A 5ª câmara Criminal do TJ/RJ concedeu HC a um réu acusado por tráfico de drogas que teve sua prisão em flagrante convertida em prisão provisória, com a justificativa de que estava "evidenciada a prática do crime de tráfico e o art. 44, da lei 11.343/06 é expresso ao vedar a liberdade provisória à hipótese narrada."
Os desembargadores da 5ª câmara consideraram as razões inadequadas. De acordo com o acórdão, "a decisão que converteu prisão em flagrante em preventiva restaura, na verdade, a antiga e antidemocrática prisão preventiva obrigatória". Tese também defendida pelo advogado Gustavo Alves Pinto Teixeira, do escritório Silvio & Gustavo Teixeira Advogados Associados, que representou o paciente no caso.
O relator do processo, desembargador Sérgio Verani, considerou as razões para a prisão preventiva imprecisas. Para ele, depois que a lei 6416/1977 introduziu o parágrafo único ao art. 310, CPP, o direito à liberdade provisória passou a constituir a regra geral do processo. "Mesmo preso em flagrante por qualquer crime, o réu terá direito à liberdade provisória, salvo se presente algum dos pressupostos da prisão preventiva, cuja necessidade será amplamente motivada e justificada".
Ausentes os pressupostos da prisão preventiva, a 5ª câmara concedeu a ordem para impor as medidas cautelares de comparecimento quinzenal em Juízo, proibição de ausentar-se da comarca sem autorização judicial e recolhimento domiciliar no período noturno.
Veja abaixo a íntegra da decisão.
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TRIBUNAL DE JUSTIÇA 5ª CÂMARA CRIMINAL
HABEAS CORPUS
IMPETRANTE 1: Dr. SILVIO TEIXEIRA MOREIRA
IMPETRANTE 2: Dr. GUSTAVO ALVES PINTO TEIXEIRA
IMPETRANTE 3: DR. RAFAEL CUNHA KULLMANN
IMPETRANTE 4: LUIZ SÉRGIO ALVES DE SOUZA
PACIENTE: E. QUINTILHANO DOS SANTOS
AUT. COAT.: JUÍZO DA 35ª VARA CRIMINAL
RELATOR: Des. SÉRGIO VERANIH.C. PRISÃO EM FLAGRANTE (ART. 33, LEI 11.343/06). TRÁFICO. CONVERSÃO EM PREVENTIVA. AUSÊNCIA DO PERICULUM LIBERTATIS. CONSTRANGIMENTO.
A prisão em flagrante foi convertida em preventiva com a justificativa de que está “evidenciada a prática do crime de tráfico e o art. 44, da Lei 11.343/06 é expresso ao vedar a liberdade provisória à hipótese narrada.”
Essas razões são inadequadas.
A Constituição Federal estabelee que o direito à liberdade provisória constitui uma garantia fundamental do cidadão (art. 5º, LXVI), e só pode ser negada se presente algum dos pressupostos da prisão preventiva, cuja necessidade será amplamente motivada a justificada. A vedação compulsória à liberdade provisória violenta a norma constitucional. Por isso, o S.T.F. já declarou a inconstitucionalidade do art. 21, da Lei 10.826/03, e do art. 2º, §1º, da Lei 8072/90 (regime integralmente fechado), sempre exigindo adequada fundamentação para negar-se o direito à liberdade provisória. A vedação do art. 2º, II, dessa lei, foi expurgada da legislação, com a redação dada pela Lei 11.464/2007.
Nessa resistência à compulsão punitiva do Estado, o S.T.F. também declarou inconstitucional a vedação do art. 44, da Lei 11.343/06, quanto à liberdade provisória e a substituição por penas restritivas de direitos.
Com a reforma da Lei 12.403, de 04.05.2011, reafirma-se a excepcionalidade da prisão preventiva:
“A prisão preventiva será determinada quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar (art. 319).” (art. 282, §6º, C.P.P.).
“Ao receber o auto de prisão em flagrante, o juiz deverá fundamentadamente:
...
II – converter a prisão em lagrante em preventiva, quando presentes os requisitos constante4s do art. 312 deste Código, e se revelarem inadequados ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão;” (art. 310, C.P.P.).
“Ausentes os requisitos que autorizam a decretação da prisão preventiva, o juiz deverá conceder liberdade provisória, impondo, se for o caso, as medidas cautelares previstas no art. 319 deste Código e observador os critérios constantes do art. 282 deste Código.” (art. 321, C.P.P.).
