O 1º JECível de Taguatinga/DF condenou um estúdio fotográfico a indenizar em R$ 5 mil, a título de danos morais, um consumidor que não recebeu o álbum de fotos de seu casamento passados 3 anos do matrimônio.
O juiz de Direito Matheus Stamillo Santarelli Zuliani entendeu que a empresa feriu o CDC, uma vez que houve contrato entre as partes, mas a ré deixou de cumprir a avença em tempo razoável.
"O congelamento da cerimônia bem como da parte festiva, materializado através de fotografias postas em um álbum bem construído é uma relíquia que vai ser guardada para ser relembrada em jantares e almoços familiares, assim como forma de mostrar aos filhos toda a felicidade em se construir uma família", ponderou o magistrado.
O julgador considerou que o requerente sofreu constrangimentos que vão além dos "meros dissabores" pelo descumprimento contratual. "Não se pode admitir que todo um planejamento seja destruído com a ruptura de uma expectativa gerada, agravada pelo fato de que, aquele momento não volta mais, e se não for cumprido a contento pela parte requerida corre-se o risco de toda a cerimônia cair no esquecimento em razão da prolongação do tempo e da falha da memória humana", concluiu.
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Processo: 2012.07.1.033799-5
Veja a íntegra da decisão.
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SENTENÇA
Vistos etc.
Vistos, etc...
Relatório dispensado nos termos do art. 38 da Lei 9.099/95.
Recebi os autos conclusos para sentença.
Trata-se de ação de obrigação de fazer com pedido de indenização por danos morais sob o rito dos Juizados Especiais Cíveis proposta por T.V.R.J. contra CLASSE A STUDIO FOTOGRÁFICO.
Em suas considerações iniciais aduz que contratou a empresa requerida para prestar serviços de fotografia durante o seu casamento que se realizara em 24/10/2009. Informa que até os dias atuais ainda não recebeu o álbum de fotografias do casamento. Assevera que após varias tentativas de resolver o impasse, sem um consenso entre as partes, com o requerido sempre empregado evasivas, não vislumbrou outra alternativa senão o ingresso com a presente ação visando a condenação do requerido no pagamento de R$ 12.440,00 bem como em obrigar a empresa requerida na entrega do álbum fotográfico dentro do prazo de 72 horas.
A parte requerida devidamente citada não compareceu á audiência de conciliação, instrução e julgamento, momento no qual deveria apresentar sua contestação.
Ressalto que regularmente citada e advertida para comparecimento à audiência de conciliação, instrução e julgamento, feito o pregão por duas vezes, somente compareceu a parte autora, ausência a parte ré. Nessa trilha, incide, "in casu", a revelia, bem como seus efeitos, presumindo-se como verdadeiros os fatos aduzidos pelo autor na petição inicial, conforme disposto no artigo 20 da Lei dos Juizados Especiais.
Atento aos efeitos da revelia (art. 319 do CPC) presumo verdadeiros os fatos aduzidos pelo autor na petição inicial, porquanto não há qualquer elemento nos autos que infirme as alegações expendidas na exordial.
No mérito é procedente o pedido do autor. Justifico.
A decisão do casal em contrair matrimônio vai muito além do simples pedido formal com a colocação da aliança de noivado na mão direita da noiva e o pedido encabulado ao sogro. Envolve todo um planejamento psicológico e financeiro. Não é um projeto barato, mas que em sua essência vale todos os sacrifícios no afã de buscar a realização pessoal dos nubentes e a construção de uma família sólida.
O congelamento da cerimônia bem como da parte festiva, materializado através de fotografias postas em um álbum bem construído é uma relíquia que vai ser guardada para ser relembrada em jantares e almoços familiares, assim como forma de mostrar aos filhos toda a felicidade em se construir uma família.
Não se pode admitir que todo um planejamento seja destruído com a ruptura de uma expectativa gerada, agravada pelo fato de que, aquele momento não volta mais, e se não for cumprido a contento pela parte requerida corre-se o risco de toda a cerimônia cair no esquecimento em razão da prolongação do tempo e da falha da memória humana.
É importante consignar que o Código de Defesa do Consumidor, modelo de diploma protetivo no mundo todo, tem a finalidade precípua de proteger a parte mais fraca da relação consumerista, evitando, desta feita, que ela seja devorada pela parte mais forte, restando obrigada a atender as suas imposições. É por isso que a Constituição Federal denomina o consumidor de parte vulnerável.
De um lado, o requerente é consumidor, haja vista o artigo 2º, "caput", do diploma legal, porquanto destinatário final do bem. De outro, a requerida enquadra-se na definição legal de fornecedor (artigo 3º, "caput"), uma vez que se organiza empresarialmente para oferta de serviços no mercado de consumo.
O CDC prevê dois requisitos para configuração da relação de consumo: a vulnerabilidade e a hipossuficiência.
Existem três tipos de vulnerabilidade: a técnica, a jurídica e a fática. A técnica consiste na ausência de conhecimentos, por parte do consumidor, sobre as técnicas de produção do produto ou serviço que consome, ficando vulnerável ao fornecedor na relação contratual. A vulnerabilidade jurídica é a falta de conhecimentos específicos, jurídicos, de contabilidade e econômicos. Já a vulnerabilidade fática ou socioeconômica consiste na posição de superioridade do fornecedor por seu poderio econômico ou em razão da essencialidade do serviço, de forma que, todos que contratarem com este fornecedor se encontram em condição de hipossuficiência.
