Decisão
Emissora e radialista são condenados por imputação de homicídio à secretária municipal
Ela foi apontada, em programa radiofônico como negligente e responsável pela morte de uma criança em centro educacional mantido pelo município. A causa mortis, contudo, mostrou que o óbito ocorreu por doença coronariana congênita.
"É evidente que a pecha de homicida atribuída à autora constitui, por si só, ato ostensivamente ofensivo a sua dignidade e a sua honra, sobretudo quando [...] a lesão, porque divulgada por uma emissora de rádio de ampla cobertura, não apenas a amesquinha perante a comunidade onde trabalha e vive, como também envergonha sua família", anotou o magistrado em sua sentença.
A decisão obriga também a veiculação de um desagravo público, por meio da leitura de um texto no programa e de sua inserção no site mantido pela emissora, pelo período de quatro meses.
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Processo: 054.11.006613-1
Veja a íntegra da decisão.
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Autos n° 054.11.006613-1
Ação: Procedimento do Juizado Especial Cível/Juizado Especial Cível
Requerente: J.A.M.
Requerido: Rádio Difusora Alto Vale Ltda. e outro
Vistos para sentença.
Dispensado o relatório, nos termos do art. 38, da Lei 9.099/95.
FUNDAMENTO E DECIDO.
Trata-se de Ação de Indenização por Danos Morais c/c Pedido de Desagravo movida por J.A.M. contra RÁDIO DIFUSORA ALTO VALE LTDA e E.A., todos devidamente qualificados na inicial.
Primeiramente, importante salientar que a questão dos autos comporta julgamento antecipado da lide, nos termos do que dispõe o art. 330, I, do Código de Processo Civil.
Acerca do tema, já decidiu o Tribunal de Justiça deste Estado:
"O magistrado, quando entender-se apto ao julgamento, deve assim proceder, não estando a providência da antecipação do julgamento na sua esfera de discricionariedade, senão, decorre de seu dever funcional. Isto tem raízes na duração razoável do processo e na efetividade da jurisdição, que pavimentam a idéia da rápida solução do litígio sem a prática de atos inúteis para o deslinde da causa". (TJSC, Apelação Cível n. 2006.005725-8, de Xanxerê, Rel. Des. Gilberto Gomes de Oliveira, em 28.04.2011). (Grifou-se).
Passo à análise das preliminares arguidas.
1. DA ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM
Alega a parte Requerida que o Réu, E.A., é parte ilegítima para figurar no polo passivo desta demanda, à medida que o responsável civil pelo pagamento de suposta indenização seria a pessoa jurídica que explora o meio de comunicação, ou seja, a Rádio Difusora Alto Vale Ltda, nos termos do que dispõe o art. 49, § 2º, da Lei 5.250/1967.
Contudo, sem razão.
Primeiramente, importante salientar que vale-se o Requerido de dispositivo da Lei de Imprensa, a qual foi declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, n. 130.
De toda sorte, para que não pairem dúvidas sobre o caso em análise, é de bom alvitre salientar que a questão da solidariedade na reparação do dano decorrente de publicação pela imprensa é solidária entre o autor do escrito, neste caso, o locutor, e o proprietário do veículo de divulgação, qual seja, a Rádio Difusora Alto Vale Ltda, conforme dispõe a Súmula n. 221, do Superior Tribunal de Justiça, senão vejamos:
"São civilmente responsáveis pelo ressarcimento de dano, decorrente de publicação pela imprensa, tanto o autor do escrito quanto o proprietário do veículo de divulgação". (Grifou-se).
Nesse sentido:
Ao unificar a jurisprudência das suas Turmas, a Segunda Seção deste Tribunal firmou entendimento no sentido de que todos aqueles que concorrem para o ato lesivo, decorrente da veiculação de notícia na imprensa, ainda que paga, podem integrar o polo passivo da ação de responsabilidade civil ajuizada pelo ofendido. (...). (Resp n.º 171.262, Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira). (Grifou-se).
E mais:
Possibilidade de o ofendido obter reparação de quem fez as declarações ao jornal ou concedeu a entrevista, não estando adstrito a buscá-la exclusivamente junto a quem as divulgou. Súmula 221. (Resp n.º 172.100, Min. Eduardo Ribeiro). (Grifou-se).
