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Justiça paulista suspende alvarás de construção de edifícios no Cidade Jardim

Ação ajuizada afirma que área é protegida por tombamento e tem restrições construtivas impostas pelos loteadores.

19/4/2012

A 9ª vara da Fazenda Pública de SP acolheu integralmente pedidos formulados pela Sociedade Amigos da Cidade Jardim a fim de evitar a construção de edifícios comerciais no bairro. A decisão é da juíza Simone Gomes Rodrigues Casoretti, e anulou alvará de duas construtoras que pretendiam erguer edifícios em área protegida, no entorno do Parque Alfredo Volpi, por tombamento e com restrições construtivas impostas pelos loteadores.

De acordo com a sentença, além da anulação dos alvarás e determinação de reflorestamento da área, o município de SP foi condenado a "abster-se de expedir a quem quer que seja, alvarás de construção, para a área mencionada".

Ação civil pública movida em 2005 solicitava o impedimento de construção de edifícios na quadra delimitada pelas ruas Albertina de Oliveira Godinho, Engenheiro Oscar Americano e Circular do Bosque, contígua ao Parque Alfredo Volpi (reservas de mata atlântica em SP e em processo de tombamento pelo Conpresp desde 1992).

A Sociedade Amigos da Cidade Jardim alegou que no local é admitida apenas construção de residências unifamiliares e, em apenas alguns pouquíssimos lotes, instalação de estabelecimentos comerciais de pequeno porte para atender a demanda local dos moradores.

Em resposta, o município de alegou a carência da ação, diante da impossibilidade jurídica do pedido, inadequação da via eleita e ausência de tombamento. Quanto ao mérito, pediu pela legalidade da autorização de supressão vegetal.

Na sentença, a magistrada concluiu que "diante de nova situação fática, foi determinada a suspensão dos efeitos do alvará de construção no. 2004-03464-02 e a suspensão da eficácia de todos os alvarás concedidos para a construção no terreno não destinados às residências unifamiliares".

O escritório Lazzareschi, Hilal, Bolina & Rocha Advogados representou Sociedade Amigos da Cidade Jardim no caso.

Veja a íntegra da decisão.

___________

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
COMARCA DE SÃO PAULO
FORO CENTRAL - FAZENDA PÚBLICA/ACIDENTES
9ª VARA DE FAZENDA PÚBLICA

SENTENÇA

Processo nº: 0004038-23.2005.8.26.0053
Classe - Assunto Ação Civil Pública - DIREITO ADMINISTRATIVO E OUTRAS
MATÉRIAS DE DIREITO PÚBLICO
Requerente: Sociedade Amigos da Cidade Jardim
RequeridoRéu: Municipio de São Paulo e outros, Construtora Adolfo Lindemberg
Juiz(a) de Direito: Dr(a). Simone Gomes Rodrigues Casoretti

VISTOS.

