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Decisão

Coca-Cola é condenada por não pagar serviços publicitários

Empresa utilizou o trabalho de um publicitário com pequenos retoques para tentar desqualificar a autoria do profissional.

Da Redação

quinta-feira, 24 de maio de 2012

Atualizado às 08:30

O desembargador Luiz Ambra, da 8ª câmara de Direito Privado do TJ/SP, deu provimento ao recurso de um publicitário que prestou serviços à distribuidora da Coca-Cola no Brasil e não foi pago.

A empresa utilizou o trabalho do publicitário com pequenos retoques para tentar desqualificar a autoria do profissional. Segundo o desembargador, "o trabalho dos autores foi chupado, com pequenas alterações aproveitado pela ré".

E-mails comprovaram a "vigarice", nas palavras do magistrado, das funcionárias da companhia que negociaram a peça publicitária. De acordo com Luiz Ambra, "a autora não foi simplesmente convidada a apresentar sua proposta; na prática teve que elaborar um projeto inteiro, com a promessa de que seria adotado. A formalização do contrato respectivo, entretanto, sempre protelada".

O julgador fixou a indenização por danos morais e patrimoniais no valor aproximado de R$ 100 mil.

Veja a íntegra da decisão.

______________

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos do Apelação nº 9134520-60.2008.8.26.0000, da Comarca de São Paulo, em que são apelantes BOLD SERVIÇOS LTDA ME e ANTONIO CELSO DE DOMINICIS sendo apelado SPAL INDUSTRIA BRASILEIRA DE BEBIDAS S A.

ACORDAM, em 8ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Deram provimento ao recurso. V.U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores CAETANO LAGRASTA (Presidente sem voto), SALLES ROSSI E THEODURETO CAMARGO.

São Paulo, 31 de janeiro de 2012.

LUIZ AMBRA

RELATOR

APELAÇÃO nº 9134520-60.2008.8.26.0000

APELANTES: BOLD SERVIÇOS LTDA ME E ANTONIO CELSO DE DOMINICIS

APELADO: SPAL INDUSTRIA BRASILEIRA DE BEBIDAS S A

COMARCA: SÃO PAULO

VOTO Nº 13387

PUBLICIDADE Serviços a ela inerentes, solicitados por representante da ré e efetivamente prestados, afinal não aceitos sem qualquer pagamento Alegação de que tudo não teria passado de um certame licitatório, onde os autores afinal não foram vitoriosos Descabimento, farta documentação a evidenciar que, pelas duas representantes da ré, foi solicitado e a elas fornecido muito mais do que isso Apelo provido para julgar procedente a ação, nos termos do acórdão.

Trata-se de apelação contra sentença (a fls. 257/259) de improcedência, em ação de ressarcimento por serviços profissionais prestados e não pagos. Nas razões de irresignação se sustentando o descabimento do decisum, pelos fundamentos então expendidos (fls. 262/278).

Recebido o recurso a fl. 281, a fls. 284/297 veio a ser contrarrazoado.

É o relatório.

Matéria relativa à prestação de serviços não toca a esta Subseção I, de Direito Privado, decidir. Aqui, entretanto, sustentando a ré não ter havido relação contratual nenhuma, o pedido veio a ser formulado à luz do princípio que veda o enriquecimento sem causa, antes de mais nada.

Daí o conhecimento, que ora tem lugar, face à competência residual deste DP1.

No mérito, meu voto acolhe o apelo dos autores e julga procedente a ação.

Ocorreu, no caso, bem mais do que mero certame licitatório que os autores teriam disputado e perdido -, argumento da que a contestação se valeu e a sentença recorrida aceitou.

Na melhor das hipóteses, dolo da ré não tivesse havido, suas funcionárias teriam metido os pés pelas mãos, em seu nome avançado até onde não poderiam avançar (agindo como se tivessem carta branca do Departamento Financeiro), depois in extremis - mas aí a prestação de serviços já tivera lugar, de acordo com as próprias e reiteradas exigências e observações de ambas - se saindo com a justificativa de que o departamento próprio teria reputado elevado o orçamento apresentado; ao qual entretanto, desde o início, elas não haviam feito nenhuma restrição, muito pelo contrário.

