TST
Litigante de má-fé receberá benefício da justiça gratuita
Segundo o desembargador convocado Sebastião Geraldo de Oliveira, relator, ainda que a conduta do garçom seja passível de censura, a litigância de má-fé atribuída no 1º grau não é suficiente para o indeferimento da justiça gratuita.
O garçom ajuizou a reclamação trabalhista contra o Bar e Café São Cristóvão Fecha Nunca Ltda. Alegou ter prestado serviços à empresa de 15/8 a 30/11/09, de terça-feira a domingo, recebendo R$ 640, sem carteira assinada, e que foi dispensado sem justa causa e sem receber as verbas rescisórias devidas.
Requereu reconhecimento do vínculo de emprego e condenação da empresa ao registro da carteira de trabalho e ao pagamento de horas extras e estimativa de gorjetas, além de concessão dos benefícios da justiça gratuita. O bar sustentou que o autor prestava serviços como autônomo, somente sextas-feiras e sábados, recebendo diárias de R$30.
O juízo de 1º grau concluiu que o autor havia alterado a verdade dos fatos, entre outros aspectos, quanto a valores recebidos e à quantidade de dias trabalhados por semana. Deferiu diversos pedidos, mas negou o benefício da justiça gratuita e condenou tanto o garçom quanto a empresa (esta por negar o vínculo de emprego) por litigância de má-fé.
Trabalhador e empregadora recorreram ao TRT, que excluiu a condenação da empresa por litigância de má-fé e não conheceu do recurso ordinário do autor por deserção, devido à ausência de recolhimento das custas, por entender que o benefício da justiça gratuita não alcança o litigante de má-fé.
O Tribunal Regional considerou a atuação do garçom "incompatível com a gratuidade judiciária", ao movimentar o Judiciário sem motivo, tentando induzir o juízo a erro com produção de prova falsa, em prejuízo do funcionamento célere da Justiça.
No TST, o desembargador convocado Sebastião de Oliveira destacou que a concessão de assistência judiciária aos necessitados é regulada pela lei 1.060/50, que, para isso, estabelece os requisitos em seu artigo 4º. O desembargador frisou que o instituto é instrumento que permite o livre acesso ao Judiciário, e "só depende da simples afirmação da parte de que não tem condições financeiras de arcar com as despesas processuais e custas, sem prejuízo do sustento próprio ou de sua família".
O relator entendeu que deveria ser assegurado ao autor o benefício da justiça gratuita, mesmo diante da condenação por litigância de má-fé, "ante a autonomia dos institutos".
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Processo relacionado: RR - 235-50.2010.5.15.0041
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ACÓRDÃO
(8ª Turma)
GDCSGO/tkw/wt/fd
RECURSO DE REVISTA - DESERÇÃO DO RECURSO ORDINÁRIO - CUSTAS - LITIGANTE DE MÁ-FÉ - POSSIBILIDADE DE CONCESSÃO DO BENEFÍCIO DA JUSTIÇA GRATUITA. A litigância de má-fé imputada ao Autor não é suficiente para que seja indeferido o benefício da justiça gratuita. Isto porque, as penalidades previstas a quem pleiteia de má-fé, nos termos do artigo 18 do CPC, são taxativas, e por se tratarem de norma de caráter punitivo, devem ser interpretadas restritivamente. Além disso, a concessão do benefício é instrumento que permite o livre acesso ao judiciário, que só depende da simples afirmação da parte de que não tem condições financeiras de arcar com as despesas processuais e custas, sem prejuízo do sustento próprio ou de sua família. Assim, preenchido o requisito legal (art. 4º da Lei nº 1.060/50), sem prova em contrário, é assegurado ao Autor o benefício da justiça gratuita, mesmo que condenado às sanções previstas por litigância de má-fé. Recurso conhecido e provido.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso de Revista n° TST-RR-235-50.2010.5.15.0041, em que é Recorrente T.J.F. e Recorrido BAR E CAFÉ SÃO CRISTÓVÃO FECHA NUNCA LTDA. - ME.
O Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, pelo acórdão a fls. 141/144, não conheceu do recurso do Reclamante por deserto e deu provimento parcial ao recuso da Reclamada para excluir da condenação o pagamento de multa e indenização por litigância de má-fé.
O Reclamante opôs Embargos de Declaração a fls. 146v/147v, os quais foram rejeitados pelo acórdão a fls. 151/151v.
