Migalhas Quentes

Milton Neves e Record são condenados por veiculação de notícia inverídica

Relator da apelação entendeu que os apelantes agiram de forma negligente.

25/10/2012

A 10ª câmara de Direito Privado do TJ/SP condenou a Record e o jornalista Milton Neves Filho a indenizar em R$ 20 mil, por danos morais, um homem noticiado nos programas "Debate Bola" e "Terceiro Tempo" como o agressor do árbitro alemão Markus Merk nas "Macabíadas" de 1993.

Embora o apresentador tenha retificado os fatos, o desembargador Elcio Trujillo, relator da apelação, entendeu que os apelantes agiram de forma negligente. "O direito à informação deve respeitar certos limites. Cumpre ao órgão de divulgação, em exercício profissional, a cautela necessária para a divulgação de notícias ou informações. E o mínimo é a verificação da correção, da veracidade das informações que serão repassadas ao público, com fiel observância aos direitos constitucionais de preservação da honra alheia", afirmou o magistrado.

Veja a íntegra da decisão.

_____________

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Apelação com Revisão n° 0132426-89.2008.8.26.0100

Comarca: São Paulo

Ação: Indenização por Danos Morais

Apte(s).: Rádio e Televisão Record S/A e Milton Neves Filho

Apdo(a)(s).: Sérgio Cshapiro

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 0132426-89.2008.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que são apelantes RADIO E TELEVISÃO RECORD S/A (RECORD) e MILTON NEVES FILHO, é apelado SERGIO CSHAPIRO.

ACORDAM, em 10ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Deram provimento parcial ao recurso, nos termos que constarão do acórdão. V. U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores JOÃO CARLOS SALETTI (Presidente sem voto), CESAR CIAMPOLINI E CARLOS ALBERTO GARBI.

São Paulo, 23 de outubro de 2012.

Elcio Trujillo

RELATOR

Voto nº 16953

INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - Imprensa - Veiculação de notícia inverídica - Imputação ao autor da prática de agressão física contra árbitro de futebol alemão - Programas esportivos exibidos em rede nacional de televisão - Confissão do corréu Milton Neves - Responsabilidade efetiva da emissora de TV – Negligência do meio de comunicação ao exibir notícia de interesse público sem a necessária cautela Limitações ao direito de informar - Dano moral caracterizado - Montante da indenização que comporta redução Atualização monetária a contar do arbitramento (Súmula 362 do STJ) – Juros moratórios desde o evento (Súmula 54 do STJ), aspecto último que comporta adequação “ex officio”.

LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ - Pedido formulado pelo corréu Milton Neves - Não ocorrência - Ausência das hipóteses previstas no artigo 17 do Código de Processo Civil - Sentença parcialmente reformada - Aplicação do disposto no art. 252 do Regimento Interno deste Tribunal

RECURSOS PARCIALMENTE PROVIDOS.

Apelações interpostas contra a r. sentença de fls. 267/273, de relatório adotado, que julgou procedente ação para condenar os requeridos ao pagamento de indenização por danos morais, no valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), incidindo correção monetária desde a sentença e juros moratórios de 1% (um por cento) ao mês a partir do trânsito em julgado.

Embargos de declaração opostos pelo corréu

Milton Neves (fls. 276/281) e rejeitados (fls. 282).

Ambos requeridos apelaram.

O corréu Milton Neves alega que por se referir a episódio antigo (1993), equivocou-se ao citar o nome do autor como sendo um dos agressores do árbitro alemão Markus Merk; que retificou os fatos, por várias vezes, “tanto na TV quanto na Rádio”; e que se trata de mero dissabor. Requer a condenação do autor às penas de litigância de má-fé, bem como a notificação ao Ministério Público para apuração do crime de falso testemunho. Pede o provimento do recurso (fls. 289/328).