SOCIEDADE AMIGOS DA CIDADE JARDIM moveu ação civil pública contra o MUNICÍPIO DE SÃO PAULO E CYRELA INVESTIMENTOS E PARTICIPAÇÕES LTDA alegando, em resumo, que no Loteamento Cidade Jardim (Bairro Cidade Jardim), conforme Condições Gerais e respectivo Memorial, é admitida construção tão somente de residências unifamiliares e, em apenas alguns pouquíssimos lotes (definidos como áreas reservadas”) admite-se a instalação de estabelecimentos comerciais de pequeno porte para atender a demanda local dos moradores. Além disso, no bairro encontra-se o Parque Alfredo Volpi, um dos últimos redutos de Mata Atlântica da cidade, doado pelo loteador Companhia Cidade Jardim ao Município de São Paulo e, posteriormente, tombado pelo CONPRESP (RESOLUÇÃO 10/CONPRESP/92, de 13.7.1992). Ocorre que, a ré Cyrela adquiriu vários lotes da quadra, delimitada pelas ruas Albertina de Oliveira Godinho, Eng. Oscar Americano e Circular do Bosque, encerrando uma área de 7.000 m2, destinada exclusivamente à construção de residências unifamiliares, e requereu, junto ao órgão municipal, autorização para corte de árvores e para a incorporação e edificação de um condomínio horizontal, ciente da inclusão da área ao regime ZER-1 (destinada a residências unifamiliares). Alegou que, em 25 de agosto de 2004, a Lei Municipal no. 13.885, de 6 de outubro de 2004, que entrou em vigor em 3 de fevereiro de 2005, alterou, ilegalmente, o zoneamento dessa quadra (adquirida pela Cyrela) transformando-a de ZER-1 em ZER-2 e admitiu a construção de edifícios comerciais ou residenciais de até 25 metros de altura, e não apenas de residências unifamiliares. Além da ilegalidade, o Município não realizou nenhuma audiência pública para a alteração do zoneamento da quadra em questão (embora tenha feito para as demais áreas cujo zoneamento também foi alterado pela citada Lei Municipal), em total conflito com o art. 40§ 4º. Do Estatuto da Cidade (Lei Federal no. 10.257/01), bem como o art. 10 do Plano Diretor da Cidade de São Paulo (Lei 13.430/02). As convenções estabelecidas para o loteamento foram registradas em Cartório e, como são mais restritivas em relação à citada lei, devem prevalecer. Nos termos do art. 247,§ 2º. Da Lei Municipal 13.885/04, nenhum acordo foi celebrado entre o loteador, tampouco com os proprietários dos lotes atingidos e, a alteração contrariou todos os objetivos declarados na própria lei. Salientou que, a então Prefeita, vetou as demais alterações de zoneamento em áreas próximas ao Parque, porém, a quadra contígua ao Parque Alfredo Volpi não foi incluída no veto, até porque as associações de Bairro não haviam sido previamente convocadas para discutir, em audiência pública, a alteração de zoneamento. Apontou, ainda, que não foram respeitadas as normas de direito ambiental, não foi elaborado o estudo, necessário, de impacto de vizinhança e ambiental e a alteração acarreta danos ao meio ambiente e à ordem urbanística. Requereu a declaração de invalidade e ineficácia da Lei Municipal 13.885/04, na parte que alterou o zoneamento da quadra mencionada e, em conseqüência, a nulidade dos alvarás de construção (ou o impedimento de futuros) de empreendimentos não destinados à edificação de residências unifamiliares e o reflorestamento das árvores já cortadas.

Com a petição inicial vieram documentos (fls. 18/369).

Citado, o Município de São Paulo alegou a carência da ação, diante da impossibilidade jurídica do pedido, inadequação da via eleita e ausência de tombamento. Quanto ao mérito, bateu pela legalidade da autorização de supressão vegetal e as restrições convencionais somente têm aplicação na hipótese de lacuna de norma urbanística ou quando a norma urbanística, de forma expressa, as recepcionar. Não existe impedimento à aprovação do empreendimento, que se enquadra aos usos permitidos na Zona Zi-014 (São conjuntos residenciais compostos por 5 blocos, contendo duas casas do tipo “duplex” cada um). Juntou documentos (fls.393/418).

Cyrela Investimentos e Participações Ltda sustentou que a área não integra o Parque Alfredo Volpi, localiza-se em outra quadra, separada por uma via pública. Foram realizadas inúmeras audiências públicas na Câmara Municipal de São Paulo, para a discussão do Projeto de Lei no. 139/04, que se transformou na apontada Lei Municipal no. 13.885/04. A Resolução 10/CONPRESP/92 não declara área alguma tombada, ou seja, nenhum tombamento foi concluído. Acrescentou que as escrituras públicas e as matrículas exibidas junto com a inicial não revelam a necessária publicidade das restrições impostas pelo loteador e, o loteamento pertence a uma época (anos 50) na qual a cidade possuía outras dimensões e características urbanísticas. Alegou atuação de boa-fé, uma vez que lei posterior, editada em prol do interesse público, prevalece sobre o interesse particular e o empreendimento foi aprovado nos termos da lei. Documentos (fls. 450/574).

Réplica (fls. 589/603).

Foi deferida prova pericial.

Na ação cautelar e nesta, ingressaram no pólo passivo Construtora Adolpho Lindemberg Ltda e Circular do Bosque Incorporadora SPE Ltda (fl. 657).

Construtora Adolpho Lindemberg alegou ser parte ilegítima, é apenas a construtora da obra, mera prestadora de serviços, por meio de contrato de empreitada.

Não é a proprietária do empreendimento, tampouco proprietária do imóvel. Quanto ao mérito, asseverou que as árvores cortadas estavam completamente fora da área delimitada e o alvará foi expedido legalmente. A construção de residências que não sejam unifamiliares não se insere nas restrições convencionais do loteamento registradas em cartório. Anexou procuração e cópias de atos societários (fls. 740/750).

