CNJ x STF
Decisões que limitam poder do CNJ dividem opiniões no Poder Judiciário
Notícias do meio jurídico estamparam as manchetes dos principais jornais do país. Todos, claro, falando do imbróglio STF x CNJ. Isso porque na semana que antecedeu o Natal, dois ministros do STF movimentaram o Judiciário.
De fato, no dia 19/12, último dia antes do STF parar suas atividades, o ministro Marco Aurélio deferiu uma liminar que limitou os poderes do CNJ para investigar e punir juízes suspeitos de irregularidades. Pouco depois, foi a vez do ministro Ricardo Lewandowski suspender liminarmente uma investigação que a corregedoria nacional da Justiça, órgão do CNJ, realizava em folhas de pagamento de 22 Tribunais do país.
Durante o período das festas natalinas, não se falou de outra coisa nos jornais. Veja abaixo.
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O Estado de S. Paulo
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Folha de S.Paulo
Novo presidente do TJ-SP defende decisão que limita atuação do CNJ
Para Ivan Sartori, conselho deveria ser instância de recurso para juízes investigados nos Estados
Desembargador nega falta de transparência no Judiciário paulista e descarta divulgação de relação de pagamentos
UIRÁ MACHADO
DE SÃO PAULOO presidente eleito do Tribunal de Justiça de São Paulo, Ivan Sartori, defende a decisão provisória que limitou os poderes de investigação do Conselho Nacional de Justiça e nega que falte transparência ao Judiciário paulista.
Sartori, 54, tomará posse no próximo dia 2. Assumirá o TJ-SP em meio a uma crise que coloca sob suspeita ao menos 17 de seus membros.
Segundo o CNJ, são desembargadores que podem ter recebido irregularmente até R$ 1 milhão cada um.
"Vamos abrir um procedimento para examinar isso. Vou chamar um a um", afirma Sartori em entrevista à Folha. "[Mas] não sou favorável a divulgar os nomes. Isso não vai trazer nada de positivo para a apuração."
Alguns desembargadores defenderam a divulgação dos nomes para acabar com "acusações genéricas".
Atualmente, a investigação sobre a folha de pagamento do TJ-SP e de outros 21 tribunais está suspensa por decisão provisória do ministro do Supremo Tribunal Federal Ricardo Lewandowski.
Ele atendeu a pedido de três associações de juízes, para as quais o CNJ vinha atuando inconstitucionalmente.
Também a pedido de uma associação de magistrados, o ministro Marco Aurélio Mello deu liminar determinando que o CNJ não pode investigar juízes antes da atuação das corregedorias locais.
O novo presidente do TJ-SP defende as decisões: "O poder do CNJ não foi diminuído. Foi colocado nos devidos termos (...) O [conselho] não pode querer ser um superorganismo que envolve toda a Justiça, até porque não tem estrutura para fazer isso".
Para Sartori, o CNJ precisa ser uma instância acima das corregedorias para assegurar aos juízes investigados o direito de recorrer das decisões.
"E não há prejuízo, porque o conselho tem condições de fiscalizar as corregedorias."
De acordo com ele, a discussão foi polarizada de forma equivocada. "Todos querem a apuração, só que uns querem fazer de um modo, outros querem que sejam respeitadas as garantias constitucionais", diz Sartori.
Na semana passada, a corregedora nacional de Justiça afirmou que o trabalho do CNJ só gerou polêmica quando chegou no TJ-SP. Sartori responde com um desafio: "Eu quero que me digam qual caso não foi apurado".
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Para conselheiro do CNJ, decisão do Supremo é 'corretíssima'
FREDERICO VASCONCELOS
DE SÃO PAULOO juiz federal Fernando Tourinho Neto, membro do Conselho Nacional de Justiça, considera "corretíssima" a decisão provisória do ministro do Supremo Tribunal Federal Marco Aurélio Mello.
Para ele, o STF manterá a liminar, pois "não vai deixar a corregedoria do CNJ ser um poder autoritário, ditatorial, enfim um monstro, porque no final vai ser difícil liquidá-lo".
Em viagem de férias a Orlando (EUA), Tourinho Neto disse não ver problemas no fato de a decisão ter sido tomada na véspera do recesso do Judiciário.
Ele afirma que Marco Aurélio tentou levar o debate ao plenário da corte, mas os colegas diziam que seria melhor esperar. "Evidentemente, essa questão não deveria ficar para o próximo ano", diz.
Tourinho Neto é vice-presidente da Ajufe (Associação dos Juízes Federais do Brasil), entidade que tem criticado a conduta de Eliana Calmon, corregedora nacional de Justiça.
Conforme a Folha mostrou no sábado, um grupo de juízes federais condena a atuação da Ajufe. Para Tourinho Neto, essa reação é fruto do processo eleitoral da entidade.