Assim, porquanto perfeitamente caracterizada a legitimidade passiva do Réu E.A., rechaço a prefacial em análise.
2. DA ILEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM
Sustenta a parte Ré que a Autora é parte ilegítima para postular as pretensões constantes da inicial, uma vez que em nenhum momento foi apontado o seu nome na opinião jornalística que, aliás, limitou-se a comentar a morte de uma criança na creche.
Todavia, melhor sorte não lhe assiste.
Conforme é de geral conhecimento, a legitimidade para ser parte na relação jurídica processual decorre do fato de estar alguém envolvido em conflito de interesses independentemente da relação jurídica material, e que no desate da lide suportará os efeitos da sentença.
"A legitimatio ad causam é a atribuição, pela lei ou pelo sistema, do direito de ação ao autor, possível titular ativo de uma dada relação ou situação jurídica, bem como a sujeição do réu aos efeitos jurídico-processuais e materiais da sentença. Normalmente, no sistema do Código, a legitimação para a causa é do possível titular do direito material (art. 6º)" (Arruda Alvim, Manual de Direito Processual Civil, São Paulo: RT, 2000, p. 416/417). (Grifou-se).
In casu, da análise detida das gravações acostadas à fl. 25, observa-se claramente que o segundo Requerido, ao comentar o assunto da morte da criança M.M.M., referiu-se sempre à figura da "Secretária Municipal de Educação", cargo à época ocupado pela Autora, conforme demonstra o documento de fl. 24, o que rechaça, desde já, a tese articulada na preliminar ora analisada.
À luz das considerações acima expostas, rejeito a preliminar ventilada.
Superadas as prefaciais, passo à análise do mérito.
II- MÉRITO
1. DA DESNECESSIDADE DE REALIZAÇÃO DE PERÍCIA
Conforme pode ser visto no item "VIII", fl. 66, da peça impugnatória apresentada pelos Demandados, os mesmos requereram a realização de prova técnica a fim de se constatar qual a doença apresentada pela criança M., os elementos de sua morte, e se era possível salvá-la com alguns cuidados.
Não obstante, entendo que tal pedido merece ser indeferido, pois a produção de prova técnica em nada iria modificar o objeto da lide.
Explica-se.
As alegações iniciais resumem-se ao pedido do dano moral em razão das críticas feitas pelo segundo Réu em seu programa de rádio, relativas à morte do menino M..
Sabendo-se disso, percebe-se claramente que o cerne da questão está voltado ao sentido de saber, ou não, se as ditas colocações foram feitas de forma lícita ou ilícita, o que, neste último caso, ensejaria a responsabilidade de indenizar.
De mais a mais, outro motivo que tornaria absurdamente inaceitável a realização do exame pericial relaciona-se ao fato de que a causa e o motivo da morte da criança estão devidamente atestadas no laudo pericial de fls. 82/83 e, em nada relacionam-se com qualquer atitude negligente das educadoras que laboravam no Centro Educacional Ricardo Marchi, no dia dos fatos.
Assim, nos termos do que dispõe o art. 130, do Código de Processo Civil, "cabe ao Juiz, na condição de presidente do processo e destinatário da prova, decidir sobre a necessidade ou não da realização de provas, não implicando cerceamento de defesa ou violação dos princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, o julgamento com base em prova exclusivamente documental, se ela for suficiente à formação do convencimento do julgador que, em face disso, tem o poder discricionário de dispensar as demais provas, inclusive a pericial nos termos do art. 420, parágrafo único, do Código de Processo Civil". (TJSC, Apelação Cível nº 2011.046280-2, de Chapecó. Rel. Des. Jaime Ramos, j. em 13/01/2012). (Grifou-se).
O art. 330, inciso I, do Código de Processo Civil, autoriza o Juiz a proferir sentença independentemente da coleta de provas, se estas forem desnecessárias ao deslinde da causa.
