Migalhas Quentes

DER é condenado a devolver expurgo inflacionário

Decisão é da 5ª câmara de Direito Público do TJ/SP.

24/10/2012

A 5ª câmara de Direito Público do TJ/SP reformou sentença dando ganho de causa à ação promovida pela Cetenco Engenharia S/A. A demanda requeria a declaração de não validade de Termos Aditivos e Modificativos impostos pelo DER - Departamento de Estradas de Rodagem para expurgar dos contratos firmados com a mesma empresa a expectativa inflacionária embutida nos preços. A Cetenco também pleiteou ao DER a devolução dos valores que foram extirpados indevidamente dos ajustes.

O desembargador Franco Cocuzza, relator, asseverou que os contratos foram firmados com preço à vista e considerou o fato de as duas perícias contábeis produzidas nos autos terem sido conclusivas quanto à inexistência de qualquer percentual de despesa financeira, bem como expectativa inflacionária, nos preços contratados.

Segundo o magistrado, "se em ambas as perícias – cada qual com seu valor, nos termos do art. 439 do CPC – apuraram que, no preço ajustado não houve a inserção da expectativa inflacionária, é vedado aplicar ao contrato em análise o § 5º do art. 15 da lei 8.880/94, bem como o § 1º do art. 23 da lei 9.069/95".

Para a advogada Juliana Nunes de Menezes Fragoso, do escritório Manesco, Ramires, Perez, Azevedo Marques Sociedade de Advogados, "conferiu-se às provas periciais produzidas nos autos o seu devido valor e se afastou a alegação de presunção legal".

O sócio da banca Marcos Perez, que sustentou oralmente a apelação da Cetenco, declarou que o julgamento reafirmou que os contratos devem ser cumpridos, e que a administração pública deve agir pautada pela boa fé.

Veja a íntegra da decisão.

____________

Apelação nº 0025995-17.2004.8.26.0053

Apelante: Cetenco Engenharia S/A

Apelados: Fazenda do Estado de São Paulo e Departamento de Estradas e Rodagens - Der

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos do Apelação nº 0025995-17.2004.8.26.0053, da Comarca de São Paulo, em que é apelante CETENCO ENGENHARIA S/A, são apelados FAZENDA DO ESTADO DE SÃO PAULO e DEPARTAMENTO DE ESTRADAS E RODAGENS - DER.

ACORDAM, em 5ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Deram provimento ao recurso. V.U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmo. Desembargadores FRANCO COCUZZA (Presidente), FRANCISCO BIANCO E NOGUEIRA DIEFENTHALER.

São Paulo, 17 de setembro de 2012.

FRANCO COCUZZA

RELATOR

Voto n.º 16.884

APELAÇÃO AÇÃO ORDINÁRIA NULIDADE DA SENTENÇA INOCORRÊNCIA A DECISÃO DO MAGISTRADO NÃO ESTÁ VINCULADA A CONCLUSÃO DAS PROVAS TÉCNICAS PRODUZIDAS NOS AUTOS. TAMBÉM NÃO É OBRIGATÓRIA A APRESENTAÇÃO DE ALEGAÇÕES FINAIS ADITIVO CONTRATUAL PARA A APLICAÇÃO DO EXPURGO INFLACIONÁRIO – INADMISSIBILIDADE CONTRATO FIRMADO COM PREÇO À VISTA EXCLUI A EXPECTATIVA DE INFLAÇÃO FUTURA – VEDADO A APLICAÇÃO DO § 5º DO ARTIGO 15 DA LEI FEDERAL N° 8.880/94, BEM COMO O § 1º DO ART. 23 DA LEI Nº 9.069/95 OS TERMOS ADITIVOS E MODIFICATIVOS AFRONTARAM O ATO JURÍDICO PERFEITO E ACABADO, NOS TERMOS DO ART. 5º, XXXVI, DA CF E ART. 6º, § 1º, DA LEI DE INTRODUÇÃO DO CÓDIGO CIVIL RECURSO PROVIDO PARA JULGAR A AÇÃO PROCEDENTE.

