Migalhas Quentes

Procon pode propor ação contra reajuste em plano de saúde privado

Pelo CDC, os entes federados e associações podem propor ação em defesa dos direitos dos consumidores.

8/2/2012

Decisão

Procon pode propor ação contra reajuste em plano de saúde privado

O ministro Antonio Carlos Ferreira, do STJ, deu provimento ao recurso do DF contra a Amil Assistência Médica Internacional Ltda. por aumento superior a 25% na mensalidade dos associados.

Na primeira instância, a ação foi julgada improcedente. O juiz entendeu que os reajustes estavam dentro da normalidade.

Em recurso, o TJ/DF reconheceu de ofício a ilegitimidade ativa do DF para ajuizar a ação civil pública. Segundo o TJ/DF, "a ação civil pública serve à defesa de interesses gerais que afetam a coletividade como um todo; seu alcance não pode ser dilargado indefinidamente para abranger pequenos grupos".

O recorrente ressaltou a existência de interesse social compatível com as funções do ente federado, visto que a ação originou-se de reclamações individuais de consumidores junto ao Procon/DF.

De acordo com o ministro, o Procon/DF a legitimidade do Procon para propor ação civil pública está respaldada no CDC. Por essa lei, os entes federados e associações podem propor ação em defesa dos direitos dos consumidores.

A jurisprudência do STJ também afirma o cabimento de ação civil pública para a defesa de direitos individuais homogêneos de relevante cunho social, como o direito à vida ou à saúde. Para o ministro, o fato de o número de beneficiados ser limitado não desnatura a relevância social do interesse que o Procon busca proteger.

Veja a decisão na íntegra.

__________

RELATOR: MINISTRO ANTONIO CARLOS FERREIRA

RECORRENTE: DISTRITO FEDERAL

PROCURADORES: MARIA ZULEIKA DE OLIVEIRA ROCHA / SANDRA CRISTINA DE ALMEIDA TEIXEIRA

RECORRIDO: AMIL ASSISTÊNCIA MÉDICA INTERNACIONAL LTDA

ADVOGADO: ANTONIO VILAS BOAS TEIXEIRA DE CARVALHO E OUTRO(S)

DECISÃO

Trata-se de recurso especial interposto com fundamento no art. 105, III, alíneas "a" e "c", da CF, contra acórdão proferido pelo TJDFT, assim ementado (fl. 800):

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ILEGITIMIDADE ATIVA.

O Distrito Federal não está legitimado a substituir os cidadãos na defesa de seus interesses próprios e derivados. A Ação Civil Pública serve à defesa de interesses gerais que afetam a coletividade como um todo; seu alcance não pode ser dilargado indefinidamente para abranger pequenos grupos.

Na origem, o DISTRITO FEDERAL ajuizou ação civil pública contra AMIL - ASSISTÊNCIA MÉDICA INTERNACIONAL LTDA., objetivando, em defesa dos consumidores coletivamente considerados, que a ré se abstivesse de aplicar reajuste superior a 25% (vinte e cinco por cento) sobre as mensalidades pagas pelos associados.

O Juízo de primeiro grau, revogando liminar anteriormente concedida, julgou improcedente o pedido, argumentando, em síntese, que não se trata de defesa de interesses difusos ou coletivos, mas apenas de um pequeno grupo de consumidores e que os reajustes estão dentro da normalidade da atividade empresarial.

Em sede de recurso de apelação o recorrente reitera a tese da abusividade da cláusula de reajuste de mensalidade.

Ao apreciar o recurso, o Tribunal de origem reconheceu de ofício a ilegitimidade ativa do DISTRITO FEDERAL para ajuizar a ação civil pública, conforme ementa acima transcrita.

Nas razões do recurso especial, o recorrente aponta violação aos arts. 81, parágrafo único, II e III, e 82, II, da Lei n. 8.078/1990, e arts. 1º, II, 5º, caput, e 21, da Lei n. 7.347/1985, bem como a existência de dissídio jurisprudencial. Sustenta ser induvidosa sua legitimidade para a defesa judicial de direitos metaindividuais de natureza puramente coletiva, caso dos autos, podendo fazer uso tanto da ação civil pública.

Por fim, ressalta a existência de interesse social compatível com as funções do ente federado, visto que a ação originou-se de reclamações individuais de consumidores junto ao PROCON/DF.

Exercido o juízo de admissibilidade positivo na origem, os autos vieram a esta Corte Superior.

Parecer do Ministério Público Federal, às fls. 849/854, pelo provimento do recurso, assim ementado:

RECURSO ESPECIAL. ALÍNEAS “A” E “C”, DO AUTORIZADOR CONSTITUCIONAL. ALEGADA VIOLAÇÃO AOS ARTS. 81, PARÁGRAFO ÚNICO, INCISOS II E III, 82, INCISO II, DA LEI Nº 8.078/90; 1º, INCISO II, 5º, CAPUT, E 21, DA LEI Nº 7.347, DE 24 DE JULHO DE 1985. LEGITIMAÇÃO CONCORRENTE. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL CONFIGURADO.

1 – A Lei nº 8.078 de 1990, no art. 82, tratou dos legitimados concorrentes para a defesa coletiva dos interesses ou direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos. Sendo assim, cada um dos co-legitimados arrolados no aludido artigo pode propor a ação de isoladamente ou em litisconsórcio com outros.