Circular do Bosque Incorporadora SPE Ltda apontou vício de representação processual da autora, bem como salientou que o ato administrativo atacado goza de presunção de legitimidade, uma vez que ocorreram audiências públicas (promovidas pela Câmara Municipal de São Paulo). Além disso, as restrições convencionais não podem afrontar a Lei Municipal 13.885/04 (art. 247), desfiguradas pelas construções existentes. O empreendimento que, se harmoniza com o Parque Alfredo Volpi, está fora da área envoltória de bem tombado pelo CONDEPHAAT, ou seja, se situa a cerca de 500 metros e não trará qualquer impacto ambiental à Mata Atlântica. No tocante ao estudo de impacto ambiental, argumentou que o Estatuto da Cidade (Lei no. 10.257/01), em seus arts. 36 e 38 não exige tal documento para alteração de zoneamento, declara apenas, que a lei municipal decidirá quais os empreendimentos que necessitarão deste estudo. Juntou documentos (fls. 800/842).

Deferida prova pericial (fl. 919), o laudo e os pareceres técnicos dos assistentes das partes foram anexados, respectivamente, às fls. 941/1105, fls.1116/1153 1167/1224, 1228/1268.

Manifestação do Ministério Público (fls. 1278/ 1282).

Saneado o processo (fl. 1323), as partes apresentaram alegações finais, a autora anexou aos autos cópia de Ata de Assembléia para demonstrar a regularidade processual (fl. 1343).

Diante de nova situação fática, foi determinada a suspensão dos efeitos do alvará de construção no. 2004-03464-02 (fl. 1411) e à fls. 1531 e 1532 a suspensão da eficácia de todos os alvarás concedidos para a construção no terreno não destinados às residências unifamiliares.

Após manifestações das partes, o Ministério Público opinou pela procedência (fls. 1681/1690.

Anteriormente, foi distribuída a ação cautelar inominada pela autora para impedir corte ilegal de árvores e expedição de alvarás de edificação em área contígua ao Parque Alfredo Volpi. Deferida, em parte, a liminar (fl. 529), foi interposto recurso de agravo de instrumento, que foi acolhido. Os réus foram citados, foi apresentada réplica. Por último, diante do ajuizamento da principal, foi determinado o prosseguimento nestes para um só julgamento.

É o relatório.

Fundamento e decido.

Objetiva a autora a condenação da Municipalidade de São Paulo na obrigação de não fazer consistente em “abster-se de expedir, a quem quer que seja, alvarás de construção, para a quadra delimitada pelas ruas Albertina de Oliveira Godinho, Eng. Oscar Americano e Circular do Bosque, de empreendimentos não destinados à edificação de residências unifamiliares e dentro dos padrões constantes das Condições Gerais e do Memorial de Loteamento Cidade Jardim” e, caso já expedidos, a declaração de nulidade. Pretende a condenação das demais rés na obrigação de não fazer, consistente em “abster de construir, na quadra delimitada pelas Ruas Albertina de Oliveira Godinho, Eng. Oscar Americano e Circular do Bosque, empreendimentos não destinados às residências unifamiliares, atendidos os padrões constantes das Condições Gerais e do Memorial do Loteamento Cidade Jardim” (fl. 16).

Sustenta, para tanto, a ocorrência de ilegalidades: ausência de audiência pública a respeito da área em questão; a alteração ao zoneamento viola restrições convencionais do loteamento registradas em cartório; ao alterar o zoneamento da área a Lei Municipal 13.885/04 violou os objetivos e diretrizes por ela mesma expressamente declarados; violação ao princípio da isonomia; alteração de zoneamento em questão viola o Plano Direto e, por consequência, a Constituição Federal e o Estatuto da Cidade; a alteração conflita com as normas de direito ambiental e necessidade de prévio estudo de impacto de vizinhança e ambiental contrariedade ao Estatuto da Cidade.

O Município de São Paulo alega que o imóvel não se encontra em área envoltória a bem tombado, não existe, até o momento qualquer definição de tal área e a quadra encontra-se em processo de tombamento desde 1992, em decorrência da Resolução 10/CONPRESP/92. Rechaça os demais argumentos da inicial, com base na legalidade dos atos administrativos atacados.

Conforme laudo pericial (fls. 941/975), o alvará de aprovação de execução de edificação nova no. 2004/03464-00, foi expedido em favor da CYRELA INVESTIMENTOS E PARTICIPAÇÕES LTDA (fl. 520), em 06 de fevereiro de 2004,tendo como objeto o imóvel situado na Rua Albertina de O. Godinho, zona de uso Z1-014, categoria de uso R303, localizado na quadra 277, do setor fiscal 84.