Verificam-se presentes a vulnerabilidade e hipossuficiência do autor em face da ré, já que não possuem conhecimentos específicos sobre a área de fotografia e suas técnicas de construção de álbuns e filmes.
São factíveis as alegações do autor de que houve contrato entre as partes, mas a parte ré deixou de cumprir a avença em tempo razoável (fls. 28/29).
Neste quadro, e diante a ausência de prova da quitação da obrigação da parte ré e de sua revelia, merece acolhimento a pretensão do autor.
Ademais, insta ressaltar que se passaram mais de 3 anos data do casamento, prazo mais do que razoável para o adimplemento da obrigação.
Quanto aos danos morais pleiteados, sabe-se que a responsabilidade civil por danos meramente morais, já assentada na Constituição de 1998 (art. 5º, inc. X), também foi disciplinada no plano infraconstitucional através do Código de Defesa do Consumidor e do artigo 186 do Código Civil de 2002 que estabelece que a violação de direito ou a causação de dano, ainda que exclusivamente moral, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, constitui ato ilícito.
Nesse sentido, tenho como suficiente à subsunção do conceito de ato ilícito o fato do consumidor ter adquirido produtos e serviços oferecidos pela requerida, álbum fotográfico de casamento, e ter sofrido uma verdadeira jornada para receber o que foi contratualmente previsto, sem qualquer solução.
Vê-se, claramente, que o autor tentou solucionar o problema, através dos meios postos à sua disposição, sendo então submetido a constrangimentos vários que vão além dos "meros dissabores" pelo descumprimento contratual.
Assim, a indenização por danos morais objetivada mostra-se cabível. São inegáveis os constrangimentos e os sentimentos de aflição e angústia experimentados por quem adquire um bem, e depara-se com tamanho descaso e inadimplemento.
O dano moral é a violação do patrimônio moral da pessoa, patrimônio este consistente no conjunto das atribuições da personalidade. É a 'lesão de bem integrante da personalidade, tal como a honra, a liberdade, a saúde, a integridade psicológica, causando dor, sofrimento, tristeza, vexame e humilhação à vítima' (CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. São Paulo. Editora Malheiros, 2000, pág. 74).
Uma vez que nenhuma possibilidade há de medir pelo dinheiro um sofrimento puramente moral, Caio Mário da Silva Pereira recomenda que faça um jogo duplo de noções: "a) de um lado, a idéia de punição do infrator, que não pode ofender em vão a esfera jurídica alheia; b) de outro lado, proporcionar à vítima uma compensação pelo dano suportado, pondo-lhe o ofensor nas mãos uma soma que não é o pretium doloris" (Instituições de Direito Civil, 8ª ed., Rio, Forense, 1986, vol. II, nº 176, pág. 235).
O ordenamento jurídico vigente não agasalhou a tese do tabelamento do dano moral, ficando a valoração á critério do Magistrado. Deverá esse, em atenção ao art. 944 do Código Civil, medir a indenização pela extensão do dano. No caso em tela, levando-se em consideração a lesão ao direito da personalidade experimentado pela parte autora, a quantia de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), se mostra suficiente para compensá-la pelos danos morais sofridos.
Nesse sentido já decidiu o E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Confira:
AÇÃO DE INDENIZAÇÃO DANO MORAL.
Contratação de serviço de fotografia e filmagem em festa de casamento Demora na entrega do vídeo Ausência de realização de cópia de segurança Previsibilidade do extravio Roubo ocorrido meses após o casamento Mora do fornecedor Responsabilização independentemente do fortuito Ônus do fornecedor de comprovar a ausência de falha na prestação de serviços Caracterização do prejuízo material e do dano moral? Indenização majorada Correção aplicada a partir da fixação Inteligência da Súmula nº 362, do Superior Tribunal de Justiça Inaplicabilidade da Taxa Selic Juros de 1% (um por cento) ao mês a partir da citação. Apelações parcialmente providas (TJSP - Apelação Cível n. 0032547-84.2009.8.26.0000 - 33ª Câmara de Direito Privado - Desembargador Relator Sá Moreira de Oliveira - julgado em 2/4/2012).
Forte nessas razões JULGO PROCEDENTE O PEDIDO deduzido na inicial e assim o faço com resolução do mérito, com suporte no art. 269, I, do Código de Processo Civil para:
Compelir a empresa requerida a entregar o álbum de fotografia dentro do prazo de 72 horas, a contar a intimação desta sentença, sob pena de multa diária no valor de R$ 100,00 até o patamar máximo de R$ 2.000,00.
Condenar no pagamento de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a título de danos morais, corrigida monetariamente desde o arbitramento (súmula 362 do STJ), conforme índice do INPC, acrescidos de juros de 1% (um por cento) ao mês, contados desde o fato danoso (súmula 54 do STJ).
Sem custas e sem honorários.
Transitada em julgado, após as anotações pertinentes, dê-se baixa e arquivem-se os autos.
Publique-se. Intimem-se. Sentença registrada eletronicamente.
Taguatinga - DF, terça-feira, 09/04/2013 às 18h14.