Migalhas Quentes

Ofensa no Orkut sem denúncia de abuso não gera indenização a usuário

Google não é responsável pelo controle prévio das informações divulgadas e propagadas em sua rede social.

25/8/2012

A 4ª câmara Cível do TJ/MA entendeu que o Google não é responsável pelo controle prévio das informações divulgadas e propagadas no Orkut, principalmente quando o usuário que se sente ofendido por publicações de terceiros não denuncia o abuso sofrido.

O desembargador Paulo Sérgio Velten Pereira, relator do processo, esclareceu que ao se cadastrar, utilizando login e senha próprios, o usuário deve aceitar previamente os Termos de Serviço, bem como a Política de Privacidade, tornando-se responsável por todo e qualquer conteúdo que fizer inserir no site. Do mesmo modo, fica ciente de que, em caso de conteúdo ofensivo ou não condizente com o ambiente social virtual, a responsabilidade é da pessoa que lhe deu origem, ficando à disposição de quem se julgar ofendido uma ferramenta própria para denunciar a página ou o conteúdo alegadamente ofensivo.

Além disso, observa o magistrado que "diante do imenso volume de informações e conteúdos compartilhados a cada segundo na rede mundial de computadores, é tecnicamente inviável – senão impossível – monitorar previamente todos os dados transmitidos pelos milhões de usuários".

Veja a íntegra da decisão.

__________

QUARTA CÂMARA CÍVEL

APELAÇÃO CÍVEL nº 30890-85.2008.8.10.0001 (13.621/2012 – São Luís)

Relator: Desembargador Paulo Sérgio VELTEN PEREIRA

Revisor: Desembargador José STÉLIO Nunes MUNIZ

Apelante/Apelado: O.A.S.C.

Advogada: Dra. Maria Isaura Soares Cavalcante

Apelada/Apelante: Google Brasil Internet Ltda.

Advogados: Dr. Eduardo Luiz Brock e outros

Acórdão

EMENTA – PÁGINA DE RELACIONAMENTO. REDE SOCIAL. CONTROLE DE CONTEÚDO INSERIDO POR TERCEIROS. RESPONSABILIZAÇÃO CIVIL OBJETIVA. IMPOSSIBILIDADE. 1. O provedor que hospeda sites de relacionamento do tipo ‘rede social’ não responde objetivamente por conteúdo impróprio ou ofensivo inserido na rede por terceiros em perfis de usuários cadastrados ou por intermédio de perfis falsos (fakes), seja porque tecnicamente impossível o monitoramento prévio, seja porque tal medida, ainda que possível fosse, constituiria censura prévia, vedada pela CF. 2. O provedor tem obrigação de retirar imediatamente o conteúdo ofensivo tão logo comunicado do fato pelo lesado, e desde que identificada a URL – Uniform Resource Locator da página que se pretenda remover, sob pena de responder solidariamente com o autor das ofensas pelos danos causados. Precedentes do STJ. 3. Apelações conhecidas, sendo provida apenas a 2ª, para julgar improcedente a ação. Unanimidade.

Vistos, relatados e discutidos os presentes autos, acordam os Senhores Desembargadores da Quarta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, por votação unânime, em conhecer, de acordo com o parecer da PGJ, e dar provimento ao 2º Recurso, negando provimento ao 1º, nos termos do voto do Desembargador Relator.

Participaram do julgamento, além do Relator, os Senhores Desembargadores José STÉLIO Nunes MUNIZ e Diva Maria de Barros Mendes (Juíza convocada).

Funcionou pela Procuradoria Geral de Justiça o Dr. Cezar Queiroz Ribeiro.

São Luís (MA), 21 de agosto de 2012

Desemb. Paulo Sérgio VELTEN PEREIRA

Relator

RELATÓRIO – Desemb. Paulo Sérgio VELTEN PEREIRA (relator): Trata-se de Apelações (ApCív’s) interpostas contra sentença do Juízo da 7ª Vara Cível da capital que julgou procedente o pedido para condenar a Google Brasil Internet Ltda. a pagar a quantia de R$ 5,45 mil por ofensas morais causadas a O.A.S.C., através do site de relacionamento Orkut (fls. 166/173).