Humberto Theodoro Júnior, ao comentar o mencionado preceptivo de lei, ensina que:
"Em todas as três hipóteses arroladas no art. 330, o juiz, logo após o encerramento da fase postulatória, já se encontra em condições de decidir sobre o mérito da causa, pois: a) se a questão controvertida é apenas de direito, não há prova a produzir, por absoluta irrelevância ou mesmo por falta de objeto, certo que a prova, de ordinário, se refere a fatos e não direitos, posto que iura novit curia; b) nos outros dois casos, também, não se realiza a audiência por desnecessidade de outras provas, além daquelas que já se encontram nos autos (o juiz não deve, segundo o art. 130, promover diligências inúteis).
Assim, se a questão de fato gira em torno apenas de interpretação de documentos já produzidos pelas partes; se não há requerimento de provas orais; se os fatos arrolados pelas partes são incontroversos; e ainda se não houve contestação, o que também leva à incontrovérsia dos fatos da inicial e à sua admissão como verdadeiros (art. 319); o juiz não pode promover a audiência de instrução e julgamento, porque estaria determinando a realização de ato inútil e, até mesmo, contrario ao espírito do Código" (Curso de Direito Processual Civil, vol. I, Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 360). (Grifou-se).
Diante do acima exposto, o pedido de realização de exame pericial merece ser indeferido, nos termos dos arts. 130 e 330, I, ambos do Código de Processo Civil.
2. DA DESNECESSIDADE DE EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS
Com o intuito de melhor fundamentar as opiniões lançadas, os Réus pretendem seja encaminhado ofício à Prefeitura Municipal de Rio do Sul-SC, a fim de esclarecer os itens "1" a "11", constantes às fls. 64/65.
Sem muitas delongas, o referido pedido igualmente merece indeferimento.
Ora, depois de Réu E.A. tecer diversos comentários acerca do cenário envolvendo a morte do infante M.M.M., vem, agora, requerer sejam esclarecidos diversos pontos pela Prefeitura Municipal "a fim de melhor fundamentar as opiniões lançadas" (fl. 64, grifou-se).
Quisesse o Requerido, realmente, por questão de cautela, obter informações precisas quanto aos fatos que ocasionaram o óbito de M., deveria ter encaminhado ao Órgão Municipal o ofício de fls. 74/75, datado de 26/10/2011, logo quando do acontecimento dos fatos, qual seja 14/3/2011.
Mas, por óbvio, pensando em sua defesa, tratou de encaminhar o aludido documento somente cerca de meio ano após o ocorrido, mais especificamente, aproximados dois meses após o recebimento do ofício de citação (AR de fl. 40, verso).
De mais a mais, na remota hipótese de deferimento do pleito, registre-se que os questionamentos apontados entre os itens "1" a "11" em nada contribuíram para o deslinde do feito, uma vez que, como já mencionado anteriormente, o cerne da questão está voltado ao sentido de saber, ou não, se as ditas colocações foram feitas de forma lícita ou ilícita, e não ao fato de quantas crianças estavam em sala de aula quando da ocorrência da morte, quantos professores as acompanhavam, etc., etc..
Assim, reportando-me aos fundamentos contidos nos arts. 130 e 330, I, ambos do Código de Processo Civil, indefiro o pedido, neste particular.
3- DA INDENIZAÇÃO PELOS DANOS MORAIS
A Carta Magna em seu art. 5º, X, estabelece que "são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação". (Grifou-se).
Sobre a violação da honra, colhe-se da obra de Rui Stoco:
"O direito à honra, como sabem, se traduz juridicamente em larga série de expressões compreendidas como princípio da dignidade humana: o bom nome, a fama, o prestígio, a reputação, a estima, o decoro, a consideração, o respeito.
[...] a honra da pessoa é um bem resguardado pela Lei Maior e pela legislação infraconstitucional. Se ofendido, o gravame haverá de ser reparado, segundo os reflexos nocivos ocorridos no mundo fático.
Deste modo, se atingido o patrimônio, a indenização terá caráter patrimonial. Se, contudo, o prejuízo for apenas moral, mas efetivo, esse será a natureza da indenização devida". (Responsabilidade civil e sua interpretação jurisprudencial. 2ª ed. São Paulo: RT. 1995, pp. 471-472).