A decisão que converteu prisão em flagrante em preventiva restaura, na verdade, a antiga e antidemocrática prisão preventiva obrigatória.
Ausentes os pressupostos da prisão preventiva, concede-se a ordem, para impor as medidas cautelares de comparecimento quinzenal em Juízo, proibição de ausentar-se da comarca sem autorização judicial e recolhimento domiciliar no período noturno.Ordem concedida.
ACORDAM os Desembargadores da Quinta Câmara Criminal, por unanimidade, em conceder a ordem, consolidada a liminar, mantidas as medidas ali mencionadas. Oficie-se.
Rio de Janeiro, 26 de janeiro de 2012.
SÉRGIO VERANI
Des. Presidente e Relator
RELATÓRIO E VOTO
Os advogados, Dr. SILVIO TEIXEIRA MOREIRA, Dr. GUSTAVO ALVES PINTO TEIXEIRA e Dr. RAFAEL CUNHA KULLMANN, e o estagiário de direito LUIZ SÉRGIO ALVES DE SOUZA, impetraram Habeas Corpus em favor de E. Q. S., apontando como autoridade coatora o Juízo de Direito da 35ª Vara Criminal, objetivando a revogação da decisão que decretou a prisão preventiva do paciente, que responde pelo delito do art. 33, caput, da Lei 11.343/06, porque a decisão respectiva teria sido proferida em termos genéricos, sem a devida fundamentação, com menção exclusiva ao art. 44 da mesma lei. Alternativamente, pedem a fixação de medidas cautelares diversas da prisão.
Liminar deferida a fls. 27/30 para que o paciente permaneça em liberdade até o julgamento do presente, com imposição de medidas cautelares diversas da prisão.
Informações a fls. 33/35.
Parecer do Procurador de Justiça Luiz Roldão de Freitas Gomes Filho a fls. 38/40, pela denegação.
É o relatório.
A liminar foi concedida nos seguintes termos:
“Ao converter a prisão em flagrante em prisão preventiva, a juíza fundamenta:
“Cuida-se de comunicação em flagrante pela prática do crime previsto no artigo 33 da Lei 11.343/06 cometido por E. Q. S., ocorrido em 29/11/2011.
A comunicação veio instruída com documentos e as declarações dos policiais que efetuaram a prisão, bem como declaração do acusado de onde é possível aferir a dinâmica do evento criminoso, estando evidenciada a prática do crime de tráfico.
Acrescento que o art. 44 da lei 11.343/06 é expresso ao vedar a liberdade provisória à hipótese narrada. Com base nestes fatos, entendo presentes os pressupostos autorizadores (artigos 312 e 313, inciso I e II do Código de Processo Penal) a justificar a decretação da prisão cautelar.
Isso posto, CONVERTO A PRISÃO EM FLAGRANTE EM PRISÃO PREVENTIVA de E. Q. S.”
Essa decisão é mantida:
“Conforme salientado pelo Ministério Público não há qualquer alteração fática que justifique o deferimento da medida pleiteada. Com efeito, o APF não traz qualquer ilegalidade, tendo sido observadas todas as formalidades legais. Os pressupostos do art. 312 do CPP estão claramente presentes não prosperando as alegações feitas pela defesa de que o acusado é mero consumidor diante da quantidade de material entorpecente apreendido com o mesmo (mais de meio quilo). Acrescento que o fato do acusado possuir residência no distrito da culpa, ser tecnicamente primário e possuir vida acadêmica ativa não autoriza a substituição da prisão por outras medidas cautelares diante da vedação expressa contida no art. 44 da Lei 11.343/06.”
Da simples leitura, constata-se o caráter generalizado, impreciso e inadequado dessas razões para a prisão preventiva.
Como se sabe, após a lei 6416/1977, que introduziu o parágrafo único ao art. 310, CPP, o direito à liberdade provisória passa a constituir a regra geral do processo. Mesmo preso em flagrante por qualquer crime, o réu terá direito à liberdade provisória, salvo se presente algum dos pressupostos da prisão preventiva, cuja necessidade será amplamente motivada e justificada.
A Constituição Federal, no seu art. 5º, LXVI, estabelece que o direito à liberdade provisória constitui uma garantia fundamental do cidadão.
Após esse avanço democrático, inaugura-se um retrocesso, com a lei dos crimes hediondos (lei 8.072/90): regime “integralmente fechado” e vedação à liberdade provisória.
