Ensino
Aluna com seis anos incompletos consegue matrícula no ensino fundamental
Deliberação do Conselho Estadual de Educação de SP impede a matrícula no ensino fundamental de alunos que completam 6 anos de idade após 30/6/12.
O escritório Cerdeira Chohfi Advogados e Consultores Legais atuou no caso.
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VISTOS.
Trata-se de mandado de segurança com pedido Liminar, impetrado por X menor impúbere representado por sua mãe X, qualificados a fls. 02, contra ato do Presidente do Conselho Estadual de Educação do Estado de São Paulo e do Diretor da Escola Colégio X, ambos apontados como autoridades coatoras, porque o segundo não autorizou a matricula do impetrante no primeiro ano do ensino fundamental , em razão de deliberação do primeiro impetrado que, consultado sobre a pretensão do demandante, quedou-se inerte.
Argumenta, em suma, que atualmente cursa o Jardim II e o próximo estágio de sua progressão escolar para o ano vindouro seria o primeiro ano do ensino fundamental. Porém, o primeiro impetrado não permitiu a matricula na escola mencionada em razão da data do nascimento do impetrante, 14/07/2006, porque a Deliberação 73/2008 do Conselho Estadual de Educação exige a implementação de tal idade até 30/06/2006.
Ocorre que o impetrante está capacitado para sua inclusão no ensino fundamental e a aplicação de tal deliberação lhe causaria prejuízos psicológicos. Requereu a concessão de liminar, no sentido de determinar que o impetrante seja matriculado no 1º ano do ensino fundamental, por haver fundamentos relevantes e risco de que ao final possa haver ineficácia da medida, tendo em vista o prazo das matriculas para o próximo ano letivo. (fls. 02 a 15).
Juntou documentos (fls. 16 a 70).
Após manifestação favorável do Ministério Público (fls. 72 a 73), foi deferida medida liminar (fls. 74/76).
Os impetrados foram notificados (fls. 81 e 83).
O representante do Conselho Estadual de Educação noticiou a matricula do impetrante no ano pretendido, junto ao colégio Santo Antonio de Lisboa (fls. 84).
Em resposta, o C.E.E. argüiu, em preliminar, a sua ilegitimidade passiva, tendo em vista o não cabimento do mandado de segurança contra lei em tese ou ato administrativo normativo.
No mérito, pugnou pela improcedência, tendo em vista que não há qualquer dispositivo legal que garanta à impetrante o direito à matricula nos termos pretendidos e a limitação de idade prevista no ordenamento estadual funda-se em critério técnicos e legais, observando-se que o C.Nacional de Educação fixou o prazo máximo para a implementação da idade até 31 de março do ano da matrícula.
Ademais, a fixação da data limite para implementação da idade mínima é atribuição da administração pública, como lhe confere a lei e a própria Constituição Federal. Ademais, em 2010 o impetrante não estava no segundo ano da pré-escola, o que justificaria tratamento excepcional do art. 5. par. 2º, da Res. CNe/CEB 6/2010 (fls. 90 a 105).
Juntou documentos (fls. 106 a 107).
O co-impetrado não se pronunciou.
O impetrante manifestou-se em réplica (fls. 109/115).
O Ministério Público, por seu ilustre representante, pronunciou-se pela rejeição da preliminar e concessão da ordem (fls. 117 a 137).
É o breve relatório.
DECIDO.
Inicialmente, ratifico a competência Vara da Infância e da Juventude para apreciar as ações que tenham por objeto alegadas ofensas aos direitos assegurados à criança e ao adolescente, enumerados dos incisos I a VIII, do art. 208 do Estatuto da Criança e do Adolescente, adequando-se à disposição prevista no art. 148, inciso IV do mesmo diploma legal, caso dos autos, como já assentado na decisão que concedeu a liminar.
Afasto a preliminar argüida em resposta do representante do Conselho Estadual de Educação do Estado, que é, sim, parte legítima para esta demanda. Diversamente do que alega a defesa, o ora impetrante não se insurge contra a Resolução ou ato em tese daquele Conselho, mas contra o ato concreto da escola de ensino fundamental que, em atividade delegada da administração pública, recusou, CONCRETAMENTE, o pedido de matrícula do impetrante para o primeiro ano do ensino fundamental, em estrito cumprimento á Deliberação CEE/SP 73/2008.