Acerca do mesmo tema, preleciona, ainda, Yussef Said Cahali:
"[...] Tudo aquilo que molesta gravemente a alma humana, ferindo-lhe gravemente os valores fundamentais inerentes à sua personalidade ou reconhecidos pela sociedade em que está integrado, qualifica-se, em linha de princípio, como dano moral; não há como enumerá-los exaustivamente, evidenciando-se na dor, na angústia, no sofrimento, na tristeza pela ausência de um ente querido falecido; no desprestígio, na desconsideração social, no descrédito à reputação, na humilhação pública, no devassamento da privacidade; no desequilíbrio da normalidade psíquica, nos traumatismos emocionais, na depressão ou no desgaste psicológico, nas situações de constrangimento moral" (Dano Moral, Revista dos Tribunais, 2000, pp. 20-21).
"[...] na conjuntura atual, é necessário um equilíbrio nas relações entre a imprensa e a necessidade de resguardar a imagem, que é, sem dúvida, a representação única da pessoa humana", a simples divulgação ou reprodução da imagem da pessoa, nos casos excepcionados em que não se reclama o seu consentimento prévio, somente se considera ilícita se molesta a sua honra, reputação, intimidade ou dignidade" (Dano Moral, 2ª ed., p. 549). (Grifou-se).
No caso em tela, é igualmente aplicável a legislação pertinente à responsabilidade civil subjetiva, nos termos do art. 186 do Código Civil.
Assim, dispõe o supramencionado artigo:
"Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito".
Desse modo, para que se caracterize o ilícito civil é necessária a conjugação dos seguintes elementos: ação ou omissão, culposa ou dolosa, do agente; dano moral ou patrimonial; e relação de causalidade entre a conduta do agente e o dano experimentado pela vítima.
A respeito do tema, Maria Helena Diniz ressalta:
"[...] para que se configure o ato ilícito, será imprescindível que haja: a) fato lesivo voluntário, negligência ou imprudência [...]; b) ocorrência de um dano patrimonial ou moral, sendo que pela Súmula 37 do Superior Tribunal de Justiça serão cumuláveis as indenizações por dano material e moral decorrentes do mesmo fato [...]; e c) nexo de causalidade entre o dano e o comportamento do agente". (Código civil anotado, 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 196-197). (Grifou-se).
No caso dos autos, ouvindo com o máximo de cuidado os trechos do programa de rádio do segundo Requerido, o qual comentava acerca da morte de M.M.M. e dos motivos dela, constata-se que, efetivamente, o Réu ultrapassou os limites da liberdade de expressão.
A ação mais grave consistiu no programa datado de 28/6/2011, no qual o Réu, E.A., imputou à Autora a culpa pela morte do menino M., conforme transcrição que segue:
"[...] Vou lembrar a senhora de um fato: aqui em Rio do Sul, a Secretária da Educação, uma pessoa muito festejada, que até parece que vai ser candidata à Prefeita ou a Vice, e vai entrar no próximo "rolo eleitoral" de Rio do Sul, ELA DEIXOU MORRER UM BEBÊ, UM BEBÊZINHO, UM NENÉM. Eu pedi que a Secretária "pedisse o chapéu e foi embora". Ela estranhou o pedido, ameaçou processar o jornalista [...]. Não processou porque ela sabe por que não, e ficou por isso mesmo [...]". (Grifou-se).
Há uma evidente e induscutível imputação de crime de homicídio à pessoa da autora. Também há, nos demais comentários transcritos às fls. 05/08, um nítido interesse pessoal do jornalista pela exoneração da autora.
Ora, pela tradução antes mencionada, que vale lembrar não foi impugnada, é evidente o aspecto negativo da notícia, constituindo-se em alta ousadia do Réu defender a sua "tese subjetiva" depois de passados cerca de três meses da morte da criança, cuja causa foi devidamente esclarecida pelo laudo pericial de fls. 82/83, decorrente de cardiopatia congênita, em nada relacionado à pessoa da Autora. Mesmo já comprovado de forma cristalina que o óbito ocorreu por problemas estruturais ou de função do coração de M., cuja doença com ele nasceu, o segundo réu insistiu em convencer seus ouvintes que o óbito somente ocorreu por alguma conduta negligente da autora.