A requerida Record sustenta sua ilegitimidade passiva. No mérito, aduz que não deve ser condenação à reparação civil, eis que firmou contrato com o corréu Milton Neves, em que prevê que este último assume a responsabilidade integral “sobre tudo que por ele for dito em rede nacional”, isentando-a de quaisquer danos causados em decorrência dos programas televisivos exibidos; que não há dano indenizável, mas mero aborrecimento causado ao autor; e que o corréu Milton Neves se retratou; alternativamente pede a redução do quantum indenizatório (fls. 332/353).

Recursos recebidos (fls. 371) e impugnados (358/370 e 373/386).

É o relatório.

Os recursos comportam parcial provimento.

Em primeiro, cumpre esclarecer que a apelante Record é parte legítima para figurar no polo passivo da ação, haja vista que foi responsável pela transmissão dos programas televisivos. Por consequência, deve responder objetivamente por danos causados a terceiros, a teor do artigo 927, parágrafo único, do Código Civil.

Ao enfrentar o tema, já se pronunciou esta Corte:

“(...) Não prospera sua alegação de que não seria parte legítima para figurar no polo passivo do feito, já que não tem qualquer responsabilidade sobre o conteúdo do 'Programa 100% Brasil'. A emissora afirmou que como a atração é produção independente da ré Ragi Refrigerantes Ltda., que adquiriu junto à empresa Veiculação horário em sua grade, não pode ser responsabilizada por eventuais ilícitos praticados através do programa. A argumentação não prospera. O fato de a emissora ré comercializar horários de sua programação não a exime de responder pelos atos lesivos praticados por terceiros que adquiriram tais espaços. Existe, a princípio, responsabilidade do órgão de imprensa pelos fatos que divulga em sua rede de televisão, jornal ou rádio. Essa responsabilidade pode ser por ato próprio, ou por ato de terceiro. Nesta seara, portanto, podem ser considerados terceiros não só os empregados e prepostos, mas também os colaboradores do meio de comunicação, os articulistas, as fontes, o leitor que usa a respectiva seção de cartas, as agências de notícias que as repassam para vários órgãos de imprensa, assim como os entrevistados e quem faz publicar matéria paga ou publicitária, a exemplo da ré TV Ômega Ltda. (...) Se esta houve por bem comercializar horários de sua grade, deixando de exibir programas próprios para transmitir produções independentes de terceiros que adquiram espaços em sua programação, deve responder pelos danos que os últimos causarem através desta atividade. A mera existência de cláusula contratual imputando exclusivamente à ré Ragi Refrigerantes Ltda. a responsabilidade civil e criminal por danos causados pelo programa (fls. 433) não afasta o dever da emissora ré de responder perante terceiros pelos atos praticados por aquela; a previsão contratual referida serve apenas para assegurar o direito de regresso da TV Ômega em face da requerida Ragi Refrigerantes Ltda”. (TJSP, 4ª Câmara de Direito Privado, Apelação nº 0336914-78.2009.8.26.0000, Rel. Des. Francisco Loureiro, j. 22.03.2012); (grifo nosso).

Superada a preliminar, passo a apreciar o mérito recursal.

Consta dos autos que o apelado é ex-jogador de futsal (futebol de salão) e, por diversas vezes, representou a seleção brasileira nos jogos poliesportivos denominados “Macabíadas” (trata-se de competição esportiva realizada em Israel envolvendo atletas judeus ou seus descendentes).

Nas “Macabíadas” de 1993, o árbitro de futebol alemão Markus Merk participou do jogo entre Brasil e México e, naquela ocasião, foi agredido por dois jogadores brasileiros, o que resultou, por consequência, na eliminação da equipe brasileira daquela competição.

Em 2006, na Copa do Mundo de futebol da Alemanha, o referido árbitro alemão havia sido escalado para apitar o jogo entre Brasil e Austrália.

O corréu Milton Neves, durante a apresentação de dois programas esportivos denominados “Debate bola” e “3º tempo”, na rede Record de televisão, exibidos nos dias 16 e 18 de junho de 2006 respectivamente, manifestou suspeição em relação ao referido árbitro de futebol, temendo que ele atuasse em desfavor da seleção brasileira, em razão da violência ocorrida nas “Macambíadas” de 1993.