O embate doutrinário e jurisprudencial torna-se intenso. Os juízes e professores de maior formação democrática/constitucionalista sustentam que essas restrições automáticas da lei 8.072/90 violentam os princípios constitucionais fundamentais. Mas o pensamento majoritário, vinculado à repressão desmedida, era solidificado na sua escuridão teórica. A luta pelos direitos igualitários continuaria...
Até que o S.T.F. declara a inconstitucionalidade do art. 2º, § 1º, da lei 8.072/90, e, em consequência, a lei 11.464/2007, ao dar nova redação ao art. 2º, expurga finalmente as inconstitucionais restrições do “regime integralmente fechado” e “vedação à liberdade provisória”.
No julgamento da ADIN nº 3112-1, o Pleno do S.T.F. declara a inconstitucionalidade do art. 21, da lei 10.826/03, que proibia a liberdade provisória para alguns crimes daquela lei:
“A Constituição não permite a prisão ex lege, sem motivação, a qual viola, ainda, os princípios da ampla defesa e do contraditório” (ADI 3112/DF, Min. Ricardo Lewandowski, DOU de 10/5/2007).
Essa fundamentação é válida para qualquer restrição automática à liberdade provisória. E o S.T.F. tem reconhecido também a inconstitucionalidade do art. 44, da lei 11.343/06, que veda a liberdade provisória e a conversão da pena privativa de liberdade em restritivas de direitos (HC 105270/SP – 6/9/2011; HC 106963 – 11/10/2011; HC 97256 – 1/9/2010; HC 97346 – 25/6/2010; HC 104361 – 3/5/2011).
Desde a lei 9714, de 25/11/98, que deu nova redação ao art. 44, I, CP, ampliando para a pena até quatro anos a possibilidade da substituição por penas restritivas, esta 5ª Câmara foi pioneira na interpretação de que era possível a substituição na hipótese de condenação no antigo art. 12, da lei 6.368/76 (Apelação nº 1861/1999, relator Des. Sérgio Verani, julgada em 07/10/1999; Apelação nº 1524/2005, relatora Des. Maria Helena Salcedo, julgada em 14/2/2006)
Hoje, também o S.T.F admite a substituição em relação ao art. 33, da lei 11.343/06.
Dessa breve análise sobre o direito à liberdade conclui-se que só poderá manter-se a prisão decorrente do flagrante, agora convertida em prisão preventiva, se presente a absoluta necessidade dessa medida cautelar excepcional.
Estabelece o art. 282, § 6º, CPP, com a redação da lei 12.403, de 4/5/2011:
“A prisão preventiva será determinada quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar (art. 319).”
E o art. 310: “Ao receber o auto de prisão em flagrante, o juiz deverá fundamentadamente:
II – converter a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os requisitos constantes do art. 312 deste Código, e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão”
O artigo 321 complementa: “Ausentes os requisitos que autorizam a decretação da prisão preventiva, o juiz deverá conceder liberdade provisória, impondo, se for o caso, as medidas cautelares previstas no art. 319 deste Código e observados os critérios constantes do art. 282 deste Código.”
A decisão que converteu a prisão em flagrante em preventiva restaura, na verdade, a antiga prisão preventiva obrigatória. É despida de motivação adequada para manter-se a prisão. E, mesmo na eventual condenação, ao Paciente poderia aplicar-se a redução do art. 33, § 4º, da lei 11.343/06, com a possibilidade do sursis ou substituição por penas restritivas.
A própria decisão reconhece as condições favoráveis do Paciente: “possuir residência no distrito da culpa, ser tecnicamente primário e possuir vida acadêmica ativa”.
Assim, face à possibilidade de dano irreparável contra o direito à liberdade, concedo a liminar, para que o Paciente permaneça em liberdade até o julgamento deste H.C., impondo-lhe as seguintes medidas cautelares:
1) comparecimento quinzenal em juízo;
2) proibição de ausentar-se da comarca sem autorização judicial;
3) recolhimento domiciliar no período noturno.”
Nessa resistência à compulsão punitiva do Estado, o S.T.F. também declarou inconstitucional a vedação do art. 44, da Lei 11.343/06, quanto à liberdade provisória e a substituição por penas restritivas de direitos.
Ausentes os pressupostos da prisão preventiva, concede-se a ordem, para impor as medidas cautelares de comparecimento quinzenal em Juízo, proibição de ausentar-se da comarca sem autorização judicial e recolhimento domiciliar no período noturno.
Rio de Janeiro, 26 de janeiro de 2012.
SÉRGIO VERANI
Des. Relator
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