Indenização
Comerciante condenado por ruídos noturnos que atrapalham sono alheio
Na apelação, o comerciante disse que a perícia realizada pela Fatma - Fundação de Amparo ao Meio Ambiente, em ação criminal concomitante, constatou que o ruído da câmara não ultrapassou 60 decibéis durante o período noturno.
O desembargador Luiz Carlos Freyesleben, relator, observou que as perícias da Fatma, em dois pontos diferentes, comprovaram que o ruído de fundo noturno ultrapassava 30 decibéis, índice superior aos 10 decibéis permitidos pela lei em vigor para o horário das 19h às 7h.
"Observo que há inteira possibilidade de condenar por danos morais aqueles que ofendem o direito de vizinhança, perturbando-lhes o sono e a saúde com a produção de ruídos excessivos, marcantemente no horário noturno, quando as pessoas repousam para retomada, no dia seguinte, de seus afazeres, com toda a disposição possível", avaliou Freyesleben.
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Processo : 2012.006128-7
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Apelação Cível n. 2012.006128-7, de Tubarão
Relator: Des. Luiz Carlos Freyesleben
CIVIL. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. DIREITO DE VIZINHANÇA. RUÍDO EXCESSIVO PROVOCADO POR CÂMARA FRIGORÍFICA. PROVA PERICIAL CONCLUSIVA. PERTURBAÇÃO DO SOSSEGO CONFIGURADA. MAU USO DA PROPRIEDADE (CC, 1.277). DEVER DE INDENIZAR CARACTERIZADO. RECURSO DESPROVIDO.
"Lesados o sossego e a qualidade de vida pelo ruído e vibração contínuos produzidos pelo equipamento instalado, exsurge o dano moral pelo comprometimento da integridade física e psíquica do vizinho" (Desembargador Fernando Carioni).
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2012.006128-7, da comarca de Tubarão (3ª Vara Cível), em que é apelante L.M., e apelada M.H.G.B.e outros:
A Segunda Câmara de Direito Civil decidiu, por votação unânime, conhecer do recurso e negar-lhe provimento. Custas legais.
Participaram do julgamento, realizado nesta data, os Exmos. Srs. Des. Nelson Schaefer Martins (Presidente) e Gilberto Gomes de Oliveira.
Florianópolis, 8 de março de 2012.
Luiz Carlos Freyesleben
RELATOR
RELATÓRIO
M.H.G.B., E.B., M.L.B. e A.I.G.F. ajuizaram ação de indenização por danos morais cumulada com obrigação de fazer contra L.M., narrando que os ruídos e as trepidações produzidos por uma câmara frigorífica instalada no mercado de propriedade do réu, localizado nas cercanias da residência dos autores, vem-lhes perturbando o sono e afetando-lhes a saúde física e mental. Assim, requereram antecipação da tutela, visando a obrigar o réu a desativar ou remover a câmara frigorífica do local, sob pena de multa. Ademais, requereram a confirmação da multa por sentença, bem como a condenação do réu ao pagamento de indenização por danos morais, custas processuais e honorários advocatícios.
O doutor Juiz de Direito da 3ª Vara Cível da comarca de Tubarão julgou parcialmente procedentes os pedidos, condenando o réu ao pagamento de indenização por danos morais, no valor de R$ 1.000,00, acrescidos de juros de mora e de correção monetária, a contar da data da sentença, mais as custas processuais e os honorários advocatícios fixados em 15% do valor da condenação.
L.M. apelou, esclarecendo que o mercado de sua propriedade situa-se em região urbana, sendo de grande importância para a comunidade. Além disso, asseverou que a perícia realizada pela FATMA, requisitada pelo Juiz criminal, constatou que o ruído provocado pela câmara frigorífica "não ultrapassou o limite de som permitido pela legislação vigente, que é de 60 decibéis - dB(A), durante o período noturno", equivocando-se o Magistrado sentenciante ao condená-lo por danos morais.
Ressaltou que o ponto de medição de ruído identificado pela FATMA como "esquina do posto de saúde" não serve de parâmetro para apurar a variação dos níveis de ruído, mormente porque a fonte geradora do alegado barulho localiza-se nas margens da Rodovia SC Tubarão-Pedras Grandes, onde o tráfego de veículos é intenso, assim como o nível de barulho. Ademais, a "pequena extrapolação dos 10 dB(A) citada pelo administrador da FATMA induziu o Magistrado a erro", pois os pontos de medição de ruídos localizam-se nas proximidades de uma rodovia estadual, de sorte que o limite máximo de ruído deve ser o constante do inciso II do parágrafo único do artigo 23 do Decreto Estadual n. 14.250/1981, que é de 60dB(A) para o período noturno, valor esse jamais ultrapassado nas medições. Assim, requereu a reforma da sentença para a improcedência do pedido.