Verifica-se que o alvará foi expedido quando em vigor a Lei Municipal no. 8001/73 que estabeleceu regras sobre o uso e ocupação do solo urbano e alterou e complementou a Lei no. 7805/72.

Com base em tal lei é que se deverá desenrolar a questão, porque a Lei 13.885, de 25 de agosto de 2004, que estabeleceu normas complementares ao Plano Diretor Estratégico e sobre o parcelamento do Uso e Ocupação do Solo do Município de São Paulo, somente entrou em vigor 120 dias a contar da sua publicação, “in verbis”:

“Art. 275. Esta lei entrará em vigor em 120 (cento e vinte) dias, contados a partir da data de sua publicação.”

Nos termos da Lei Municipal no. 8001/73, com as alterações, vigente na data da expedição do alvará de construção e edificação de obra nova, 06 de fevereiro de 2004, a quadra em estava localizada em Zona Z1-014, com as determinações e perímetros bem descritos à fl. 1135 (parecer do assistente técnico da autora).

A Zona Z1-014, segundo o Decreto 11.106/74, que regulamentou a referida lei, é área estritamente residencial de densidade demográfica baixa, isto é, somente permite uso residencial unifamiliar. Vale transcrever os artigos 25 e 26:

“Art. 25 Para os fins dispostos neste Decreto, o território do Município fica dividido em zonas de uso, com localização, limites e perímetros descritos na Quadra no.8ª, anexo à Lei 8.001, de 24 de dezembro de 1973, e determinada no mapa no. 221-12-0271 Anexo “A” da referida lei.

Art. 26. As zonas de uso obedecerão à seguinte classificação representada por siglas e com respectivas características básicas: a. Z1 uso estritamente residencial, de densidade demográfica baixa;”

O quadro no. 2 A, da citada Lei 8001/73, por sua fez enquadra a Zona Z1 como categoria de uso permitidas a área em questão, como sendo R1 (fl.1137), que nos termos do art. 15 da Lei 7.805/72 é:

“Art. 15 Para os efeitos desta lei, são estabelecidas as categorias de uso a seguir individualizadas, com as respectivas siglas e características básicas:

I Residência Unifamiliar (R1) edificações destinadas à habitação permanente, correspondendo a uma habitação por lote:”

Somente com base em tais dispositivos legais, em plena vigência na época da expedição do alvará de construção, é possível repelir as alegações dos réus quanto à legalidade do empreendimento, pois impossível enquadrá-lo sob os termos da Lei Municipal no. 13.885/04, que não tem efeitos retroativos e não pode alcançar e modificar ato jurídico perfeito, publicado e produzido com base em lei anterior.

Vale transcrever jurisprudência a respeito:

“É usual que loteadores imponham restrições urbanísticas em seus loteamentos maiores que as constantes de lei municipal, sendo certo que tais restrições são consideradas complementares á lei municipal, consoante os termos dos artigos 9o, § 2o, inciso II; e 26, inciso VII, da Lei n° 6766/79. Tais restrições para edificar são consideradas como restrições convencionais, que obrigam aqueles que adquirem os lotes. No entanto, o Município, quer pela aplicação de seu Plano Diretor, quer pela aplicação do Estatuto da Cidade pode alterar as zonas de uso predominante em seu território, permitindo que prédios sejam edificados em áreas nas quais não era, antes, permitido edificar. Mas deve sempre respeitar a lei vigente quando da concessão de alvará para edificar.” (2a CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO - Apelação Cível n° 994.08.093967-3 do E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo).

Isto significa que, se houve ou não audiências públicas, como debatido nos autos para a discussão do Projeto de Lei 139/04, que se transformou na malfadada Lei 13.885/04, tal fato é irrelevante para o desfecho da lide. Na verdade, a realização (ou não) de audiências públicas somente diz respeito aos pedidos de alvará de construção e edificação de obra nova após sua entrada em vigor, que não se confunde com o caso em tela.

No tocante à publicidade das restrições convencionais do Loteamento, da análise dos documentos, é possível constatar que as alegações dos réus não subsistem.

Como demonstrado às fls. 33 e seguintes, as Condições Gerais do Memorial e do contrato-padrão do loteamento estão registrados no 4ª. Cartório de Imóveis da Cidade de São Paulo, cuja publicidade é inegável e, totalmente, descabida a alegação da ré Cyrela que “em momento algum teve conhecimento de qualquer restrição convencional imposta pelo loteador, seja pela documentação pública que lhe foi exibida, seja pela aparência e conformação atual do loteamento” (fl. 428).