No presente caso, faz-se necessário esclarecer que em que pese a Requerente, à época dos fatos, exercer função pública, o que lhe tornou bastante conhecida na cidade e, em tese, as críticas a seu trabalho consistirem num ônus negativo da sua função, matéria esta que, inclusive, encontra-se mencionada na defesa, fato é que não se pode deixar de olvidar que a liberdade de imprensa tem limites. Ser jornalista não é só saber transmitir a notícia, é acima de tudo saber como transmiti-la.
Sem sombra de dúvidas, o comentário proferido em 28/6/2011 que, diga-se de passagem, foi de baixíssimo nível, deixou a Autora em situação vexatória e constrangedora perante a comunidade e amigos. Se o espírito era preservar o bom funcionalismo público, muito infelizes foram os termos utilizados.
Aliás, dos audios anexados pode se concluir que, em momento algum, se tratou de informação jornalística mas, de ácidas críticas à função exercida pela autora e de ataques pessoais à sua honra.
Por isso é que ao jornalista é exigida a verificação e exame dos assuntos a serem divulgados pelo correspondente meio de comunicação, para que diante da crítica possa evitar danos como o acontecido, prejudicando pessoas e nada acrescentando à vida pública ou ao interesse comum.
De mais a mais, não se pode negar que em cidade do interior como a da Comarca, o rádio ainda se constitui no maior veículo de comunicação e que a pessoa atingida fez parte da Administração Municipal, onde o embate político e o interesse da população local pelos assuntos da municipalidade não é miúdo.
Feitas essas considerações, reputo que o caso presente é desses a favor dos quais milita a presunção de que, ocorrido o fato, há o dano - in reipsa - pois é evidente que a pecha de homicida atribuída à Autora constitui, por si só, ato ostensivamente ofensivo a sua dignidade e a sua honra, sobretudo quando, como no caso, a lesão, porque divulgada por uma emissora de rádio de ampla cobertura, não apenas a amesquinha perante a comunidade onde trabalha e vive, como também envergonha sua família. Evidente, então, que ser injustamente indigitada como culpada pela morte do menino M. constitui fato de per si suficiente para fazer brotar em qualquer pessoa abalo moral, tristeza, raiva, estresse, vergonha, abalo na reputação de pessoa honesta e leal; tudo isso, é certo, traduz sentimento que presumidamente há de aflorar em qualquer pessoa que se encontre nessas condições.
Nesse sentido, vale trazer à colação lição do magistério de Sergio Cavalieri Filho:
"Entendemos, todavia, que por se tratar de algo imaterial ou ideal a prova do dano não pode ser feita através dos mesmos meios utilizados para a comprovação do dano material. Seria uma demasia, algo até impossível, exigir, que a vítima comprove a dor, a tristeza ou a humilhação através de depoimentos, documentos ou perícia; não teria ela como demonstrar o descrédito, o repúdio ou o desprestígio através dos meios probatórios tradicionais, o que acabaria por ensejar o retorno à fase da irreparabilidade do dano moral em razão de fatores instrumentais.
Neste ponto a razão se coloca daqueles que entendem que o dano moral está ínsito na própria ofensa, decorre da gravidade do ilícito em si. Se a ofensa é grave e de repercussão, por si só justifica a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado". (Programa de Responsabilidade Civil. 5. ed., São Paulo: Malheiros, 2004, p.100/101). (Grifou-se).
Em síntese, vale dizer que se a reportagem publicada ultrapassa o condão de noticiar acontecimentos ou ideias de interesse público ou finalidade informativa, tendo sido veiculada exclusivamente para atacar a honra da Autora publicamente (conduta do agente x nexo de causalidade), configurado está o dano moral e o consequente dever de indenizar.
Sobre o tema, a jurisprudência do e. Tribunal de Justiça Catarinense é uníssona ao dizer:
"Se a matéria jornalística publicada ultrapassa os limites da narrativa dos fatos acerca dos quais pretende noticiar, passando a ofender a honra da vítima com palavras e expressões injuriosas, causa dano moral merecedor de compensação pecuniária". (Des. Subst. Joel Figueira Júnior) (TJSC, Apelação cível n. 2005.015394-2, de Brusque, Rel. Des. Sérgio Izidoro Heil, j. 27/03/2007). (Grifou-se).