Houve contrarrazões.
Este é o relatório.
VOTO
Trata-se de recurso de apelação cível interposto por L.M. contra sentença de procedência parcial dos pedidos deduzidos em ação indenizatória por danos morais cumulada com obrigação de fazer, aforada contra ele por M.H.G.B, E.B., M.L.B. e A.I.G.F..
Antes do ingresso na análise dos fatos e das provas, observo que há inteira possibilidade de condenar-se por danos morais aqueles que ofendem o direito de vizinhança, perturbando-lhes o sono e a saúde, com a produção de ruídos excessivos, marcantemente no horário noturno, quando as pessoas repousam para retomada, no dia seguinte, de seus afazeres, com toda a disposição possível. Este posicionar já foi acatado neste Tribunal de Justiça, em situações semelhantes.
Vejamos:
APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CONDENATÓRIA. DANOS MATERIAIS E MORAIS. ABUSO DO USO DA PROPRIEDADE. IMPROCEDÊNCIA NA ORIGEM (...). EVENTOS REALIZADOS NO IMÓVEL VIZINHO. PERTURBAÇÃO DOS MORADORES. BARULHO EM DEMASIA. PROVA ROBUSTA. ILÍCITO CONFIGURADO. DANO MORAL. EXCESSO. PREJUÍZO DA TRANQUILIDADE E SOSSEGO DOS MORADORES. DEVER DE INDENIZAR (...). RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
(...).
A exploração de eventos noturnos, notadamente com a utilização de equipamentos de som para apresentações artísticas, pressupõe o respeito às normas regulamentadoras da matéria, com a emissão controlada de ruído, a fim de evitar a perturbação dos moradores dos arredores do estabelecimento. A inobservância de tais preceitos constitui ato ilícito.
Cediço que a vida em coletividade exige o convívio com determinadas situações inconvenientes. Todavia, o abuso e a reiteração de tais incômodos caracteriza transtornos que ultrapassam os dissabores cotidianos, notadamente quando o estabelecimento da ora ré exerce sua atividade por pelo menos dois anos em desrespeito aos padrões de emissão de ruídos. Não há dúvidas de que em hipóteses desse quilate o dano moral à moradora vizinha é presumido, já que a perturbação do seu descanso noturno certamente alterou substancialmente sua rotina e trouxe prejuízos até mesmo a sua saúde (Ap. Cív. n. 2010.039853-5, de Brusque, rel. Des. Henry Petry Junior, j. 4-5-2011).
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. ATIVIDADE DE DEPÓSITO DE MATERIAIS DE CONSTRUÇÃO E DE FABRICAÇÃO DE ARGAMASSA EXERCIDA PELA EMPRESA RÉ AO LADO DA CASA DA AUTORA. ALEGADOS DANOS SOFRIDOS NA ESTRUTURA DE SEU PRÉDIO E COM PERTURBAÇÃO DE SEU SOSSEGO E SAÚDE. ESTUDO DA PERÍCIA JUDICIAL QUE APONTA A POSSIBILIDADE DE REALIZAÇÃO DE TAL TRABALHO NA ÁREA, DESDE QUE COM ALVARÁ ESPECÍFICO. LICENÇA CONCEDIDA TÃO-SOMENTE PARA COMERCIALIZAÇÃO E DEPÓSITO. CESSAÇÃO DA ATIVIDADE DE ARGAMASSA DETERMINADA CORRETAMENTE PELO JUÍZO A QUO. DANOS MORAIS EVIDENTES ORIUNDOS DA POLUIÇÃO SONORA E ATMOSFÉRICA QUE TAIS OPERAÇÕES GERAVAM. TRANSTORNOS E INCÔMODOS QUE NÃO CONFIGURAM MERO DISSABOR. PREJUÍZOS MATERIAIS IGUALMENTE APURADOS PELO EXPERT. OBRIGAÇÃO DE INDENIZAR CONFIGURADA (...) (Ap. Cív. n. 2006.012058-2, de São José, rel. Des. Ronaldo Moritz Martins da Silva, j. 9-7-2010).
