Migalhas Quentes

Negada indenização a consumidora que não provou acidente com garrafa de Coca-Cola

Nos autos, autora afirmou que teve visão prejudicada após tampa de garrafa retornável atingir seu olho.

24/5/2012

Uma consumidora que alegou ter tido a visão prejudicada por explosão de garrafa retornável de Coca-Cola não ganha direito à indenização. Ela não conseguiu provar o acidente e nem sua relação com o dano. De acordo com a decisão, da 9ª vara Cível de Aracaju/SE, para que haja a obrigação de reparar o dano, é necessária a prova do fato e a existência de nexo de causalidade entre a conduta da empresa e o dano sofrido.

Ela alega que a tampa de uma garrafa estourou e atingiu seu olho enquanto manuseava as garrafas retornáveis no freezer de pequeno comércio de alimentos que possui anexo a sua residência. De acordo com a autora, os danos moral e material são cabíveis uma vez que o acidente resultou em lesão grave na córnea, que exigiu procedimento cirúrgico e afastamento de suas atividades habituais.

A ré pediu pela improcedência dos pedidos, afirmando que inexiste relação de consumo entre as partes, além de ausência de culpa do agente. O representante da Coca-Cola afirma que as garrafas de refrigerante são seguras e que o processo de fabricação dos produtos obedece às rígidas normas de segurança e de saúde. Para a requerida, a tampa da garrafa manuseada somente poderia ter "saltado, com violência" por culpa exclusiva da mesma, e não em razão da qualidade do produto ou da forma como foi envasada.

Para a juíza Ana Lúcia Freire de A. dos Anjos, ficou comprovado que a requerente adquiriu os produtos da Coca-Cola e que sofreu lesão laceração de córnea esquerda. De acordo com a magistrada, no entanto, não restou provado nos autos que a lesão sofrida pela autora decorreu de acidente causado pelo estouro da tampa da garrafa enquanto as no freezer, conforme afirma na inicial.

A juíza afirma que deve haver o nexo causal entre a ação praticada pelo requerido e o resultado, ou seja, o dano sofrido pela requerente. "Inexiste, pois, qualquer responsabilidade de pagamento pela requerida a título de indenização por danos materiais ou morais, por não restar demonstrado nexo de causalidade entre qualquer ato dela derivado e o alegado dano sofrido pela autora".

A defesa da empresa de refrigerantes foi feita pelo advogado Victor Paim Ferrario De Almeida, do escritório Paim Almeida Sobral e Felizola Advogados Associados.

__________

Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe
9ª Vara Cível
Av. Pres. Tancredo Neves, S/N - Capucho

Sentença

Dados do Processo
Número: 201110900226
Classe: Indenização
Competência: 9ª VARA CíVEL
Ofício único
Guia Inicial: 201110006865
Situação: JULGADO
Distribuido Em: 21/02/2011
Local do Registro: Distribuidor do Fórum Gumersindo Bessa
Julgamento: 21/05/2012

Dados da Parte
Requerente: N.S.
Advogado(a): VICTOR HUGO MOTTA - 1502/SE
Advogado(a): JULIANA REZENDE DORIA - 4492/SE
Requerido: CIA DE BEBIDAS E ALIMENTOS DO SAO FRANCISCO - CBA ARACAJU
Advogado(a): VICTOR PAIM FERRARIO DE ALMEIDA - 5444/SE

Vistos, etc.

N.S., qualificada nos autos, através de procurador habilitado, ajuizou a presente AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS em face de CIA DE BEBIDAS E ALIMENTOS DO SÃO FRANCISCO – CBA ARACAJU alegando que possui pequeno comércio de alimentos anexo à sua residência, fazendo a venda habitual de bebidas produzidas pela requerida e que no dia 17/05/2010 enquanto arrumava as garrafas retornáveis no freezer, a tampa de uma coca-cola estourou e foi direto no olho da autora, que teve lesão grave na córnea, sendo submetida a procedimento cirúrgico, tendo que se afastar de suas atividades habituais e que contratar uma cozinheira para lhe substituir por um período de 60 (sessenta) dias, uma vez que labora em seu próprio negócio, pagando à funcionária contratada o valor de um salário mínimo legal por mês. Afirma que a situação apresentada lhe trouxe prejuízo patrimonial e abalo moral e pugna pela condenação da parte requerida em lhe pagar indenização pelos danos materiais e extrapatrimoniais que alega ter sofrido, além das verbas sucumbenciais.
Sucinta, a pretensão.