O impetrante, então, buscou , administrativamente junto ao impetrado Conselho afastar aquele ato da entidade particular de ensino,requerendo autorização para a matrícula, com razoável antecedência (fls. 50) e não obteve qualquer resposta até a propositura da demanda, o que caracterizou ato omissivo passível de correção por este mandamus, considerando os limites temporais para as matriculas escolares.
Assim, esta demanda visa afastar ato concreto emanado da impetrada escola particular e suprir (favoravelmente ao impetrante) a omissão do impetrado ente público que, não se pronunciando a tempo, ensejou situação concreta passível de questionamento neta demanda.
Quanto ao mérito, encontram-se presentes os requisitos legais que ensejam a concessão do “mandamus”. Pretende-se, por meio desta ação, garantir que a impetrante, que completará seis anos de idade em 14/07/2012, seja incluída no primeiro ano do ensino fundamental, fato que lhe foi obstado em razão do prazo máximo estabelecido pela Deliberação CEE/Sp 73/2008.
A impetrante já concluiu o estágio antecedente ao ensino fundamental e o seu pedido não visa “pular” fases da educação, mas tão somente assegurar que prossiga na evolução de seu processo educacional, iniciando o ciclo seguinte àquele já concluído. Os atos aqui impugnados implicariam na interrupção deste progresso, com a paralisação do processo de formação do impetrante e repetição de ciclos já superados por ele, a contento, simplesmente porque aniversaria dias após a “data limite” prevista na Deliberação, olvidando-se que o ano letivo não se limita ao primeiro semestre e que a idade exigida por lei já terá sido atingida em 2012, antes mesmo do segundo semestre.
Não há fundamento fático ou jurídico para os atos impugnados.
O direito da criança ao ensino fundamental está amplamente previsto em normas constitucionais e ordinárias, sem qualquer previsão quanto à “data limite” para implementação de idades pré-estabelecidas para inclusão da criança no ensino fundamental. Assim, veja-se a Lei Maior.
A educação é desde logo prevista como direito social, assim como a infância, conforme artigo 6º da Constituição Federal. O art. 205 da Carta da República eleva a educação ao grau de direito fundamental do individuo e a impõe como dever do Estado e da família, tendo por escopo o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho . Daí que a Educação é direito animado pelo princípio da UNIVERSALIDADE e, assim, é certo que não pode o Executivo estabelecer, por meio de seus Conselhos, normas que limitem esse direito fundamental.
O art. 206 firma os princípios do ensino, quais sejam, dentre outros: I- igualdade de condições para o acesso e permanência na escola. Adiante, o art. 208 especifica , no inciso I , educação básica obrigatória e gratuita dos quatro aos dezessete anos de idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria.
Como preleciona José Afonso da Silva, em sua consagrada obra “Curso de Direito Constitucional positivo”, em comentário ao mencionado artigo: “A educação, direito de todos e dever do estado e da família (arts. 295 e 227) significa, em primeiro lugar, que o Estado tem que aparelhar-se para fornecer, a todos, os serviços educacionais, isto é, oferecer ensino, de acordo com os princípios estatuídos na Constituição (art. 206), que ele tem que ampliar cada vez mais as possibilidades, de que todos venham a exercer igualmente esse direito e, em segundo lugar, que todas as normas da Constituição, sobre a educação e ensino, hão que ser interpretadas em função daquela declaração e no sentido de sua plena e efetiva realização”. As normas dos arts. 6º e 208 da Constituição da República , que asseguram a educação, dentre outros , como direito social e fundamental, nos termos do art. 5º, parágrafo primeiro, do mesmo diploma, têm plena eficácia, prescindem de regulamentações infraconstitucionais ou emanadas por outros Poderes que, de alguma forma, posterguem sua vigência ou limitem seu alcance.