Verificada a presença de precedentes nesta Corte, destaco que o apelante alegou que a perícia realizada pela FATMA constatou que o ruído provocado pela câmara frigorífica "não ultrapassou o limite de som permitido pela legislação vigente, que é de 60 decibéis - dB(A), durante o período noturno", limite este imposto pelo inciso II do parágrafo único do artigo 23 do Decreto Estadual n. 14.250/1981.
Além disso, ressaltou que a norma constante do inciso I do artigo supracitado não se aplica à espécie, à vista do fato de que o aparelho gerador dos ruídos localiza-se nas cercanias de uma rodovia estadual, em que é grande o impacto sonoro dimanado do intenso tráfego de automotores. Entretanto, louvado o esforço do réu para desvencilhar-se da obrigação de indenizar, o apelo não tem por que ser provido, pois não há dúvida de que o réu agiu ao arrepio da lei, o que foi captado, acertadamente, pelo culto Magistrado sentenciante, ao analisar os fatos e aplicar o direito. E tanto assim considero que me valho de excerto da sentença para ilustrar este modesto voto.
Disse Sua Excelência:
Os autores pretendem a condenação do réu em pagamento de indenização a título de danos morais pela perturbação de seu sossego pelos ruídos e vibração da câmara frigorífica do réu, que alegam ter afetado de tal forma seu estado de espírito que cogitam a possibilidade de se mudar do local em que residem desde o nascimento. Afirmam que um dos autores não suportou a situação e efetivamente se mudou do local. Ressaltam que entre os moradores a idade dos mesmos já é avançada e que há um grande contraste causado pela máquina, pois habitam em ambiente calmo e interiorano.
Há de se averiguar a possibilidade de imputação de responsabilidade civil ao réu, analisando-se os requisitos da mesma (...).
Pois bem, o réu cometeu ato ilícito- Para responder analisar-se-á a questão sob a ótica da legislação ambiental vigente, qual seja, o Decreto Estadual n. 14.250/1981, que se refere à proteção e à melhoria da qualidade ambiental, mais especificamente o artigo 33, parágrafo único e incisos I e II:
"Art. 33 - A emissão de sons e ruídos, em decorrência de atividades industriais, comerciais e de prestação de serviços, obedecerá, no interesse da saúde, da segurança e do sossego público, aos padrões, critérios e diretrizes estabelecidos neste Regulamento.
Parágrafo único - Consideram-se prejudiciais à saúde, à segurança e ao sossego público os sons e os ruídos que:
I - atinjam, no ambiente exterior do recinto em que dão origem, nível de som de mais de 10(dez) decibéis - dB (A), acima do ruído de fundo existente no local, sem tráfego.
II - independentemente do ruído de fundo, atinjam no ambiente exterior do recinto em que têm origem de mais de 70 (setenta) decibéis -dB (A), no período diurno das 7 às 19 horas, e 60(sessenta) decibéis -dB (A), no período noturno das 19 às 7 horas do dia seguinte (...)"
Com base no inciso I do dispositivo supra, a FATMA realizou medições por determinação do magistrado do Juizado Especial Criminal em que tramitava o processo-crime versando sobre o mesmo fato do presente processo cível.
A FATMA realizou duas vistorias em dois momentos temporais distintos: a primeira averiguação deu-se nos dias 23-5-2006, 31-5-2005 e 5-6-2006 (fls. 86-114) e a última perícia, requisitada pelo MP e pelo Magistrado criminal, deu-se em 31-10-2007 (fl. 284).
A primeira vistoria, com base no inciso I da legislação estadual constatou "uma pequena extrapolação dos 10 decibéis permitidos" (fl. 86). Chegou-se a este resultado fazendo medições sonoras em pontos considerados padrão "considerando como ruído de fundo para aquele local" (fl. 86). Esses dois pontos foram denominados "esquina do posto de saúde" e "em frente à Igreja", detalhados nos croquis da área feitos nas vistorias (fls. 89, 93 e 108) em comparação aos pontos denominados "A" e "B", que estariam mais próximos da fonte geradora do ruído, qual seja, a câmara frigorífica.
Os resultados da medição do ponto na esquina do posto de saúde mostraram ruídos mínimos de 31,3 dB (fls. 102-105) e os resultados do ponto em frente à igreja registraram variação no mínimo de 32,0 dB. O ponto "A" registrou o mínimo de 42,3 dB e o máximo de 42,9 dB, e o ponto "B", mínimo de 42,6 dB e o máximo de 43,4 dB.