O Reclamante interpõe Recurso de Revista a fls. 307/317 (processo eletrônico), com fundamento no artigo 896 da CLT.
Despacho de admissibilidade a fl.320, sem contrarrazões, conforme certidão a fls. 322.
Desnecessária a remessa dos autos ao Ministério Público do Trabalho, nos termos do art. 83, do RI/TST.
É o relatório.
VOTO
CONHECIMENTO
Satisfeitos os pressupostos extrínsecos de admissibilidade, examino os específicos do Recurso de Revista.
DESERÇÃO DO RECURSO ORDINÁRIO - CUSTAS - LITIGANTE DE MÁ-FÉ - POSSIBILIDADE DE CONCESSÃO DO BENEFÍCIO DA JUSTIÇA GRATUITA
Conhecimento
O TRT não conheceu do recurso ordinário do Autor por deserto, devido a ausência de recolhimento das custas, por entender que o benefício da justiça gratuita não alcança a parte reputada litigante de má-fé. Eis os fundamentos da decisão (fls.141v/142):
-1 - Justiça Gratuita
Deseja o autor os benefícios da justiça gratuita, afirmando ter cumprido todos os requisitos autorizadores legais, e que sua declaração de insuficiência financeira não foi infirmada por qualquer elemento nos autos.
Sem razão, contudo.
In casu, restou reconhecida, na origem, a litigância ímproba do reclamante, nos seguintes termos (fls. 93/94):
-O Reclamante deduziu pretensão contra fatos incontroversos, alterou a verdade dos fatos, provocou incidente manifestamente infundado e procedeu de modo temerário (art. 17, I, II, V e VI) ao: (1) contraditar a 1ª testemunha da Ré pela simples manutenção de vínculo de emprego, hipótese que não é descrita nos §§ 2º e 3º do art. 405 do CPC e no art. 829 da CLT; (2) requerer a condenação da Reclamada ao pagamento de multa convencional em razão do descumprimento das cláusulas 8ª, 15ª e 21ª da CCT e (3) afirmar que vendia média de R$ 4.000,00 nas sextas-feiras e sábados e R$ 2.500,00 nos demais dias, o que representaria venda mensal do Autor de R$ 77.142,60 e de todos os atendentes/garçons da Requerida de R$ 308.570,40, valor nitidamente exagerado para subsidiar os pedidos formulados na exordial {[(R$ 2.500,00 x 4 dias por semana) + (R$ 4.000,00 x 2 dias por semana)] x 4,2857 = R$ 77.142,60 x 4 funcionários = R$ 308.570,40}..- (g. n.)
Assim, resta patente e inequívoca a litigância ímproba do autor, que não cumpriu com seus deveres legais (art. 14 CPC), ao alterar a verdade dos fatos, usando o processo para conseguir objetivo ilegal, procedendo de modo temerário e provocando incidente manifestamente infundado (art. 17, II, III, V e VI, do CPC), atentando contra a dignidade da Justiça ao tentar induzir o juízo a erro.
A atuação temerária, movimentando o Judiciário sem motivo, com a tentativa de indução do Juízo a erro com produção de prova sabidamente falsa, em prejuízo do próprio funcionamento célere da Justiça é incompatível com gratuidade judiciária.
Observe-se que tal entendimento encontra respaldo na Lei nº 8.069/90, no § 2º do artigo 141, ao excepcionar da isenção de custas o litigante de má-fé. Verbis:
Art. 141. É garantido o acesso de toda criança ou adolescente à Defensoria Pública, ao Ministério Público e ao Poder Judiciário, por qualquer de seus órgãos.
§ 1º. A assistência judiciária gratuita será prestada aos que dela necessitarem, através de defensor público ou advogado nomeado.
§ 2º As ações judiciais da competência da Justiça da Infância e da Juventude são isentas de custas e emolumentos, ressalvada a hipótese de litigância de má-fé. (g. n.)
No mesmo sentido o comando inscrito no inciso LXXIII, do art. 5º de nossa Carta Magna:
Art. 5º...
LXXIII - qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência; (g. n.)
Destarte, mesmo que o autor tenha apresentado declaração de pobreza nos termos da Lei 7115/83 (fls. 15), entendo que o litigante de má-fé não pode ser agraciado com os benefícios da justiça gratuita, diante da evidente incompatibilidade entre os institutos.