À vista de tal panorama fático, como com propriedade anotado a fl. 190 (item 16), de todo irrelevante se afigurava a discussão acerca do preço, observar que a firma afinal contratada cobrou muito menos (fls. 170/171), apenas os R$.2.000,00 objeto do documento de fl. 172. Cobrou, ao que parece, porque a autora anteriormente já havia entregue tudo praticamente pronto.

Também não há cogitar da redução de dois terços mencionada a fl. 156, ao fundamento de que a arte final não teria sido levada a cabo, mas mera apresentação de esboços. Mais do que certo, anteriormente, de que o preço da autora (R$12.000,00) dizia respeito apenas ao que ela efetivamente idealizara (relação a fl. 24) e mais nada; a simples gravação de um CD com os detalhes da arte final (fl. 24, cit.) não significando fosse a realização desta deixada a cargo da autora. Serviços complementares haviam ser remunerados à parte, como de modo expresso a fl. 33 deixado claro em situação outra (contratação suplementar de fotógrafo/ilustrador).

Fica a certeza de que a autora e seu titular Celso foram usados pelas funcionárias Mari e Mônica da ré, com as quais o último sempre tratou. Quiçá para mostrar serviço à empregadora estas agindo como agiram. Ignora-se se alguém atravessou o negócio sob os seus auspícios, quem se habilitasse deveria, antes, passar pelo crivo de seu departamento, o evento aos seus cuidados como a primeira assinalou ao prestar depoimento.

Na réplica à contestação, a fls. 176/185, os autores esgotaram a matéria, reiteraram as alegações no presente apelo. Ficando a impressão de não ter havido leitura mais atenta por quem decidiu, já que as considerações então expendidas falavam por si, permitiam adoção pelos próprios fundamentos. Através delas efetuado seguro encadeamento fático, não houve participação em concorrência nenhuma, mera apresentação de proposta. O trabalho dos autores foi chupado, com pequenas alterações aproveitado pela ré, por obra e graça das tais Mari e Mônica. Basta verificar a sequência de e-mails com que a inicial veio instruída, as mensagem respectivas não impugnadas pela ré, em nenhum momento.

Bem ao contrário, a ré trouxe para depor a tal Mari (Marilissa Andréa Zalasik), ouvida a fl. 230. Que obviamente falou o que se lhe mandou falar; se não ignorava faltar o placet do Departamento de Compras, como agir como agiu? Mas confirmou que à época era coordenadora de eventos e "nesta qualidade coordenou o evento de que tratam os autos". Admitindo ter atuado em conjunto com Mônica, "que hoje não está mais na empresa".

Mari, pelos bons serviços prestados, como noticiou, "hoje é coordenadora de desenvolvimento social" (fl. 230, cit.). Um dos bons serviços sem dúvida o presente. Explorando o próximo, depois o deixando na mão. Não sendo crível supor ignorasse que não tinha carta branca para agir como agiu, já que a decisão final era afeta a mais de um departamento, como a fl. 222 testificado: "o departamento de compras junto com o departamento requerente do serviço decidem conjuntamente sobre o vencedor". Mas o início sempre no seu, houvessem outros pretendentes não poderia agir como agiu, tratando a empresa autora como se fosse a única, e já contemplada.

Para resumir. A autora não foi simplesmente convidada a apresentar sua proposta; na prática teve que elaborar um projeto inteiro, com a promessa (a palavra de Mari e Mônica de que estava tudo ok) de que seria adotado. A formalização do contrato respectivo, entretanto, sempre protelada.

Confira-se a sequência de e-mails com os quais instruída a inicial, a partir de fl. 23.

Houve realmente, ao que de fl. 23 se lê, de início uma proposta. Encaminhada pelo co autor Antonio Celso Neves às tais Mônica e Mari. Passada por e-mail em 31.10.2002 ("conforme combinado pessoalmente em reunião junto ao senhor Fernando da Playcorp, segue proposta para desenvolvimento de peças de divulgação"). Mas tudo havia começado antes.