Trata-se de recurso de apelação, extraído de ação sob o procedimento ordinário (Autos n.º 0025995-17.2004.8.26.0053), que pela r. sentença (fls. 3.821/3.831), a MMa. Juíza da 6ª Vara da Fazenda Pública da Capital, Dra. Cynthia Thomé, julgou improcedente a ação que Cetenco Engenharia S/A move contra o Departamento de Estradas de Rodagem do Estado de São Paulo-DER/SP e Fazenda do Estado de São Paulo. Condenou a autora arcar com as custas processuais e honorários advocatícios fixados em R$ 20.000,00 (Vinte mil reais), nos termos do art. 20, § 4º, do CPC.

A apelante interpôs o presente recurso (fls. 3.836/3.900). Preliminarmente, alega a nulidade da sentença por ter sido proferida contra as provas técnicas produzidas nos autos e por não ter dado oportunidade para apresentar as suas alegações finais.

No mérito, sustenta que: I) restou comprovado nos autos que os preços que seguiram as contratações não continham expectativa inflacionária embutida que justificasse qualquer expurgo pretendido pela autarquia-ré; II) a sentença infringe o disposto nos arts. 37, XXI, da CF, 57, § 1º, 58, § 2º, 65, II, todos da Lei n.º 8.666/93, além do art. 2º do Decreto Estadual n.º 32.117/90 e 23, § 1º, da Lei n.º 9.069/95; III) com o expurgo de valores referentes à repactuação contratual, o DER modificou ato jurídico perfeito, pois determinou a invalidação de aditivos contratuais firmados há mais de 7 anos; III) as contratações decorreram de licitação por preço-base; IV) direito do contratado particular de fruir, enquanto vigente o ajuste, dos benefícios econômicos decorrentes da contratação (art. 37, XXI, da CF); V) o art. 66 da Lei n.º 8.666/93 determina que o contrato deve ser fielmente executado pelas partes; VI) foram realizadas duas perícias, as quais concluíram pela inexistência de expectativa de inflação nos preços contratados; VII) os honorários advocatícios devem ser minorados no patamar máximo de R$ 5.000,00 (Cinco mil reais). Pleiteia seja o recurso provido.

O recurso de apelação foi recebido e processado com o oferecimento de contrarrazões (fls. 3.904/3.945), subindo os autos a essa Instância.

É o relatório.

O recurso merece ser provido.

Primeiramente, cumpre afastar a nulidade da sentença, pois a decisão do Magistrado não está vinculada a conclusão das provas técnicas produzidas nos autos, as quais são mero norteadores, haja vista que o Juiz da causa é pautado por sua livre convicção dentro dos parâmetros legais.

Dessa forma, no presente caso, a MMa. Juíza a quo não estava obrigada a proferir sua decisão conforme a conclusão dos laudos periciais produzidos, a qual poderia ou não acatar a prova técnica realizada nos autos.

Também não macula a sentença de nulidade a falta de apresentação de alegações finais, haja vista que não é obrigatória a sua apresentação, sendo facultado ao Magistrado dispensá-las uma vez que a prova dos autos se circunscreve aos documentos juntados e a prova pericial e as partes acompanharam as perícias e se manifestaram tempestivamente, durante a instrução sobre toda a prova produzida.

No mérito, o recurso merece prosperar.

Foi firmado entre a apelante e o DER contrato de execução das obras e serviços de implantação e pavimentação da 2ª pista da estrada SP-300 (via Marechal Rondon) de n°7755-0 C.O. 237008.6, em 28 de dezembro de 1989 (fls. 45/47 e versos).

Em 1º de julho de 1994, a Lei n.º 8.880/94, instituiu o programa de estabilização econômica denominado “Plano Real”, alterando o padrão monetário, sendo necessária à conversão de todos os valores existentes para a nova moeda nacional.

E assim, procedeu a apelada conforme Termo Aditivo e Modificativo n. 112 (fls. 48).

Ocorre que, no caso em análise, o contrato firmado entre as partes estabeleceu preços à vista, conforme examinado pelas perícias técnicas produzidas nos autos, de modo que afasta a existência de inclusão de expectativa de inflação.