2 – Os interesses individuais homogêneos, aumento das mensalidades do plano de saúde, embora pertencentes a pessoas determinadas, se vislumbradas em forma coletiva, transcendem a esfera de interesses individuais e passam a constituir interesses da coletividade, impondo-se, portanto, a ação civil pública.

3 – Parecer pelo conhecimento e provimento do recurso especial por ambas as alíneas.

É o relatório.

Assiste razão ao recorrente.

O acórdão recorrido está em dissonância com a jurisprudência pacífica desta Corte, firmada na linha segundo a qual a ação civil pública é o meio processual adequado à defesa dos direitos individuais homogêneos de relevante cunho social, assim a exemplo do direito à saúde e à vida, ainda que os beneficiários constituam número determinado de indivíduos, o que não desnatura a relevância social do interesse em questão.

Assim sendo, como a demanda versa sobre reajustes supostamente abusivos em plano de saúde envolve interesse individual homogêneo (art. 81, parágrafo único, III, do CDC), está o recorrente legitimado para agir em juízo em defesa dos consumidores, com base no art. 82 do CDC:

Art. 82. Para os fins do art. 81, parágrafo único, são legitimados concorrentemente:

I - o Ministério Público;

II - a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal;

(...)

Confiram-se os seguintes precedentes:

PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. VESTIBULAR. LIMITAÇÃO DO NÚMERO DE CONCESSÕES DE ISENÇÃO DE TAXAS PARA EXAME EM UNIVERSIDADES FEDERAIS. LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO.

1. A jurisprudência desta Corte vem se sedimentando em favor da legitimidade ministerial para promover ação civil pública visando a defesa de direitos individuais homogêneos, ainda que disponíveis e divisíveis, quando na presença de relevância social objetiva do bem jurídico tutelado (a dignidade da pessoa humana, a qualidade ambiental, a saúde, a educação, apenas para citar alguns exemplos) ou diante da massificação do conflito em si considerado.

Precedentes.

2. Oportuno notar que é evidente que a Constituição da República não poderia aludir, no art. 129, inc. II, à categoria dos interesses individuais homogêneos, que só foi criada pela lei consumerista.

Contudo, o Supremo Tribunal Federal já enfrentou o tema e, adotando a dicção constitucional em sentido mais amplo, posicionou-se a favor da legitimidade do Ministério Público para propor ação civil pública para proteção dos mencionados direitos.

3. No presente caso, pelo objeto litigioso deduzido pelo Ministério Público (causa de pedir e pedido), o que se tem é pretensão de tutela de um bem divisível de um grupo: a suposta invalidade da limitação do número de concessões de isenção de taxas para exame vestibular de universidades federais em Pernambuco. Assim, atua o Ministério Público em defesa de típico direito individual homogêneo, por meio da ação civil pública, em contraposição à técnica tradicional de solução atomizada, a qual se justifica não só por dizer respeito à educação, interesse social relevante, mas sobretudo para evitar as inumeráveis demandas judiciais (economia processual), que sobrecarregam o Judiciário, e evitar decisões incongruentes sobre idênticas questões jurídicas.

4. Nesse sentido, é patente a legitimidade ministerial, seja em razão da proteção contra eventual lesão ao interesse social relevante de um grupo de consumidores ou da massificação do conflito.

5. Recurso especial provido.

(REsp n. 1.225.010/PE, Relator Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA

TURMA, DJe 15/3/2011).

AGRAVO REGIMENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEGITIMIDADE ATIVA DO

MINISTÉRIO PÚBLICO. DIREITO INDIVIDUAL HOMOGÊNEO. LEGITIMIDADE E

INTERESSE PROCESSUAIS CONFIGURADOS. DECISÃO AGRAVADA.

MANUTENÇÃO.

I- O Ministério Público tem legitimidade processual para a propositura de ação civil pública objetivando a defesa de direitos individuais homogêneos.

II- Não é da natureza individual, disponível e divisível que se retira a homogeneidade de interesses individuais homogêneos, mas sim de sua origem comum, violando direitos pertencentes a um número determinado ou determinável de pessoas, ligadas por esta circunstância de fato. Inteligência do art. 81, CDC.

III- Agravo Regimental improvido.

(AgRg no Ag n. 1.323.205/SP, Relator Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA,

DJe 10/11/2010).

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DEFESA DOS CONSUMIDORES. ASSISTÊNCIA À SAÚDE. INTERESSE OU DIREITO COLETIVO. DISTRITO FEDERAL. LEGITIMAÇÃO ATIVA. ART. 82, II, DO CDC.

I - Nos termos do art. 82, II, do Código de Defesa do Consumidor tem o Distrito Federal legitimidade ampla para promover ação civil pública, visando a proteção de interesses ou direitos coletivos de associados, na referida unidade federativa, de empresa prestadora de serviços de saúde.

II - Recurso especial conhecido e provido.

(REsp n. 168.051/DF, Relator Ministro ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 19/5/2005, DJe 20/6/2005).

Em face do exposto, nos termos do art. 557, § 1º-A, do CPC, DOU PROVIMENTO ao recurso para, afastando a extinção do processo sem resolução do mérito, reconhecer a legitimidade ativa do recorrente e determinar o retorno dos autos ao Tribunal de origem para que prossiga no julgamento do recurso.

Publique-se e intimem-se.

Brasília-DF, 16 de dezembro de 2011.

Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA

Relator

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