Assim, em comparação dos pontos de ruídos padrão com os pontos mais próximos da fonte geradora de ruído, concluiu a FATMA que ocorreu a extrapolação dos 10 dB prescritos pela legislação e deu parecer desfavorável ao réu. Este juízo não vê irregularidades nesta constatações, pelo contrário.
Assim, como a legislação estabelece critério objetivo de averiguar se o ruído atinge, no ambiente externo, variação de mais de 10,0 dB, e em caso negativo, passasse a verificar o segundo quesito, qual seja o dos 60,0 dB máximos, para que não se configure ambiente prejudicial, assim, no caso, em tese, o réu teria cometido ato ilícito.
(...).
Este Juízo entende que, no período entre as duas vistorias, ocorreu ruído acima dos níveis legais, isto com base nas provas documentais e periciais. Assim, entre 5-6-2006 (primeira vistoria) e 31-10-2007 (segunda vistoria) há provas nos autos de ilegalidade sonora perpetrada pelo réu.
(...).
É evidente que a poluição sonora atenta conta o direito da sociedade, ao descanso noturno, ao sossego, a saúde mental e a própria convivência social sadia da vizinhança. Ressalta-se que isso tudo é agravado pelo fato de que, entre as vítimas, existem pessoas idosas, que são naturalmente mais sensíveis a perturbações, ainda mais em uma localidade interiorana.
Esses acontecimentos, sob a ótima deste Juízo, extrapolam os meros dissabores, ou aborrecimentos advindos da convivência em área urbana. Há efetivo abalo no estado de espírito nesse período de um ano e quatro meses de perturbação sonora comprovada, que, sem dúvida nenhuma, gerou certa medida de sofrimento aos autores (fls. 321-322).
Vê-se, portanto, que as medições realizadas pela FATMA constataram que o ruído produzido pela câmara frigorífica ultrapassa o limite legal em "mais de 10 (dez) decibéis - dB (A), acima do ruído de fundo existente no local, sem tráfego", conforme determinação constante do inciso I do parágrafo único do artigo 23 do Decreto Estadual n. 14.250/1981.
A prova pericial esclareceu que os pontos de medição que serviram de referência para a medição do nível de poluição sonora, considerado o "ruído de fundo", atingiram entre 31,3 dB e 32,0 dB, enquanto os pontos "A" e "B", situados nas proximidades da residência dos autores, registraram mínimos de 42,3 dB e 42,6 dB e máximos de 42,9 dB e 43,4 dB, superando, assim, a diferença de 10,0 dB, tolerada pela lei. Destarte, a alegação do réu apelante de que a existência de tráfego intenso de veículos automotores nas proximidades da área geradora do ruído afasta a incidência da regra contida no inciso I do parágrafo único do artigo 23 do Decreto Estadual n. 14.250/1981, passando a vigorar o limite de 60 dB, de que trata o inciso II, não se coaduna com a melhor interpretação da norma, pela simples razão de que a expressão "sem tráfego" contida no inciso I refere-se à medição do "ruído de fundo" e não restringe a sua aplicação às situações em que não houver tráfego veicular.
Assim, não tem por que vingar a tese defendida no apelo de que o ruído da câmara frigorífica não ultrapassou o limite legal de ruído, fixado em 60,0 dB, sendo o quanto basta para manter a condenação do réu apelante ao pagamento de indenização por danos morais, no importe fixado pelo Juiz de Direito, mormente à vista dos requisitos da responsabilidade civil subjetiva.
É da jurisprudência:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. VIZINHANÇA. ESTABELECIMENTO COMERCIAL LOCALIZADO NA PARTE TÉRREA DE IMÓVEL RESIDENCIAL. UTILIZAÇÃO DE MAQUINÁRIO NO PERÍODO NOTURNO. PERTURBAÇÃO DA ORDEM. ABALO PSÍQUICO. ATO ILÍCITO CARACTERIZADO. DANO MORAL PRESUMIDO. DEVER DE COMPENSAR. QUANTUM INDENIZATÓRIO. ORIENTAÇÃO PELOS CRITÉRIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO.
Lesados o sossego e a qualidade de vida pelo ruído e vibração contínuos produzidos pelo equipamento instalado, exsurge o dano moral pelo comprometimento da integridade física e psíquica do vizinho (...) (Ap. Cív. n. 2009.050523-9, de Blumenau, rel. Des. Fernando Carioni, j. 21-1-2010).
Por esta razão, conheço do recurso interposto por L.M., a que nego provimento.
Este é o voto.