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PGR defende responsabilidade do Google por manter conteúdo abusivo no Orkut

Provedor deve coibir a prática de atos antijurídicos e infamantes se for informado de tal ocorrência, afirma PGR.

13/6/2012

A PGR enviou ao STF parecer pelo desprovimento do recurso extraordinário com agravo interposto pelo Google contra acórdão que o condenou por manter no Orkut uma comunidade de conteúdo ofensivo contra uma professora. De acordo com a decisão do TJ/MG, o provedor foi omisso ao não atender o pedido de retirada do conteúdo abusivo da rede social.

O subprocurador-geral da República Wagner de Castro Mathias Netto, autor do parecer, ressalta que o provedor deve coibir a prática de atos antijurídicos e infamantes se for informado de tal ocorrência e que pode ser responsabilizado solidariamente com o autor do conteúdo se nada fizer.

Para Wagner Mathias, não se está exigindo do provedor a análise prévia e fiscalização do que é divulgado nas páginas eletrônicas que hospeda, e sim que ele coíba abusos assim que a prática for informada. Ele também entende que a empresa, ao manter no ar a comunidade, "exerceu juízo de valor e filiou-se aos responsáveis pela publicação, conduta passível de questionamento junto ao Judiciário, que, igualmente, poderia atribuir-lhe os efeitos respectivos".

"Não se vislumbra, nesses termos, prejuízo à liberdade de expressão ou imposição de censura prévia, apenas a responsabilização subjetiva do provedor, que, ciente de conteúdos passíveis de macular a imagem e honra da recorrida, quedou-se inerte, atraindo as sanções cabíveis, no interior do sistema de direitos, aplicadas através da adequada prestação jurisdicional", conclui Wagner Mathias.

Veja a íntegra do parecer.

____________

Nº 13023/2012-WM

RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO Nº 660861/MG

RECORRENTE: GOOGLE BRASIL INTERNET LTDA

RECORRIDA: A.C.V.

RELATOR: MINISTRO LUIZ FUX/STF

Recurso Extraordinário. Veiculação, em rede social, de imagem não autorizada, bem como de comentários satíricos e críticas a professora de ensino médio, passíveis de originar constrangimento no meio social.

Responsabilização do provedor que optou por manter a página, após provocação da vítima.

Indenização por danos morais. Adequação. Pelo desprovimento.

Volta-se o recurso extraordinário a acórdão da 1ª Turma Recursal Cível da Comarca de Belo Horizonte, que, avaliando a criação de comunidade intitulada “Eu Odeio a A.” na rede social de relacionamentos ORKUT, aferiu lesão à honra e à imagem da recorrida, impondo o dever de indenizar ao provedor responsável pela manutenção do serviço, eis que teria se omitido, indevidamente, deixando de atender a pedido da ofendida para a retirada do conteúdo abusivo.

A iniciativa, enquadrada na alínea “a” do permissivo magno, sustenta-se na ausência de ilicitude evidente a pesar sobre as informações e comentários publicados. Em tais circunstâncias, a avaliação Nº 13023/2012 -WM (RE 660861/MG) seria circunscrita ao âmbito da reserva de jurisdição. Ao revés, aferida pela instância a quo a responsabilidade do provedor, ter-se-ia atribuído a uma empresa privada a obrigação de realizar censura prévia a conteúdos inseridos pelos usuários, a partir de critérios subjetivos, com nítido prejuízo à liberdade de expressão, garantida constitucionalmente.

Vêm os autos para a manifestação do custos legis.

Prima facie, a assistemática autuação eletrônica dificulta a análise da controvérsia, não se verificando nos autos o conteúdo da decisão que reconheceu a repercussão geral ou mesmo o pronunciamento sobre o agravo manejado pela parte contra o despacho que indeferiu o processamento da iniciativa extraordinária, adentrando-se, aqui, no mérito, sem que tenha sido formalmente admitida.

Registra-se, a propósito, que a eventual ausência de pressupostos de admissibilidade, impugnada através do agravo, restou superada pela aferição da repercussão geral, não merecendo, todavia, provimento o recurso extraordinário subjacente.

É fato que a Constituição Federal de 1988, incorporando a essência das democracias contemporâneas, proíbe qualquer espécie de censura, seja de natureza política, ideológica ou artística (art. 220, § 2º), vedando todo procedimento que busque impedir a livre circulação de ideias e reproduzir comportamentos autoritários nos vários contextos sociais.

A democracia é inconciliável com a censura. Seu regular funcionamento tem por substrato o pluralismo, contrário, em todas as suas nuances, à imposição autocrática e unilateral de vertentes.

Apesar de ter assumido, em seus primórdios, viés individualista, a evolução conceitual do direito à liberdade de expressão e informação agregou dimensão coletiva, que evidencia sua importância na formação da opinião pública pluralista, sendo elemento condicionador da própria democracia e premissa para o exercício de outros direitos fundamentais. Nessa esteira, os tribunais constitucionais têm reconhecido sua “preferred position”.