Ora, a limitação quanto ao dia do aniversário da criança, dentro do mesmo ano letivo extrapola, em muito, a finalidade meramente regulamentar, para criar verdadeira LIMITAÇÃO de direitos de menores que completam os mesmos seis anos de idade ao longo do ano letivo, o que não tem amparo constitucional nem legal e não pode prevalecer, por manifesta afronta aos Princípios da Universalidade (acima explicitado) e da Igualdade, que devem animar o direito à educação.
Ressalta-se a letra expressa do art. 206, I, da C.F. que prevê “a igualdade de condições para acesso e permanência na escola", norma repetida, em idênticos termos, no art. 53, I, do E.C.A. Neste contexto legislativo, normas que teriam que ser meramente regulamentadoras - que impeçam o acesso ao mesmo nível de estudo por parte de crianças da mesma idade, em razão da diversidade de datas de natalícios no mesmo ano da matricula e quando ainda em curso o ano letivo, evidentemente violam este preceito.
Por conseqüência, ato administrativo escorado em tal norma é passível de correção, pela ação mandamental. O art. 54, da Lei 8069/90 repete a norma constitucional e impõe ao Estado o dever de assegurar à criança e ao adolescente: inc. I- ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não tiveram acesso na idade própria; IV: atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a cinco anos de idade e V: acesso aos níveis mais elevados de ensino, pesquisa e criação, segundo a capacidade de cada um. Verifica-se que nem na Lei Maior, nem no Estatuto da Criança e do Adolescente há qualquer referência a prazo para implementação dos seis anos de idade como requisito do acesso ao ensino fundamental. Mesmo a Lei de Diretrizes e Bases, em seu art. 32, prevê o ensino fundamental obrigatório, com duração de nove anos, gratuito, na escola pública, “iniciando-se aos 6(seis ) anos de idade, tendo por objetivo a formação básica do cidadão.”
Ora, nenhuma restrição, absolutamente,, foi feita quanto ao prazo máximo para implementação de tal idade. Não mencionou a Lei 9394/96 se os seis anos de idade para freqüência do primeiro ano devem ser completos ou não. Por que, então, a limitação para as crianças que atinjam os seis anos em uma ou em outra data? Não há qualquer justificativa pedagógica ou legal para a limitação. A conseqüência, sem dúvida é a exclusão de inúmeras crianças que se curvam à regra, com decorrente atraso e prejuízo em suas formações pedagógicas e sociais, quer na educação infantil, quer no estágio seguinte da educação, no ensino fundamental.
Como bem salientou o culto Promotor de Justiça oficiante, em suas alegações finais, a razão desta delimitação arbitraria e aleatoriamente estabelecida é política. Porém, no tema em julgamento, o direito fundamental sobrepõe-se à conveniência política. E limitação de crianças da mesma faixa etária apenas em razão da diversidade de datas de seus aniversários inquestionavelmente afronta o princípio da isonomia., previsto no art. 5º, da Constituição Federal.
No caso concreto em julgamento, o alto caráter limitador e discriminatório do ato impugnado torna-se ainda mais evidente porque, em razão do simples requisito objetivo consistente no aniversário da menor ocorrer cerca de um mês depois do previsto na norma regulamentadora (emanada de um braço do Poder Executivo Estadual) esta criança perderia um ano letivo inteiro no seu desenvolvimento escolar, social e pedagógico, tendo que freqüentar espaço físico e comunitário destinado aos pequenos da educação infantil.
Ora, se o direito social em julgamento deve ser sempre inclusivo, não se concebe tão desmotivada exclusão da criança impetrante do seu crescimento educacional.
Ressalte-se que em momento algum o impetrado apresentou outro fato que justificasse o ato, além da data do aniversário da impetrante, como inaptidão pessoal da criança para freqüentar o ensino fundamental. O impetrante, ao revés, demonstrou cabalmente, por documentos de conteúdo incontroverso (porque não impugnados) que está perfeitamente apta à promoção para o nível mais elevado da educação, pois concluiu na íntegra o estágio antecedente, da pré-escola, com aproveitamento e adequação (fls. 18/19).
Assim, a par da implementação dos seis anos de idade ainda na vigência do ano letivo pretendido, a ilegalidade do ato impugnado neste 'mandamus” torna-se ainda mais evidente porque ele vai frontalmente de encontro ao disposto no art. 208, inciso V, da Constituição Federal, que expressamente assegura o acesso a níveis mais elevados segundo a capacidade individual do interessado e é repetido na Lei 8069/90.