A perita nomeada pelo juízo para realizar a segunda perícia ao responder o quesito “Existem provas que não havia expectativa inflacionária embutida nos preços contratados?” respondeu que: “Sim, a composição dos preços unitários dos serviços constantes do orçamento dos contratos em referência não há qualquer percentual de despesa financeira ou expectativa inflacionária. Os preços do contrato em referência foram à vista”.

No mesmo sentido, o perito nomeado pelo juízo que realizou a primeira perícia concluiu que “Em se examinando as instruções para a aplicação do Decreto Estadual nº 32.117/90, o próprio DER consignou que nas licitações de obras, por preço-base (cf. as que precederam os contratos em tela) “os preços seriam considerados à vista, não se incluindo qualquer percentual de despesa financeira e ou previsão inflacionária...”

Dessa forma, é fácil concluir que a expectativa de inflação inserida nos preços à vista não tem lógica, pois escapa à própria noção do que seja preço à vista, desnaturando-o e, ademais, não teria como ser calculada em contrato de prazo indeterminado de execução ao longo dos anos, como ocorre no presente caso.

As normas legais e contratuais estipulavam que o preço fosse considerado “à vista” e não existia razão para ser diferente diante da garantia contratual de reajuste mensal. Dessa forma, o descumprimento das normas do edital e do contrato firmado entre as partes não pode ser presumido, cabendo provar aquele que alega.

Ora, se em ambas as perícias cada qual com seu valor, nos termos do art. 439 do CPC apuraram que, no preço ajustado não houve a inserção da expectativa inflacionária, é vedado aplicar ao contrato em análise o § 5º do art. 15 da Lei Federal n.° 8.880/94, bem como o § 1º do art. 23 da Lei n.º 9.069/95.

Nesse sentido, essa C. 5ª Câmara de Direito Público assim já se posicionou sobre a matéria, conforme julgado proferido pelo Desembargador FRANCISCO BIANCO, ao relatar a Apelação n.º 9260266-40.2005.8.26.0000:

A pretensão da autora consiste na recuperação de valores pagos a título de correção monetária, em decorrência da implantação do Plano Real como novo padrão monetário, cuja Lei Federal n.º Lei 8.880/94 autorizava, no momento da conversão dos valores contratuais, o expurgo da expectativa da inflação.

A análise do contrato administrativo (fls. 47/76) firmado entre as partes permite concluir que os valores ajustados referem-se a preços à vista ou calculados com base no antigo padrão monetário (cláusula décima terceira). Por conseguinte, está excluída a existência, no preço, da expectativa da inflação de que trata a mencionada Lei Federal n.º 8.880/94.

Por outro lado, se os preços contratuais tivessem considerado a inflação futura, de fato, haveria sobreposição ou duplicidade de aplicação da correção monetária sobre um mesmo preço, como alegou a ré reconvinte.

Frise-se que questão análoga já foi examinada e julgada por este Tribunal, cuja transcrição do v. Acórdão esclarece brilhantemente a análise do tema:

“3. Expectativa de inflação. O contrato em questão teve por base preços à vista, isto é, preços correntes a serem reajustados no curso do contrato pela fórmula nele

prevista. A expectativa de inflação, por não poder ser inserida na fórmula de reajuste proposta pela própria SABESP, só poderia ser embutida nos preços, isto é, na proposta original. A hipótese de inserção da expectativa inflacionária nos preços à vista é um contra-senso: foge à própria noção do que seja preço à vista, não teria como ser calculada em contrato de prazo incerto a ser executado ao curso de vários anos com pagamentos variáveis mês a mês, e faria a ré perder competitividade no certame.

As normas legais e contratuais determinavam que o preço fosse apresentado 'à vista' e não havia razão para a ré fazer diferente ante a garantia contratual de reajuste mensal. O descumprimento das normas do edital e do contrato (pois a inserção de expectativa inflacionária faz com que o preço não seja mais 'a vista') não se presume e sua prova cabe a quem alega; de todo infeliz, a desmerecer o trabalho da Procuradoria Geral do Estado, a 'presunção legal' inserida no item III.3 (de que a inflação foi embutida no preço) e a inversão do ônus da prova inserida no item III.4 da Resolução SF/PGE nº 2/95.

