470, o processo do mensalão, protocolaram no STF os respectivos embargos declaratórios. Espécie recursal destinada não a modificar o julgado e sim a aclarar, completar ou desfazer contradição derivada de simples erro material, os declaratórios foram usados, em sua maioria, para tentar demonstrar o desacerto entre as provas apresentadas pelas defesas, os debates ocorridos em plenário e as condenações impostas aos réus.

Análise dos embargos apresentados pelos defensores de Cristiano Paz, Delúbio Soares, João Paulo Cunha, José Dirceu, José Genoíno, Marcos Valério e Ramon Hollerbach permite a assertiva de que poucos dos pontos questionados atinem a defeitos propriamente materiais do julgado. Parte substanciosa de cada um dos embargos refere-se, como é natural em caso de tal contorno, a busca de efeitos infringentes, isto é, almejam, por meio de argumentos sobretudo de omissão na apreciação de provas, modificar o julgado, reduzindo as penas impostas.

Preliminarmente

No tocante ao pleito de dilatação do prazo para a oposição dos aclaratórios, a defesa de José Genoíno foi contundente ao demonstrar a impossibilidade de exame acurado de mais de 8 mil páginas em 10 dias, ainda que se lesse ininterruptamente por 12 horas diárias. Demonstrou, ainda, que houve falta de boa vontade em cooperar com as defesas, pois não foi permitida a vista dos votos antes da publicação, conduta autorizada expressamente pela norma do art. 96, § 7°, do regimento interno do Tribunal. Em continuação, antecipou-se a eventuais contra-argumentos explicando que o acesso ao áudio das sessões não era suficiente, pois os votos não foram todos lidos na íntegra.

Intenção propriamente aclaratória

Dentre os poucos argumentos realmente aclaratórios, salta aos olhos reclamação presente em todos os recursos examinados, de que foram notadas no acórdão inúmeras supressões de trechos de debates ocorridos em plenário, impedindo a compreensão do raciocínio desenvolvido pelos julgadores, em claro prejuízo ao princípio da motivação dos atos judiciais e ao direito de defesa. Foi amplamente notada a ausência de apartes proferidos pelos ministros Fux e Celso de Mello, mas em análises mais percucientes outras importantes supressões foram descobertas.

Nesse tópico, merece relevo a situação peculiar narrada pela defesa de Ramon Hollerbach à página 13 de seus embargos, segundo a qual um provável engano do ministro Marco Aurélio cometido em sessão e percebido depois, foi suprimido da versão final do decisum, mas que evidentemente já havia influenciado o voto dos demais em tema de peso na condenação do ora embargante.

A justificativa para as supressões também parece pôr em risco a completude da decisão: à página 8 dos embargos apresentados pela defesa de Delúbio Soares, vê-se manifestação do ministro Celso de Mello segundo a qual referidas supressões teriam ocorrido "por uma razão prática: o prazo previsto no regimento interno do STF para publicação do acórdão já havia sido ultrapassado em quatro dias de modo que ele optou por liberar o voto, retirando as intervenções feitas ao longo dos vários debates".

Outro ponto eminentemente aclaratório trazido por mais de um dos embargos (minuciosamente tratado pela defesa de José Dirceu) foi o engano cometido pelos julgadores ao tratar, durante uma discussão em plenário, da morte do então presidente do PTB José Carlos Martinez como ocorrida em dezembro de 2003, quando na verdade deu-se em outubro de 2003. Tal equívoco adquire relevância no cálculo das penas recebidas pelos diversos réus para o crime de corrupção ativa, cujas penas foram agravadas pela entrada em vigor em novembro do mesmo ano da lei 10.763/03.

Efeitos infringentes

Com muita propriedade, a defesa de Marcos Valério aponta contradição na acolhida do desmembramento do processo de Carlos Alberto Quaglia enquanto outros réus na mesma condição – sem foro privilegiado por prerrogativa de função – tiveram o pedido de remessa à primeira instância negado. Sobre o mesmo tópico a defesa de José Genoíno lembra que o julgamento originário pelo STF representa privação da garantia constitucional do duplo grau de jurisdição, prevista também no Pacto de San José da Costa Rica, tratado internacional ratificado pelo Brasil.

Contradição também é o tema da oposição trazida pela defesa de João Paulo Cunha ao marcar que o tipo penal da lavagem de dinheiro requer a ocultação na movimentação do recurso que se deseja "lavado", o que não teria ocorrido no caso, pois o dinheiro alvo da denúncia foi sacado pela esposa do embargante. Contrariamente ao que ocorreu em julgamento do corréu José Borba, absolvido de igual imputação criminosa, no caso de João Paulo Cunha considerou-se o recebimento "por interposta pessoa" como indiciário do crime.

Os embargos apresentados pelas defesas de todo o núcleo operacional ou publicitário, bem como a de João Paulo Cunha coincidiram ao apontar omissão na apreciação das provas de que serviços de publicidade foram efetivamente prestados pelas agências envolvidas na denúncia. Com esmero, a defesa de Cristiano Paz, sócio da SMP&B e quotista da DNA, demonstra que o fenômeno alcunhado pejorativamente pelos julgadores de "subcontratação", tratado como presunção de desvio de finalidade nos contratos entre as agências e os órgãos públicos envolvidos, nada mais é do que contratação direta de terceiros especializados, conduta prevista nas normas-padrão da atividade de agência publicitária, caracterizada exatamente como uma articuladora de variadas empresas e profissionais.

Presunção, aliás, é tema recorrente nos embargos de Cristiano Paz, que teria sido condenado por corrupção ativa em relação ao deputado João Paulo Cunha pelo fato de ter voado de volta a Brasília no mesmo voo que Marcos Valério, em dia seguinte a reunião em que teria sido acertada com o deputado a contratação (por meio de fraude à licitação) da SMP&B para prestação de serviços de publicidade à Câmara. A coerência dos argumentos expostos traz ao debate o importante, quiçá perigoso, tema da condenação sem provas contundentes, ainda que em crimes que dificilmente deixam marcas concretas.

Sobre a dosimetria das penas, os embargos apresentados pela defesa de José Dirceu apontam a reiterada valoração de mesma circunstância agravante (posição de comando, cargo de direção) para exacerbação da pena em diferentes momentos, caracterizando inequívoco bis in idem. Ainda no tocante às circunstâncias arroladas pelo art. 59 do CP, os embargos de Dirceu reclamam da não apreciação dos bons antecedentes do embargante, contrariando a lição de "valorar cada uma das circunstâncias do art. 59", procedimento em que as condições subjetivas devem prevalecer sobre as objetivas.

Ainda sob a mesma rubrica, os embargos opostos pela defesa de João Paulo Cunha escancaram a falta de razoabilidade e proporcionalidade na fixação das penas ao mostrar, inclusive com o auxílio de recurso gráfico, que os delitos de corrupção passiva e peculato, praticados, em tese, nas mesmas condições e circunstâncias, "com censuras, reprovabilidades e consequências praticamente iguais", tiveram suas penas fixadas por critérios absolutamente discrepantes entre si – a pena-base para o delito de corrupção passiva foi aumentada para além do dobro, enquanto a do peculato teve seu agravamento em ¼. Chamam a atenção para o fato de tratar-se de delitos propter officium, em cujo tipo já está gravada a condição do agente de funcionário público. Ainda assim, o cargo ocupado pelo embargante foi causa de aumento de pena, enquanto a condenação pelo crime de lavagem de dinheiro, em que a condição de agente público não é parte integrante do tipo, "e portanto poderia se pensar na elevação da pena por conta da posição funcional do embargante", a condenação estabeleceu a pena mínima.

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