A 1ª ApCív foi interposta pelo Autor da ação, inconformado apenas com o valor arbitrado pelo Juízo a quo (fls. 191/201).

A 2ª ApCív, interposta pela Google, devolve ao Tribunal as seguintes alegações: (i) o Apelado em momento algum notificou o provedor denunciando o conteúdo abusivo inserido no seu perfil no Orkut; (ii) é técnica e juridicamente impossível o monitoramento, controle e bloqueio prévios de inserção de conteúdos; e (iii) não pode ser objetivamente responsabilizada por atos praticados por terceiros e tampouco pelo fato de o Apelado ter descuidado de sua senha pessoal, permitindo que outras pessoas tivessem acesso ao seu perfil na referida rede social. Na eventualidade, pugna pela redução do valor da indenização (fls. 204/232).

Contrarrazões às fls. 249/255 e 266/285, pelo desprovimento dos Recursos.

Parecer ministerial apenas pelo conhecimento das ApCív’s (fls. 261/262).

É o relatório.

VOTO – Desemb. Paulo Sérgio VELTEN PEREIRA (relator): Presentes os requisitos intrínsecos de admissibilidade, concernentes ao cabimento, legitimidade e interesse recursal, assim como os pressupostos extrínsecos relativos à tempestividade, regularidade formal e preparo (fls. 189 e 234), conheço de ambos os Recursos.

No caso dos autos, discute-se a responsabilidade dos provedores de acesso à rede mundial de computadores por ofensas à dignidade pessoal perpetradas em sites de relacionamento conhecidos como redes sociais.

Esses sites funcionam hospedando páginas de pessoas que se cadastram e criam perfis com o intuito de se relacionar com amigos, conhecer novas pessoas, trocar informações de cunho pessoal e/ou profissional, compartilhar arquivos (fotos, vídeos etc.) e participar de comunidades ou grupos criados pelos próprios usuários em torno de determinados temas, como política, religião, esportes, artes, entre outros.

Ao se cadastrar, utilizando login (nome de acesso) e senha próprios, o usuário deve aceitar previamente os Termos de Serviço, bem como a Política de Privacidade, tornando-se responsável por todo e qualquer conteúdo que fizer inserir no site (itens 5.2 e 5.6 do “Termo de Serviço do Google”, fl. 113). Do mesmo modo, fica ciente de que, em caso de conteúdo ofensivo ou não condizente com o ambiente social virtual, a responsabilidade é da pessoa que lhe deu origem (item 8.1, fl. 114), ficando à disposição de quem se julgar ofendido uma ferramenta própria para denunciar a página ou o conteúdo alegadamente ofensivo (Política de Remoção, ferramenta “denunciar abuso”, fl. 132).

Como se pode observar, existe sim um controle do conteúdo postado nesses sites de relacionamento. Todavia, esse controle é realizado a posteriori, após provocação daquele que se sentir ofendido, posto que a Google não está autorizada a determinar, ela própria, se determinado conteúdo inserido viola o direito de alguém ou se a exclusão desse mesmo conteúdo é capaz de afetar direito ou liberdade de quem o inseriu no ambiente virtual.

Após longos e tenebrosos anos de ditadura, vive-se atualmente sob a batuta de um Estado Democrático, em que os direitos e liberdades públicas devem ser assegurados, pena de desnaturar a própria essência da noção de democracia. Por isso a CF garante a plena liberdade de manifestação do pensamento e da expressão intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura prévia (art. 5° IV, IX e 220 §2°) e proíbe, salvo situações excepcionais, a violação do sigilo de correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e telefônicas (art. 5° XII).

Nesse contexto, o controle sobre quaisquer formas de manifestação do pensamento em qualquer meio de comunicação, aí incluído o ambiente da internet, há de ser posterior, repressivo, por meio dos mecanismos disponibilizados ao ofendido, da competente ação de responsabilidade civil e/ou do direito de resposta (CF, art. 5° V).