Em 30.9.02, com efeito, pelo valor de R$.12.000,00 a autora se propôs aos serviços ali especificados, em missiva a Mònica e Mari. E aí começou a exploração, primeiro por Mari em resposta por e-mail de 31.10.02 ("Celso, não recebemos as imagens da criação das peças. Aguardo o mais breve possível. OK. Qualquer dúvida estou no tel. 7838-3239. Obrigado"). O co autor Celso Cometendo a ingenuidade de começar a trabalhar por conta, mas antes tendo o cuidado de solicitar prévia aprovação da proposta (fl. 26: "Prezada Mari, poderemos enviar opções de layout, que certamente iriam agradar, após a aprovação da proposta de trabalho. Caso a proposta enviada anteriormente neste email esteja aprovada, por favor me avise para que possam dar continuidade ao projeto"). Fiou-se na palavra das duas, à vista da maquinação empreendida.

Estas se comunicando com o tal Fernando antes nominado (da Playcorp, consta que indicara a autora à Spal/Panamco, cf. fl. 230) logo no dia seguinte, praticamente colocou a autora na parede, solicitaram seus "bons ofícios" (forma sutil de pressão) para que intercedesse junto a Celso; omitindo que contrato não havia, muito menos a aprovação solicitada da proposta. Isto é (fl. 28, e-mail de 31.10.02): "Fernando, gostaria de receber do Celso Neves (Bold Comunicação) até amanhã uma sugestão da criação proposta para o evento, para não atrasarmos mais o processo".

Celso, assim apertado por quem o indicara, agindo em confiança, cedeu, confira-se fl. 29 (e-mail a Fernando, de 31.10.02): "estou enviando anexo 3 opões de layout para a promoção da Panamco". As três opções achando-se a fl. 30/32, de seu exame se verificando que não se tratava mais de proposta, mas de trabalho efetivamente realizado, típica prestação laborativa. Sucessivamente alteradas depois, por exigência das tais Mari e Mônica. Sem medo de errar cumprindo assinalar as similitudes entre tais trabalhos e os que se seguiram (fls. 41, 69, 71/76), em relação ao material de que a Spal afinal se utilizou (fls. 93 e seguintes).

As três opções cambiadas (fl. 33) a Mari e Mônica, ao fazê-lo o autor Celso, ainda uma vez, encareceu a necessidade de aprovação da proposta e formalização da contratação. Estava a trabalhar no escuro, sem qualquer garantia, isto é (fl. 33, cit.):

"Prezadas Mônica e Mari, Segue anexo 3 idéias de imagem para a Semana do Revendedor Panamco. Segue também novamente a proposta para confecção dos trabalhos. Lembramos que para as opções 2 e 3, será necessário a contratação de fotógrafo/ilustrador para fazer a montagem da arte, que poderá ser orçado posteriormente, caso uma destas opções seja aprovada. Qualquer dúvida, favor entrar em contato. No aguardo de uma breve aprovação, atenciosamente, Celso Neves".

Desta vez, quem respondeu foi Mônica, ainda em 31.10.02. Não estava bom, exigiu alterações no trabalho apresentado. Muito de indústria, omitindo qualquer informação acerca da proposta e do contrato solicitados; aos poucos exigindo tudo lhe fosse repassado ainda mais mastigado. Isto é (fl. 38, rotulando de proposta o trabalho indiretamente extorquido):

"Desculpe Celso, estou nessas 2 últimas semanas envolvida full time no planejamento para 2003 e não estou na minha mesa. A Mari me passou as 3 propostas e fiz algumas considerações: Gostei da proposta com a foto da montanha russa, mas gostaria de ver algumas alterações: não precisa ser foto, pode ser ilustrativo com desenho e a palavra aventura pode formar uma onda que desce pela descida da montanha russa. Por favor nos envie essas alterações o mais rápido possível para que possamos aprovar ainda essa semana, ok?")