E não destoa:
"Configura dano moral a publicação, pela imprensa, de matéria ofensiva à dignidade e à honra da pessoa alvejada, seja ela física ou jurídica, independentemente da comprovação do prejuízo material sofrido pelo lesado ou da prova objetiva do abalo à sua honra e à sua reputação, porquanto são presumidas as conseqüências danosas resultantes desse fato". (TJSC, AC n.º 2000.022579-7, Des. Luiz Carlos Freyesleben). (Grifou-se).
E mais:
"É evidente que, qualquer indivíduo tem direito ao ressarcimento pelo dano moral sofrido por conseqüência de publicação de informe que sem base de informação robusta e segura, e alicerçado em meras suposições, lhe imputa ato que lhe atinja a honra". (TJSC, AC n.º 2002.023298-5, Desª Salete Silva Sommariva).
Ou ainda:
"O jornal que publica nota contendo ofensas à honra alheia e o autor desta respondem civilmente pelos danos morais causados. A indenização por dano moral é forma de acalentar aquele que teve sua honra ofendida injustamente, com conseqüências desfavoráveis à dignidade e boa fama perante a coletividade". (TJSC, AC n.º 2003.024343-7, Des. Wilson Augusto do Nascimento).
Por fim, trago à baila importante ensinamento de Darcy Arruda Miranda, o qual muito bem sinalizou:
"O JORNALISTA, NO SEU MAGNÍFICO SACERDÓCIO, DEVE SER SERENO COMO UM JUIZ, HONESTO COMO UM CONFESSOR, VERDADEIRO COMO UM JUSTO. A LIBERDADE QUE SE LHE OUTORGA, ATRAVÉS DE PRECEITOS CONSTITUCIONAIS E DE LEI ORDINÁRIA, É TÃO GRANDE COMO A RESPONSABILIDADE QUE LHE IMPÕE O DEVER DE COMPREENDÊ-LA E APLICÁ-LA. A VERDADE DEVE SER A PREOCUPAÇÃO MÁXIMA DO LIDADOR DA IMPRENSA". (DARCY ARRUDA MIRANDA, Abusos da Liberdade de Imprensa, RT, pág. 34).
Deste modo, reconhecido o ato ilícito praticado pelo segundo Réu em seu programa de rádio mantido pela primeira Ré, a condenação destes, de forma solidária, à indenização por danos morais, é medida que se impõe.
Passo à análise do valor a ser indenizado.
3.1 DA FIXAÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO
Em se tratando de dano extrapatrimonial, árdua a função do julgador quanto a fixação da reparação devida, mormente que a legislação em vigor não estabeleceu critérios objetivos para tanto.
Entretanto, mesmo diante da ausência legislativa, não pode o julgador eximir-se da prestação jurisdicional invocando lacuna na Lei (art. 126 do Código de Processo Civil).
Assim, ante a imposição legal para julgamento e fixação da verba indenizatória devida, adotar-se-á os critérios jurisprudenciais elencados como parâmetros para a delimitação do quantum devido.
Buscando a definição do quantum indenizatório, o valor da indenização deve atender a critérios de razoabilidade e proporcionalidade devendo entrelaçar-se com a situação econômica daquele que causou o dano e a condição do lesado.
Na fixação da verba indenizatória pelo dano moral puro, o juiz deve atentar para os motivos, as circunstâncias e as conseqüências da ofensa, bem assim para a situação de fato e o grau de culpa com que agiu o ofensor a fim de que a indenização seja plausível de reparação, bem como sirva como meio de coerção para evitar reincidência do causador dos danos.