Acrescento, em face do conteúdo da defesa, que a correção da ilegalidade do ato aqui tratado não implica em violação à separação dos Poderes. Com efeito, o pedido deduzido, de afastamento de ato administrativo que se sustenta ilegal e arbitrário, pelo Poder Judiciário, tem previsão no ordenamento positivo pátrio e a via adequada para tanto é o mandado de segurança, na hipótese como a presente, em que se prescinde de dilação probatória.
É fato que o Poder Judiciário não pode substituir o Executivo ou o Legislativo em suas respectivas áreas de atuação, porém são mais certas ainda, além de constituir princípio básico e elementar do regime democrático,o a apreciação do Poder Judiciário e sua eventual intervenção, na hipótese de violação de direitos ou de normas legais, por parte de qualquer dos Poderes.
A questão que se coloca nesta demanda mandamental, atinente à correção ou não do ato administrativo impugnado merece apreciação do Poder Judiciário, para que se faça cumprir o princípio da legalidade e da inafastabilidade do controle judicial (arts. 5º, XXXV e 37 da Constituição Federal).
O tema posto refere-se à educação da criança, obrigação imposta ao estado em favor do menor, não passível de discricionariedade por parte do Poder Público, quer por meio de atos administrativos, quer pela edição de regulamentos, até porque, como os demais direitos da criança e do adolescente, goza de prioridade absoluta nas políticas públicas, por mandamento constitucional (art. 227, C.F.) .
O Superior Tribunal de Justiça já se pronunciou sobre o tema, no R.Esp. 753.565,/MS, Min. Luiz Fux, 1ª Turma, j. 27/03/2007, publicado no D.J. de 28/05/07, pg. 290: “ADMINISTRATIVO. CONSTITUCIONAL. ART. 127 da CF/88. ART 7º DA LEI 8069/90. DIREITO AOS ENSINO FUNDAMENTAL AOS MENORES DE SEIS ANOS “INCOMPLETOS”. NORMA CONSTITUCIONAL REPRODUZIDA NO ART. 54 DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. NORMA DEFINIDORA DE DIREITOS NÃO PROGRAMÁTICA. EXIGIBILIDADE EM JUÍZO. INTERESSE TRANSINDIVIDUAL ATIENTENTE ÀS CRIANÇAS SITUADAS NESSA FAIXA ETÁRIA. CABIMENTO E PROCEDÊNCIA.”
De igual sorte, apelação 9156811-20.2009.8.26.0000, da C. 13ª Câmara de Direito Público do Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo, j. 05.05.10, Rel. E. Des. Peretti de Godoy. Assim, a procedência desta ação mandamental é de rigor, para que se assegure à impetrante o direito de matrícula no 1º ano do ensino fundamental, para o qual demonstrou estar apta, já concluído todo o ciclo antecedente de sua formação educacional, evitando-se ilegal e irracional retrocesso em sua evolução como individuo. Ressalte-se que a impetrante completará os seis anos de idade previstos na L. D.B. no meio do ano letivo visado.
Por todo o exposto e considerando tudo o mais que dos autos consta, notadamente o judicioso parecer do Douto Promotor de Justiça oficiante nesta Vara, julgo procedente a ação e concedo a segurança, tornando definitiva a liminar concedida, para que os Impetrados afastem o óbice etário do impetrante para a matricula no primeiro ano do ensino fundamental, na escola apontada na inicial ou em outra escola de ensino fundamental, sob as penas da lei, mantendo, assim, a matrícula já efetivada por força da liminar, preenchidos os demais requisitos.
Isento de custas, ante a gratuidade da jurisdição.
Condeno os impetrados ao pagamento dos honorários advocatícios, que fixo em R$ 1.500,00, nos termos do art. 20, parágrafo 4º, do Código de Processo Civil.
Registre-se; Intimem-se e ciência ao M.P.
São Paulo, 14 de dezembro de 2011.
Gilda Cerqueira Alves Barbosa Amaral Diodatti
Juíza de Direito
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