Com a inicial juntou os documentos de fls. 10 a 31.

Citada, a requerida ofereceu resposta em forma de contestação alegando a inexistência de relação de consumo, bem como a ausência de culpa do agente, uma vez que o produto fabricado atende aos mais rígidos padrões de qualidade exigidos pela Coca-Cola do Brasil, da qual é franqueada desde a década de 70, atuando fortemente no mercado de bebidas. Pondera que a empresa requerida atua garantindo a qualidade de seus processos e serviços, e que possui certificação na ISO 9001 (qualidade), OHAS 18001 (Segurança e saúde no trabalho), ISO 14001 (Meio Ambiente) e ISO 22000 (segurança de alimentos) como também que as garrafas de refrigerante colocadas no mercado pela requerida, principalmente a citada pela requerente, são perfeitamente seguras e, diante de todo o processo de fabricação dos produtos da requerida, que obedece às rígidas normas de segurança e de saúde, a tampa manuseada pela requerente somente poderia ter “saltado, com violência” por culpa exclusiva dela, e nunca em razão da qualidade do produto ou da forma como foi envasada. Pugna, ao final, pela improcedência dos pedidos.

Instada a se manifestar, a autora combate os argumentos da empresa requerida, ratificando os termos da inaugural. Juntando aos autos os documentos de fls. 70/75.

Designada audiência de conciliação, esta resultou sem êxito.

Intimada para se manifestar acerca dos documentos apresentados pela autora às fls. 70/75, a empresa requerida apresentou petição às fls. 83/84.

Intimadas as partes para se manifestarem sobre o interesse na produção de provas em audiência, conforme parte final do despacho de fls. 76, as mesmas se mantiveram inertes, conforme certidão de fls. 81v.

Conclusos os autos para sentença, verifiquei, baixando os autos em diligência para designar audiência de instrução.

Na audiência designada, colhi o depoimento pessoal das partes. Após, as litigantes aduziram as suas razões orais, defendendo cada uma delas as suas teses, tudo gravado conforme arquivo de mídia anexado aos autos.

Inexistindo custas finais a recolher por ser a autora beneficiária da justiça gratuita, vieram-me os autos conclusos para proferir decisão.

É o relatório.

DECIDO.

Consoante se infere do presente feito, pretende a requerente a condenação da requerida pelos danos materiais e morais que alega ter sofrido em razão da falha na prestação de serviços da requerida, em razão de acidente de consumo e da responsabilidade objetiva da requerida nos termos do art. 14 do Código de Defesa do Consumidor.

A defesa da parte ré é no sentido de que inexiste relação de consumo entre as partes, a ausência de culpa do agente e que as garrafas de refrigerante colocadas no mercado pela requerida, principalmente a citada pela requerente, são perfeitamente seguras e que diante de todo o processo de fabricação dos produtos, que obedece às rígidas normas de segurança e de saúde, a tampa da garrafa manuseada pela requerente somente poderia ter “saltado, com violência” por culpa exclusiva da mesma, e nunca em razão da qualidade do produto ou da forma como foi envasada, pugnando pela improcedência dos pedidos autorais.

Inicialmente se verifica que a relação travada entre as partes não possui natureza consumerista, haja vista não ser a autora destinatária final dos produtos fornecidos pela empresa demandada, restando demonstrado que se apresenta na qualidade de usuária intermediária, comercializando referidos produtos a consumidores de seu estabelecimento comercial.

Destarte, a querela posta à baila, será analisada sob a luz do Código Civil Brasileiro.