Celso, ingenuamente, foi se curvando às exigências, trabalhou à toa. Remeteu as mudanças (fl. 39), nota-se a semelhança do novo trabalho (fl. 41) com aquilo afinal veiculado pela ré.

Nada disso estava bom, remeteu mais três (fls. 43/45), cínica a resposta de Marilissa Andréa Zalasiki (agora com o nome inteiro), a fl. 46. Beirando à obtusidade ou à vigarice, como se preferir, como se estivesse tudo decidido e sacramentado:

"Celso, fecharemos com a primeira opção. OK. Qualquer dúvida me ligue 7838-3239".

Panamco_Spal@Panamco_Spal, é óbvio que falava pela ré. Celso (fl. 55) externando seu contentamento ("fico feliz que vocês gostaram") mas ainda uma vez insistindo em que tudo devidamente se formalizasse ("por gentileza, preciso que vocês me mandem a proposta de serviços da Bold assinada, com o 'de acordo' da Panamco"), atuava em confiança.

Resposta? Novas evasivas, leia-se fl. 60:

"Celso, bom dia. as informações abaixo [o e-mail que Celsods remetera, acima transcrito], vou bater um papo com a Mônica, para acertarmos esses detalhes e lhe passo antes do almoço. OK?"

Celso insistindo (fl. 64: "enviamos o contrato para vocês e estamos esperando o retorno"), ao invés de respostas, novas exigências, outras modificações (fl. 65), foi sugado até a última gota; mediante a promessa de acerto futuro, que nunca ocorreu:

"Prezado Celso, Gostaríamos de ver a Criação do banner, da faixa e da camiseta. Você tem como nos enviar por e-mail? Assim que recebermos lhe passaremos o de acordo. OK."

Trabalhou mais (cf. fls. 70, sete novos arquivos remetidos por computador, a fls. 69,71/76). Ainda não estava bom, a fl. 78 Mari solicitando novas alterações, a pedido de Mônica, frases, cores e o mais que fosse. Ensejando explicações (fl. 79), novas alterações (fls. 81/82, 84).

Lá pelas tantas o golpe final: viu-se descartar por email, vitima dir-se-ia de um golpe, em nome e por conta da ré, perpetrado por suas funcionárias. Quer dizer (fl. 88, agora através de Mônica):

"Celso. Não consegui falar com você ainda hoje, mas entrarei em contato novamente. Nosso departamento de compras avaliou o orçamento e devido à concorrência de outras agências o seu orçamento foi questionado. Recebemos um orçamento de outra agência também de boa qualidade com valores menores. Peço que entre em contato com Márcio Ronaldo (compras) para discussão final de valores. Desculpe qualquer constrangimento e estaremos incorporando você em outras atividades no futuro com mais critério."

Explorado até o fim, "tudo ok" consoante em mais de uma oportunidade iludido, o autor e sua agência se deram mal. E no final, como se verifica dos elementos acostados a fls. 93 e seguintes (até fl. 11), o trabalho aceito pela ré contou com semelhanças evidentes, algo de seu labor teria sido aproveitado por mais que a contestação pretenda sustentar o contrário (a fl. 153). Por quem, até que ponto a má fé, fica difícil dizer.

Meu voto julga a ação procedente, responde a ré pela malícia com que suas funcionárias agiram. Devendo pagar não apenas os R$.12.000,00 estipulados, como outro tanto a título de danos morais (exagerada a pretensão ao quádruplo, constante da inicial a fl. 13). Pois atendem estes a fator pedagógico importante, de desestímulo, destinado a sofrear seus funcionários, através da sanção fazendo com que ocorrências dessa ordem não mais se repitam. O valor menor do dano não repercutindo em termos de sucumbimento, a teor da súmula 326 do STJ.

Corre correção monetária desde a data do orçamento apresentado, consignada na proposta de fl. 24, de 30.9.02. Juros moratórios a partir da citação, honorários advocatícios de 20% sobre o total da condenação, sendo de ressaltar a absoluta insensibilidade da ré em aceder a qualquer composição.

Luiz Ambra

Relator

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