Segundo os comentários do corréu Milton Neves, o apelado Sérgio Cshapiro era um dos jogadores brasileiros que, outrora, teriam agredido fisicamente aquele árbitro alemão, quando, na realidade, os agressores eram Dório Feldman e Fábio Vaserztein.

O corréu Milton Neves reconheceu o equívoco e afirmou que “(...) por deslize, mencionou os nomes que eram mais 'vivos' em sua memória”, dentre eles o apelado (fls. 52).

O juízo a quo acertadamente reconheceu a ilicitude na conduta dos requeridos, condenando-os solidariamente ao pagamento de indenização por danos morais, no valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), incidindo correção monetária desde a sentença e juros moratórios de 1% (um por cento) ao mês a partir do trânsito em julgado.

Pois bem.

A Constituição Federal, em seu artigo 5º, incisos IX e XIV, assegura a plena liberdade de informação e expressão, independentemente de censura. No entanto, o mesmo texto constitucional também garante o direito à honra e à imagem através do mesmo dispositivo, no inciso X, tendo a mesma importância e relevância que a liberdade de informação.

Acrescente-se que a todo direito corresponde uma responsabilidade. E nenhum direito se apresenta absoluto sendo, portanto, ponderados diante do conjunto de direitos que com determinado direito estejam interagindo.

Qualificamos isso com sistema de freios e contrapesos que busca o equilíbrio do próprio direito.

Assim, o direito à informação deve respeitar certos limites. Cumpre ao órgão de divulgação, em exercício profissional, a cautela necessária para a divulgação de notícias ou informações. E o mínimo é a verificação da correção, da veracidade das informações que serão repassadas ao público, com fiel observância aos direitos constitucionais de preservação da honra alheia.

Nesse sentido, é a lição de Enéas Costa Garcia: “A objetividade da informação exige uma publicação verdadeira e exata. O desvio da verdade leva à responsabilidade do agente. A liberdade de informação não protege publicações mendazes. (...) O jornalista não pode contentar-se com a publicação de uma notícia sem conferir-lhe a exatidão, sem assegurar-se de que o fato tem fundamento, guarda correspondência com a realidade. Viola o dever de verificação a publicação leviana, destituída de fundamento, fruto de ligeireza na investigação, carente de maior reflexão e ponderação frente aos fatos, sem coerência interna do material colhido. O dever de verificação exige uma conduta prudente do jornalista. Não pode publicar a notícia sem confirmação da sua autenticidade, sem previamente ter adotado a cautela necessária para afastar eventual imprecisão. Esta a conduta cuidadosa esperada de qualquer profissional deste ramo, de modo que sua inobservância caracteriza culpa”. (“Responsabilidade civil dos meios de comunicação”, Editora Juarez de Oliveira, 2002, p. 266/268).

No caso, há que se reconhecer que os apelantes agiram de forma negligente. Para a responsabilidade civil, a culpa 'strictu sensu' é bastante para justificar a indenização pela simples falta de cautela do órgão de imprensa em verificar a veracidade da informação da notícia a ser veiculada.

Precedentes desta Corte, quanto o abuso do direito de informar:

“Apelação. Indenização por danos morais. Preliminar de nulidade afastada. Sentença de improcedência. Reforma. Necessidade. Matéria jornalística que foi além de seu dever de informar. Afronta manifesta a ética jornalística e aos cuidados editoriais. Abuso de direito bem caracterizado, atraindo o dever de indenizar. Ofensa à honra subjetiva alheia, perpetrada pela ré, ora apelada. Direito/dever de bem informar, sem desvirtuamentos que descambem para o sensacionalismo, não obstante constitucionalmente tutelado, até porque, em contraponto, merece igual

tutela a lesão aos direitos da personalidade. Sentença reformada. RECURSO PROVIDO, prejudicado o pedido de publicação do acórdão em razão da declaração de inconstitucionalidade da Lei de Imprensa. (TJSP, Apelação Cível nº 9170869-96.2007.8.26.0000, 2ª Câmara de Direito Privado, Rel. José Joaquim dos Santos, j. 04/10/2011).