A questão trazida aos autos, cinge-se, pois, ao reconhecimento da existência de acidente de consumo decorrente de produto fornecido pela demandada e da existência de danos materiais e morais em razão da alegada ofensa e prejuízos sofridos pela requerente.

Em relação ao acidente ocorrido, conforme já visto, não foi reconhecida a relação de consumo travada entre as partes, portanto não há como reconhecer o fato como acidente de consumo.

No que tange à responsabilidade civil da demandada pelos fatos ocorridos, verifica-se o seguinte:

Os artigos 186 e 927, do Código Civil, preconizam:

Art. 186 - Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Art. 927 - Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Por primeiro deve ser verificado que para se aferir o dever de indenizar da parte ré, necessário se faz a prova da existência do fato, do dano e do nexo de causalidade entre ambos o que é exigido tanto na relação consumerista como naquela que se encontra sob a égide do Código Civil.

Conforme é cediço, tal prova compete à parte autora nos termos do art. 333 inciso I do C. P. Civil, independente de se tratar de relação de consumo ou não.

Pois bem.

Das provas coligidas restou comprovado que a requerente adquiriu para revenda produtos comercializados pela empresa requerida – documentos de fls. 11.

Também ficou demonstrado que a autora sofreu lesão em seu olho esquerdo, tratando-se de trauma corto-contuso com importante laceração de córnea, sendo necessária a realização de cirurgia para reparar referida lesão – documentos de fls. 13 e 21.

Ocorre, todavia, que não restou provado nos autos que a lesão sofrida pela autora decorreu de acidente causado pelo estouro da tampa da garrafa de coca-cola, no momento em que ela arrumava as garrafas retornáveis no freezer, conforme afirma na inicial.

Não há nos autos nenhum documento ou nenhuma outra prova que traga a demonstração desse fato, limitando-se às afirmações da autora.

Convém registrar, que este juízo veio através do despacho de fls. 76 a indagar às partes sobre o interesse na produção de provas em audiência, mantendo-se os litigantes inertes, o que levou, inclusive, ao anúncio do julgamento antecipado da lide, contudo, por meio do despacho de fls. 85, baixei os mesmos em diligência para designar audiência de instrução e julgamento, afirmando sobre a necessidade de produção de prova oral para análise do fato.

Em que pese a medida tomada por este juízo, não houve apresentação de rol de testemunhas pelas partes, em especial, pela autora, a quem competia provar a ocorrência do fato na forma relatada na inicial e o nexo de causalidade entre a lesão sofrida e aquele, embora tenha afirmado em seu depoimento pessoal (gravado em arquivo de mídia anexo aos autos) que o fato foi presenciado por terceira pessoa.

Portanto, não trouxe a requerente aos autos a prova de que a lesão causada em seu olho esquerdo ocorreu por defeito na garrafa de coca-cola que veio a explodir, atingindo-o, o que lhe competia, nos termos do que estabelece o art. 330, I do CPC.

Para que haja a obrigação de reparar o dano, mesmo para os casos de responsabilidade objetiva, é mister a existência de uma conduta, omissiva ou comissiva, nexo de causalidade, e existência de um dano decorrente da conduta, ou seja, para existir o dever de indenizar é preciso que tenha havido uma conduta do requerido e que esta conduta tenha dado causa ao dano sofrido pela parte autora. Em outras palavras, deve haver o nexo causal entre a ação praticada pelo requerido e o resultado, ou seja, o dano sofrido pela requerente.

Inexiste, pois, qualquer responsabilidade de pagamento pela requerida a título de indenização por danos materiais ou morais, por não restar demonstrado nexo de causalidade entre qualquer ato dela derivado e o alegado dano sofrido pela autora.

Com tais considerações, JULGO IMPROCEDENTE o pedido autoral.

Condeno a requerente ao pagamento das custas processuais e honorários de advogado que fixo em R$ 700,00 nos termos do art. 20 parágrafo 4º do Código de Processo Civil, ficando suspensa a exequibilidade por ser beneficiária da Justiça Gratuita.

P. R. I.

Aracaju, 18 de maio de 2012.

Ana Lucia Freire. de A. dos Anjos
Juiz(a) de Direito

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