De fato, a própria ré Cyrela efetuou a fusão das matrículas dos imóveis, consoante fl. 428, e nas matrículas originais as condições estão perfeitamente descritas.

Ademais, ainda que omitidas tais restrições nos títulos aquisitivos e registrados no cartório de imóveis, também, melhor sorte não assiste aos réus, porque constam nas matrículas originárias. Além de observância obrigatória, são mais severas em relação à lei, razão pela qual prevalecem.

É certo que na época, 06 de fevereiro de 2004, tal lei já havia sofrido alterações, mas nenhuma modificou o tipo de uso da quadra situada à área leste da Rua Albertina de Oliveira, para enquadrá-la como zona de uso misto, permitindo a construção de edifícios e instalação de comércio e serviços.

Cabe ressaltar que, ainda que possível a aplicação da Lei 13.885/04 ao caso, mesmo assim, não teria como vingar a tese dos réus, porque tal lei também estabelece que em caso de restrições convencionais registradas em cartório de imóveis, mais restritivas que a lei, elas deverão ser observadas:

“Art. 247. Nas zonas de uso ZER, ZM-1, ZM-2,ZERp, ZLT, ZCLz-I, ZCLz-II, ZTLz-I e ZTLz-II, as restrições convencionais de loteamento aprovados pela Prefeitura, estabelecidas em instrumento público registrado no Cartório de Registro de Imóveis, referentes a dimensionamento dos lotes, recuos, taxa de ocupação, coeficiente de aproveitamento, altura e número de pavimento de edificações deverão ser atendidas quanto mais restritivas que as disposições desta lei.”

Além disso, a Lei 8001/73, em vigor quando da expedição do alvará de construção, em seu art. 33 já estabelecia a prevalência das restrições convencionais, conforme o citado dispositivo.

A Sra. Perita concluiu que “... as condições impostas pelo loteamento não foram consideradas na concessão do alvará, pois só poderá haver uma residência por lote e esta deve estar recuada tanto frontalmente quanto lateralmente, o que conforme plantas juntadas como anexo, não ocorre no projeto em tela”. (fl. 941/975).

Nessa ordem, a Lei Municipal no. 13.885/04, que alterou a classificação do zoneamento do imóvel de ZER-1 para ZM-2, não tem como predominar sobre as restrições convencionais registradas no cartório de imóveis do loteamento cidade jardim, porque além de menos severas não estão em conformidade com o disposto no art. 182 da Constituição Federal.

Nos termos do art. 42 do CPC, a alienação da coisa ou do direito litigioso, por ato entre vivos, não altera a legitimidade das partes e, assim, embora a ré Cyrela tenha transmitido o imóvel objeto da matrícula para a empresa “Perspectiva Investimentos e Participações Imobiliárias Ltda, cujo ato de transmissão somente foi registrada em 31 de agosto de 2010, a presente sentença, proferida entre as partes originárias, estende os seus efeitos ao adquirente ou ao cessionário (art. 42, § 3º. Do CPC.

No curso da presente, a “Perspectiva Investimentos e Participações Ltda” obteve o alvará 2004/03464-02, modificativo do alvará 2004/03464-00, para a construção de um prédio de quatro andares, dez unidades, dois subsolos, garagem exclusiva, apartamento de zelador, equipamento social (fls. 1570/1571), ou seja, em total desconformidade com a lei então em vigor quando da expedição do alvará original e das restrições convencionais, motivo pelo qual é tal alvará é nulo, não produz efeitos jurídicos válidos.

Sobre o tema, ensina Hely Lopes Meirelles, “O conceito de ilegalidade ou ilegitimidade, para fins de anulação do ato administrativo, não se restringe somente à violação frontal da lei. Abrange não só a clara infringência do texto legal como, também, o abuso, por excesso ou desvio de poder, ou por relegação dos princípios gerais do Direito, especialmente os princípios do regime jurídico administrativo. Em qualquer dessas hipóteses, quer ocorra atentado flagrante à norma jurídica, quer ocorra inobservância velada dos princípios do Direito, o ato administrativo padece de vício de ilegitimidade e se torna passível de invalidação pela própria Administração ou pelo Judiciário, por meio de anulação.” (Direito Administrativo Brasileiro, 27. ed., São Paulo: Malheiros, p. 198)

Se afigura uma situação bastante peculiar que os sócios de tais empresas (Cyrela e Perspectiva) sejam os mesmos indicando, na verdade, conluio em burlar o ordenamento jurídico em prejuízo dos interesses públicos e satisfação de seus interesses nitidamente lucrativos.