Dano Moral. Matéria jornalística que trata a Autora como "denunciada por agressão", quando sequer fora instaurado inquérito, e diz que ela "espancou" seus alunos, com respaldo apenas em relatos de crianças de 11 anos de idade, que relataram os fatos de maneira diversa em Juízo e na Delegacia de Polícia.

Conduta imprudente do jornal. Dano moral configurado. Indenização mantida. Recurso desprovido. (TJSP, Apelação Cível nº 9094854-52.2008.8.26.0000, 7ª Câmara de Direito Privado, Rel. Pedro Baccarat, j. 29/08/2012).

RESPONSABILIDADE CIVIL - Danos Morais – Matéria jornalística - A liberdade da divulgação de notícias baseia-se no interesse público da obtenção da informação - Se não houver caráter informativo, interesse público atual e respeito ao decoro, reputação e à vida privada, a divulgação indiscriminada, por qualquer de suas formas, ou de notícia falsa, ainda que não de forma intencional, resulta na obrigação de reparar o dano –Conteúdo inverídico - Dano moral configurado - Valor da indenização - Minoração Recurso parcialmente provido. (TJSP, Apelação Cível nº 0020722-43.2011.8.26.0625, 1ª Câmara de Direito Privado, Rel. Alcides Leopoldo e Silva Júnior, j. 14/08/2012).

Portanto, a bem lançada sentença deve ser mantida por seus próprios fundamentos, comportando reparos apenas no tocante ao quantum indenizatório.

A indenização deve ser fixada tendo em vista o grau de culpa e a situação financeira das partes.

O Direito não estabelece um critério único e objetivo para a fixação do quantum do dano moral. Cabe, assim, ao prudente arbítrio do Juiz a fixação do respectivo valor, o qual, a toda evidência, deve ser moderado e, normalmente, leva em consideração a posição social do ofensor e do ofendido, a intensidade do ânimo de ofender, a gravidade e a repercussão da ofensa.

O valor arbitrado a título de dano moral, portanto, deve guardar perfeita correspondência com a gravidade objetiva do fato e de seu efeito lesivo, bem como com as condições sociais e econômicas da vítima e dos autores da ofensa, em tal medida que, por um lado, não signifique enriquecimento do ofendido e, por outro, produza nos causadores do mal impacto bastante para dissuadi-los de nova prática ilícita.

Diante os elementos dos autos e considerando o caráter punitivo e intimidativo da indenização por dano moral, levando-se, ainda, em consideração, as condições do ofendido e dos ofensores, com base em referidos parâmetros, a quantia arbitrada pela douta magistrada mostra-se excessiva, comportando redução para R$ 20.000,00 (vinte mil reais), com incidência da correção monetária desde a data em que arbitrada (23 de junho de 2010 - fls. 273), nos termos da Súmula 362 do STJ, e dos juros moratórios a partir da data dos fatos (18 de junho de 2006), a teor da Súmula 54 do STJ, aspecto último em que a r. sentença comporta adequação “ex officio”.

Ainda, não há falar em litigância de má-fé do apelado, arguida pelo apelante Milton Neves, em razão da ausência das hipóteses previstas no artigo 17 do Código de Processo Civil.

“Para a condenação em litigância de má-fé, faz-se necessário o preenchimento de três requisitos, quais sejam: que a conduta da parte se subsuma a uma das hipóteses taxativamente elencadas no art. 17 do CPC; que à parte tenha sido oferecida oportunidade de defesa (CF, art. 5º, LV); e que da sua conduta resulte prejuízo processual à parte adversa” (RSTJ 135/187, 146/136).

Por fim, o pedido de vista dos autos ao Ministério Público para apuração de eventual delito apontado falso testemunho foge ao limite da lide e do campo em análise.

Ante o exposto, utilizando como razão de decidir os fundamentos da r. sentença de primeiro grau, DOU PARCIAL PROVIMENTO aos recursos.

ELCIO TRUJILLO

Relator

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