Não há, todavia, direito absoluto, aferindo-se a existência de limites ao exercício da liberdade de expressão. O Poder Público, ao pretender restringi-la, terá que justificar a necessidade de intervenção, observando a reserva de lei – explícita ou implícita e sempre autorizada pela Constituição – além da proporcionalidade, de forma a preservar a integridade do núcleo essencial da garantia.

Nesse contexto localiza-se a problemática apresentada.

Com efeito, o advento da Internet deflagrou uma verdadeira revolução para a humanidade, sendo atualmente utilizada para a troca de informações, publicação de dados, conteúdo e comercialização de bens e serviços, representando um dos maiores substratos para a consecução de negócios e atos jurídicos.

Nesse novo e amplo universo, é inevitável perquirir sobre a responsabilização civil pela prática de atos por meio eletrônico, inclusive daqueles que auxiliam na transmissão de dados, criam informações ou simplesmente as divulgam, vinculando-se a sistematização dos possíveis casos aos diferentes direitos que podem ser violados no mundo virtual.

Maior complexidade reveste a definição de limites aos provedores hospedeiros de conteúdo, pelas informações veiculadas, passíveis de provocar danos a terceiros, devendo-se aferir, como condição prévia, a real possibilidade de controle editorial sobre as informações e opiniões publicadas.

Firmada a premissa, na espécie não há interferência do provedor no conteúdo publicado pelos usuários na rede de relacionamentos, sendo incompatível com o arcabouço constitucional de regência que se faculte – e tampouco se exija - a censura prévia das manifestações veiculadas, sob pena de responsabilização objetiva, que redundaria em indevido e grave contingenciamento à própria liberdade de expressão.

Entretanto, no interior das mesmas estruturas constitucionais, que sustentam o Estado Democrático de Direito, não se concebe a “irresponsabilidade” absoluta, estando os atores sociais vinculados às suas condutas e consequências. Assim, revela-se adequada à atividade desempenhada pelos provedores hospedeiros, com sua abertura e porosidade inerentes, a responsabilização subjetiva, na presença de alguma das modalidades de culpa.

Ora, informados de que algum site está veiculando fato antijurídico e infamante, o provedor deve coibir a prática. Não o fazendo, estará atuando com evidente culpa e sua responsabilidade será solidária com o autor do conteúdo.

É certo que o critério não deve ser a simples contrariedade daquele que se considera afetado pela opinião de outrem – as críticas são essenciais ao pluralismo e, portanto, não podem conferir ao ofendido o poder de eliminá-las, por incômodas. Entretanto, há manifestações e conteúdos passíveis de lesionar direito personalíssimo de terceiro – situação aferida pelas instâncias ordinárias, soberanas em matéria de prova.

Não se trata, ao contrário do deduzido nas razões recursais, de exigir do recorrente a análise prévia e fiscalização do que é divulgado nas páginas eletrônicas que hospeda, mas, da obrigação de coibir abusos, quando sua prática é informada.

Nota-se, in casu, que o GOOGLE BRASIL INTERNET LTDA. avaliou concretamente o pleito da recorrida, afirmando que o conteúdo da comunidade “Eu Odeio a A.” não violaria de forma clara as leis do mundo real ou infringiria as suas políticas, optando por mantê-lo no ar.

Assim, exerceu juízo de valor e filiou-se aos responsáveis pela publicação, conduta passível de questionamento junto ao Judiciário, que, igualmente, poderia atribuir-lhe os efeitos respectivos.

Nesse diapasão, as instâncias ordinárias constataram, em uníssono, o uso indevido da imagem da ofendida, bem como o propósito espúrio da página, criada apenas para ridicularizá-la, implicando inúmeros constrangimentos em seu meio social – aspectos suficientes para configurar a antijuridicidade do conteúdo publicado e, após a ciência do provedor, sua responsabilidade subjetiva.

Em verdade, a empresa não poderia minimizar a importância da publicação, não autorizada, de fotografia da recorrente e de comentários satíricos e ofensivos sobre o seu modo de ser, o que resultou em flagrante lesão a direitos da personalidade, sopesados em Juízo.

Ressalta-se que a inviolabilidade da imagem das pessoas reveste-se da natureza de garantia fundamental e sua utilização constitui direito exclusivo e personalíssimo, cuja inobservância gera o necessário e inafastável dever de reparar o prejuízo causado, independente do intuito comercial da reprodução não consentida da imagem, bastando a presunção de desconforto e constrangimento que resulta da violação da intimidade e vida privada.

Ressalta-se, a tanto, que os elementos probatórios e fatos são insuscetíveis de reavaliação na sede extraordinária.

Não se vislumbra, nesses termos, prejuízo à liberdade de expressão ou imposição de censura prévia, apenas a responsabilização subjetiva do provedor, que, ciente de conteúdos passíveis de macular a imagem e honra da recorrida, quedou-se inerte, atraindo as sanções cabíveis, no interior do sistema de direitos, aplicadas através da adequada prestação jurisdicional.

Do exposto, opina o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL pelo desprovimento do recurso.

Brasília-DF, 11 de junho de 2012.

WAGNER DE CASTRO MATHIAS NETTO

Subprocurador-Geral da República

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