Conforme esclarece José Raffaelli Santini, "inexistindo critérios previstos por lei a indenização deve ser entregue ao livre arbítrio do julgador que, evidentemente, ao apreciar o caso concreto submetido a exame fará a entrega da prestação jurisdicional de forma livre e consciente, à luz das provas que forem produzidas. Verificará as condições das partes, o nível social, o grau de escolaridade, o prejuízo sofrido pela vítima, a intensidade da culpa e os demais fatores concorrentes para a fixação do dano, haja vista que costumeiramente a regra do direito pode se revestir de flexibilidade para dar a cada um o que é seu. [...] O que prepondera, tanto na doutrina, como na jurisprudência, é o entendimento de que a fixação do dano moral deve ficar ao prudente arbítrio do juiz" (Dano moral: doutrina, jurisprudência e prática, Agá Júris, 2000, p. 45). (Grifou-se).
Acerca do tema, Regina Beatriz Tavares da Silva acentua que:
"Os dois critérios que devem ser utilizados para a fixação do dano moral são a compensação ao lesado e o desestímulo ao lesante. Inserem-se nesse contexto fatores subjetivos e objetivos, relacionados às pessoas envolvidas, como análise do grau da culpa do lesante, de eventual participação do lesado no evento danoso, da situação econômica das partes e da proporcionalidade ao proveito obtido com o ilícito". (Novo Código Civil comentado, São Paulo: Saraiva, 2002, p. 841). (Grifou-se).
Na mesma senda, vem se manifestando o E. Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina:
"Não há um critério objetivo para a fixação da indenização pelos danos morais sofridos, devendo o problema ser solucionado dentro do prudente arbítrio do julgador à luz das peculiaridades de cada caso, e de maneira que o lesado tenha reparação, mas de maneira também que o patrimônio do ofensor não seja por demais ofendido". (Ap. cível n. 00.023262-9, da Capital). (Grifou-se).
Portanto, traçando um paralelo entre os requisitos jurisprudenciais invocados com as circunstâncias do caso concreto, entendo como justo o valor de R$ 15.000,00 (quinze mil reais) para reparação dos danos morais experimentados pela Autora, em razão da imputação ilícita de sua culpa na morte do menino M.M.M., valor este que deverá sofrer correção monetária pelo INPC, a partir do arbitramento (Súmula 362 do STJ), e juros de mora de 1% ao mês, a partir da data da veiculação da matéria que originou o evento danoso (Súmula 54 do STJ).
Em consequência disso, julgo procedente, ainda, o pedido de desagravo público, através do qual deverá o Réu, E.A., mediante a rádio AM e FM, no horário do programa "Opinião com E.A.", e por ele lido, bem como através de seu endereço eletrônico (https://www.superdifusora.am.br), ditar no horário de seu programa e constar em destaque na página inicial do mencionado endereço eletrônico o texto constante às fls. 19/20, nos exatos termos lá descritos, durante quatro meses, uma vez por semana.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, JULGO PROCEDENTES os pedidos iniciais formulados por J.A.M. contra RÁDIO DIFUSORA ALTO VALE LTDA e E.A., para condenar os Réus, de forma solidária, ao pagamento de R$ 15.000,00 (quinze mil reais), a título de danos morais, valor este que deverá sofrer correção monetária pelo INPC, a partir do arbitramento (Súmula 362 do STJ), e juros de mora de 1% ao mês, a partir da a data da veiculação da matéria que originou o evento danoso (28.06.2011) (Súmula 54 do STJ).
Em consequência disso, julgo procedente, ainda, o pedido de desagravo público, através do qual deverá o Réu, E.A., mediante a rádio AM e FM, no horário do programa "Opinião com E.A. ", e por ele lido, bem como através de seu endereço eletrônico (https://www.superdifusora.am.br), ditar no horário de programa e constar em destaque na página inicial do mencionado endereço eletrônico o texto constante às fls. 19/20, nos exatos termos lá descritos, durante quatro meses, uma vez por semana.
Assim, JULGO RESOLVIDO o feito, com análise do mérito, na forma do art. 269, I, do Código de Processo Civil.
Sem custas e honorários na espécie.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Ficam cientes os Réus e seus Procuradores de que deverão satisfazer o julgado no prazo de 15 dias, contado do trânsito, sob pena de multa de 10%, a teor do disposto no art. 475-J, do Código de Processo Civil.
Rio do Sul (SC), 16 de março de 2012.
Geomir Roland Paul
Juiz de Direito
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