Afigura-se impossível, portanto, responsabilizar a 2ª Apelante, atribuindo-lhe a pecha de negligente por não exercer o controle prévio das informações divulgadas e propagadas em sua rede social, tanto mais quando o Apelado não comprovou ter se valido da ferramenta disponibilizada no próprio site de relacionamento para denunciar o abuso, e tampouco informou em Juízo, quando solicitado pela 2ª Apelante, as URL’s das páginas onde as ofensas à sua pessoa foram postadas (URL’s são os “endereços de páginas na internet” que ficam na barra de navegação e direcionam o usuário para determinado site).

Afora tudo isso, diante do imenso volume de informações e conteúdos compartilhados a cada segundo na rede mundial de computadores, é tecnicamente inviável – senão impossível – monitorar previamente todos os dados transmitidos pelos milhões de usuários. Ademais, ainda que possível fosse a realização desse controle prévio, a própria razão de ser da internet – que é a transmissão de informações em tempo real – perderia o sentido.

Vários são os precedentes dos Tribunais pátrios a esse respeito: “Sítio eletrônico de relacionamento conhecido por Orkut. (...) Monitoramento prévio sobre o conteúdo postado pelos usuários. Ausência de dever legal ou mesmo convencional sobre esse controle ou fiscalização. Responsabilidade civil inexistente.” (TJSC, ApCív 2011.018828-1). E ainda: “Indenização. Responsabilidade civil. Danos morais. (...) Ausência de responsabilidade do provedor de serviços de internet ('google') pelas informações veiculadas. Inexistência de dever legal ou convencional de controle ou fiscalização prévia de conteúdo. Dados que foram publicados exclusivamente por terceiros. (...)” (TJSP, ApCív 990102096840). (fonte: www.jusbrasil.com.br: acesso em 24/5/2012 – grifou-se).

E mais: é incontroverso nos autos que o conteúdo ofensivo foi postado por terceiro – o Apelado aponta na inicial da ação cautelar em apenso, inclusive, quem seria o suposto responsável pela invasão do seu perfil (fl. 4) –, circunstância que, em princípio, exclui, por ausência de nexo de causalidade, a pretensão indenizatória em face da 2ª Apelante, mera hospedeira do site de relacionamento.

Saliente-se, ainda, que o Superior Tribunal de Justiça tem decidido pela inaplicabilidade da teoria da responsabilidade objetiva em situações como a que se verifica na hipótese. Entende a Corte Superior que mensagens moralmente ofensivas, inseridas em sites de provedor de conteúdo por usuário ou terceiros, não configuram risco inerente à atividade (CC, art. 927, parág. único), sendo passível de responsabilização direta o autor das ofensas ou, solidariamente com este, o provedor que não adotar as medidas necessárias à retirada imediata do conteúdo abusivo, depois de denunciado pelo ofendido, providência que, repita-se, o Apelado não adotou.

Confira-se nesse sentido: REsp 1.306.066-MT, Rel. Ministro Sidnei Beneti; e REsp’s 1.193.764/SP e 1.186.616/MG, Rel.ª Ministra Nancy Andrighi.

Em sede de liminar em Agravo de Instrumento referente a outro processo sobre o mesmo tema, este Relator também já se manifestou da seguinte forma: “Embora a questão trazida a lume seja relativamente nova, alguns Tribunais já se manifestaram sobre o tema, concluindo pela inexistência de dever legal ou convencional de monitoramento prévio do conteúdo e ausência de responsabilidade do provedor de sites de relacionamento em razão de informações (opiniões, fotos, vídeos, entre outros) inseridos por terceiros usuários do serviço em seus respectivos perfis ou comunidades virtuais” (AI 15.871/2012).

Destarte, seja por ausência de nexo causal, seja em razão da inexistência de qualquer ato ilícito praticado pela 2ª Apelante, hei por bem dar provimento ao seu Recurso para reformar a sentença de julgar improcedente a pretensão.

Quanto ao 1º Recurso, que pretendia a majoração do quantum indenizatório, nego-lhe provimento, em consequência da reforma da sentença no tocante ao pleito de danos morais.

Ante o exposto, conheço de ambos os Recursos, de acordo com o parecer ministerial, para negar provimento ao primeiro e dar provimento ao segundo, julgando improcedente a ação, com inversão do ônus da sucumbência.

É como voto.

São Luís (MA), 21 de agosto de 2012

Desemb. Paulo Sérgio VELTEN PEREIRA

Relator

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