Idêntico raciocínio deve ser observado em relação à ré Circular do Bosque, proprietária do imóvel em tela, pois se foi adquirida pelo Hospital São Luiz (ou qualquer outro), pouco importa para a solução do caso, visto que o alvará original (e, em conseqüência, seus modificativos) nasceu em contrariedade com a Lei 8001/73 e restrições convencionais.

No tocante à ineficácia do dispositivo da Lei Municipal no. 13.885/04, que altera o zoneamento da área em questão, também razão assiste à autora, pois é contígua ao Parque Alfredo Volpi (que está em processo de tombamento pelo CONPRESP, Resolução no. 10/CONPRESP/92 fl. 63 e 1195) e, assim, aplica-se o disposto no art. 14, § 2º. Da Lei Estadual no. 10.032, de 27 de dezembro de 1995, “com a abertura do processo de tombamento o bem em exame terá o mesmo regime de preservação do bem tombado até a decisão final do Conselho”, bem como o art. 137 do Decreto Estadual no. 13.246, de 16.3.1959, que assim rescreve:

“nenhuma obra poderá ser executada na área compreendida num raio de 300 (trezentos) metros em torno de qualquer edificação ou sítio tombado, sem que o respectivo projeto seja previamente aprovado pelo Conselho, para evitar prejuízo à visibilidade ou destaque do referido sítio ou edificação.”

A falta de estudo de impacto ambiental também é outro obstáculo à construção do empreendimento, visto que a Lei Municipal no. 13.885/04 alterou o zoneamento, sem o referido estudo, em afronta ao exigido nos artigos 36 e 38 do Estatuto da Cidade (Lei Federal 10.257/01).

A ilegitimidade passiva da Construtora Adolpho Lindemberg não merece acolhida, porque embora não ostente a titularidade do imóvel, foi contratada para a construção efetuar o corte das árvores, medida que não se coaduna com os citados artigos da Lei Estadual 10.032/95 (art. 14, § 5º.) e Decreto Estadual 13.246/59 (art. 137).

Nesse sentido foi o entendimento do Eminente Desembargador L. Fernando Nishi, no voto vencido do Agravo de instrumento 403.873.5/0-00:

“Saliente-se, ademais, que parecer exarado pelo jurista emérito Adilson Abreu Dallari, acostado aos autos do instrumento formado a fls. 350 dá conta de que o tombamento pelo COMPRESP se ultimou, garantindo ao respectivo parque a proteção conferida pela lei federal no. 25, de 30.11.37, inclusive com restrições ao entorno paisagístico” (fl.910 autos da cautelar em apenso).

Ante ao exposto, JULGO PROCEDENTE a ação (principal e cautelar), confirmo a antecipação dos efeitos da tutela, nos termos do artigo 269, inciso I do Código de Processo Civil, para declarar a invalidade e ineficácia da Lei Municipal 13.885/04 quanto à alteração de zoneamento da quadra delimitada pelas Ruas Albertina de Oliveira, Eng. Oscar Americano e Circular do Bosque, objeto da matrícula no. 172.227 do 18. Cartório de Registro de Imóveis e, em conseqüência, reconheço a nulidade de todo e qualquer alvará (2004/03464-00 e 2004/03464-02) expedido com fundamentação em tal disposição autorizando a construção de imóveis que não se enquadrem na categoria de residências unifamiliares (que altera de ZER-1 para ZM-2).

Condeno o Município de São Paulo na obrigação de absterse de expedir a quem quer que seja, alvarás de construção, para a área mencionada, não destinados à edificação de residências unifamiliares e dentro dos padrões das Condições Gerais e do Memorial do Loteamento Cidade Jardim; e os demais réus condeno-os na obrigação de não executar nenhuma obra na referida área em desconformidade com as Condições Gerais e Memorial do Loteamento Cidade Jardim não destinada à edificação de residência unifamiliar, bem como na obrigação de efetuar o reflorestamento, conforme postulado.

Diante da sucumbência, condeno os réus, de forma solidária, ao pagamento de custas e, despesas processuais e, honorários de advogado, que fixo em 20% (diante do grau de zelo do profissional) do valor dado à causa.

P.R.I.

São Paulo, 17 de fevereiro de 2012.

Simone Gomes Rodrigues Casoretti

Juíza de Direito

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