4. Os art. 15, § 5º da LF nº 8.880/94 e 23, § 1º da LF nº 9.069/95 não se aplicam ao contrato firmado entre as partes, assim como não se aplicam à grande maioria dos contratos firmados neste Estado dada a regulamentação (assemelhada para todos) aqui vigente. Esse o primeiro fundamento, suficiente por si só, para rejeição dos embargos infringentes: não decorre do contrato a existência de expectativa inflacionária que pudesse ser expurgada nos termos dessas leis e Resolução SF/PGE nº 2/95.

5. O ato jurídico perfeito. Não oferece interesse discutir se os contratos nº 510/93- lote 02, 510/93-lote 10 e 510/93-lote 13, firmado pelas partes, estava ou não sujeito à adequação ao Plano Real e legislação correlata; a adequação foi feita segundo proposta da Sabesp. Tal pacto regeu as obrigações e direitos das partes até o encerramento do contrato.

Inviável que, anos depois, pretenda a Sabesp a revisão unilateral do contrato já encerrado com base na Resolução SF/PGE nº 2/95. A Sabesp procedeu à revisão contratual prevista no art. 15 § 7º da LF nº 8.880/94 e no art. 23 da LF nº 9.069/95: a conversão foi feita na forma proposta pela contratante. Adequado o contrato, não cabe nova aplicação das regras de transição e não tem mais a Administração a possibilidade de revisão unilateral prevista no § 7º citado. As partes estão protegidas pelo ato jurídico perfeito (o aditamento) e pelo art. 5º, XXXVI da Constituição Federal.

(TJ-SP, Embargos Infringentes n.º 9106151-61.2005.8.26.0000/50001, Décima Câmara de Direito Público, Rel. Des. Torre de Carvalho, por maioria, vencido o 3.º Juiz, 26.9.2011) - os destaques não constaram do original.

No mesmo sentido, confira-se outros precedentes deste Tribunal de Justiça:

“Contrato administrativo. Plano Real. Lei federal nº 9.069/95, que previu adaptação dos contratos à nova legislação econômica, com vistas a expurgar expectativas inflacionárias incorporadas ao preço. Inaplicabilidade na espécie.

Prevalência, ademais, da garantia do ato jurídico perfeito.

Recurso improvido, mantida a procedência da ação declaratória”

(TJ-SP, Apelação n.º 637.745.5/8-00, Décima Primeira Câmara de Direito Público, Rel. Des. Aroldo Viotti, v.u., j. 9.6.2008)

“CONTRATO ADMINISTATIVO Ação de cobrança Plano Real Pretensão à restituição de correção monetária que teria sido paga a maior, em decorrência do advento da legislação que implantou o Real e que teria autorizado o expurgo inflacionário dos contratos Inadmissibilidade Contrato que, celebrado com base no edital de licitação, estabelece preço à vista, que exclui a expectativa de inflação futura Inaplicabilidade dos artigos 15, § 5º, da Lei 8.880/94 e 23, § 1º, da Lei 9.069/95 Sentença de improcedência Recurso não provido.”

(TJ-SP, Apelação n.º 992.06.008689-0, Quinta Câmara de Direito Público, Rel. Des. Reinaldo Miluzzi, v.u., j. 17.01.2011)

Assim sendo, os termos aditivos e modificativos unilaterais n.º 021 (referente ao contrato 7755-0) e 009 (referente ao contrato 8438-4) que expurgaram suposta expectativa inflacionária, afrontaram o ato jurídico perfeito e acabado, nos termos do art. 5º, XXXVI, da CF e art. 6º, § 1º, da Lei de Introdução do Código Civil.

Ante todo o exposto, dá-se provimento ao recurso para julgar a ação procedente, acolhendo-se integralmente os pedidos de itens “a”, “b”, “c, “d” e “e” constantes da petição inicial. Condeno os réus ao pagamento das custas e despesas processuais, e honorários advocatícios fixados em R$ 5.000,00 (Cinco mil reais), para cada corré com fundamento no art. 20, § 4º, do CPC.

FRANCO COCUZZA

Relator

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