Aquele que usa indevidamente o processo não pode ser isento das despesas correspondentes.
Portanto, para ver apreciado seu apelo, melhor seria que o Reclamante tivesse recolhido as custas processuais, pois assim não procedendo deixou de cumprir um dos pressupostos de admissibilidade recursal, restando o mesmo, deserto.-
Nas razões do recurso, o Autor sustenta que o benefício da justiça gratuita deve ser concedido aqueles que percebem salário igual ou inferior ao mínimo legal, ou declararem, sob as penas da lei, que não estão em condições de pagar as custas do processo sem prejuízo do seu sustento. Assevera que apresentou declaração de insuficiência econômica, a qual não foi infirmada por qualquer outro elemento.
Afirma que é plenamente possível a concessão dos benefícios da justiça gratuita em caso de ocorrência de litigância de má-fé.
Requer, novamente, a concessão dos benefícios da Justiça Gratuita, pois é pessoa pobre, na acepção jurídica do termo, sem condições financeiras de arcar com as despesas processuais e custas, bem como com o ônus de sucumbência, sem prejuízo do sustento próprio ou de sua família.
Aponta violação ao artigo 5º, LV e LXXIV, da CF/88; 7º e 8º, da Lei nº 1.060/50 e 790, §3º, da CLT. Traz arestos à divergência.
O aresto a fls. 316/317, oriundo da 3ª Região, possibilita o conhecimento do apelo, pois traz tese no sentido de que a imposição de multa por litigância de má-fé não retira da parte o direito à assistência judiciária gratuita, uma vez que tais institutos têm finalidades diversas.
Pelo exposto, conheço do recurso por divergência jurisprudencial.
Mérito
A questão cinge-se a saber se ao litigante de má-fé pode ser concedido o benefício da justiça gratuita.
A concessão de assistência judiciária aos necessitados é regulada pela Lei nº 1.060/50, a qual estabelece em seu artigo 4º que -A parte gozará dos benefícios da assistência judiciária, mediante simples afirmação, na própria petição inicial, de que não está em condições de pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo próprio ou de sua família-. Já o §1º da citada norma dispõe que, presume-se pobre, até prova em contrário, quem afirmar essa condição nos termos desta lei.
No caso, o benefício foi negado pela sentença sob o fundamento de ser o instituto incompatível com o abuso de direito de demanda. Ademais, o Tribunal Regional registrou que o Reclamante foi reputado litigante de má-fé, pois não cumpriu com seus deveres legais, alterou a verdade dos fatos, usando o processo para conseguir objetivo ilegal, procedeu de modo temerário, provocando incidente manifestamente infundado e atentou contra a dignidade da Justiça ao tentar induzir o juízo a erro.
No entanto, ainda que passível de censura a conduta do Autor, a litigância de má-fé imputada na origem não é suficiente para que seja não seja deferido o benefício da justiça gratuita. Isto porque, as penalidades previstas a quem pleiteia de má-fé, nos termos do artigo 18 do CPC, são taxativas, e por se tratarem de norma de caráter punitivo, devem ser interpretadas restritivamente.
Além disso, a concessão dos benefícios da justiça gratuita é instrumento que permite o livre acesso ao judiciário, que, como já ressaltado, só depende da simples afirmação da parte de que não tem condições financeiras de arcar com as despesas processuais e custas, sem prejuízo do sustento próprio ou de sua família.
Assim, preenchido o requisito legal (art. 4º da Lei nº 1.060/50), sem prova em contrário da situação relatada pelo demandante, é assegurado ao Autor o benefício da justiça gratuita, mesmo que condenado as sanções previstas por litigância de má-fé, ante a autonomia dos institutos.
Pelo exposto, dou provimento ao recurso para conceder ao Autor os benefícios da justiça gratuita e determinar o retorno dos autos ao Tribunal de origem para que, superada a deserção do recurso ordinário, analise o recurso como entender de direito.
ISTO POSTO
ACORDAM os Ministros da Oitava Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, conhecer do Recurso de Revista por divergência jurisprudencial, e, no mérito, dar-lhe provimento para conceder ao Autor os benefícios da justiça gratuita e determinar o retorno dos autos ao Tribunal de origem para que, superada a deserção do recurso ordinário, analise o recurso como entender de direito.
Brasília, 07 de dezembro de 2011.
Sebastião Geraldo de Oliveira
Desembargador Convocado Relator
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