No último dia 11, em entrevista ao blog "Interesse Público", da Folha, Tourinho Neto havia afirmado ser "uma excrescência, uma inconstitucionalidade" a corregedoria do CNJ investigar como se estivesse agindo judicialmente.
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Esvaziar o CNJ é um retrocesso, diz Jobim
Para ex-presidente do STF, ação contra órgão leva o Judiciário a isolamento
Em artigo inédito, ex-ministro diz que em nenhum Poder a necessidade de controle "é tão pronunciada"
Em artigo ainda inédito, o ex-presidente do Supremo Tribunal Federal Nelson Jobim classifica como um retrocesso a tese que esvazia os poderes de investigação do Conselho Nacional de Justiça.
No texto, que deve ser publicado na próxima edição da revista "Interesse Nacional", Jobim diz que em nenhum Poder a necessidade de controle "é tão pronunciada quanto no Judiciário".
Sem citá-la diretamente, Jobim debate a decisão do ministro do STF Marco Aurélio Mello, que, na segunda-feira passada, avaliou que o CNJ não pode tomar a iniciativa de investigar juízes antes das corregedorias locais.
A decisão de Marco Aurélio, de caráter provisório, poderá ser revista no ano que vem, quando os ministros do STF se reunirão para discutir a ação da Associação dos Magistrados Brasileiros.
Para a AMB, o CNJ, que investigava a folha de pagamento de juízes nos Estados, atuava de maneira inconstitucional e em desrespeito à independência do Judiciário.
Jobim, no artigo, diz que "em nenhum momento as associações de magistrados aceitaram" um órgão como o conselho, criado para fazer o controle do Judiciário.
Primeiro presidente do CNJ, Jobim diz que a tese da subsidiariedade - pela qual o órgão deve se limitar a julgar recursos de investigações sobre juízes iniciadas nos tribunais - é regressista e leva o Judiciário ao isolamento.
Se prevalecer essa tese, "o CNJ passará a ser órgão dependente de ações prévias -de duvidosa ocorrência e transparência- dos tribunais", afirma o ex-ministro.
Jobim também diz que os argumentos contra o CNJ repetem um debate corporativo recorrente no Brasil.
"As elites dos Estados federados debatem-se para impedir que seus pretendidos espaços sejam objeto de exame por órgão com visibilidade nacional", escreve.
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Crise no CNJ reabre debate sobre falta de transparência na Justiça
Uirá Machado
De São PauloA crise que abalou a cúpula do Judiciário nesta semana trouxe novamente à tona a discussão sobre a transparência da Justiça brasileira.
O debate foi deflagrado na segunda-feira, quando dois ministros do Supremo Tribunal Federal, em decisões provisórias, esvaziaram os poderes de investigação do Conselho Nacional de Justiça.
As liminares atenderam a pedidos feitos por três associações de juízes. Elas afirmam que o CNJ atuava de forma inconstitucional.
A polêmica é tão antiga quanto a própria criação do conselho, instalado em 2005 como órgão de controle externo do Poder Judiciário.
Ex-secretário de Reforma do Judiciário, Sérgio Renault estava no cargo quando foi aprovada a criação do órgão. "O CNJ surgiu para investigar juízes de forma autônoma", diz. "A resistência à época foi grande, e agora ela renasce, talvez porque ele estivesse cumprindo o seu papel."
A primeira decisão contra o CNJ foi do ministro Marco Aurélio Mello. Ele avaliou que o órgão não pode tomar a iniciativa de investigar juízes antes das corregedorias locais.
Depois, seu colega Ricardo Lewandowski suspendeu apuração sobre a folha de pagamento de servidores do Judiciário em 22 tribunais. O CNJ averiguava movimentações financeiras atípicas.
As duas decisões foram concedidas em caráter provisório e poderão ser revistas no ano que vem, quando os ministros do Supremo se reunirem para julgar as ações que motivaram as liminares.
Na sexta-feira, as três principais associações de juízes do país pediram à Procuradoria-Geral da República que abra uma investigação sobre a conduta da corregedora nacional de Justiça, ministra Eliana Calmon.
Para o cientista político Cláudio Gonçalves Couto, as decisões são "uma reação corporativa de uma instituição historicamente fechada e que está em descompasso com o resto da sociedade".
Couto diz que a forma como as liminares foram dadas --no último dia antes do recesso de fim de ano dos juízes-- indica uma estratégia para resistir às pressões.
"Se olharmos bem, as prerrogativas do Judiciário vão sempre ao extremo, é um Poder que se percebe como diferente da sociedade", diz.
O ex-presidente do STF Carlos Velloso não vê problemas nas liminares. Ele diz que ambas estão em acordo com a lei e serão avaliadas pelo plenário do Supremo quando ele voltar do recesso.
Para Velloso, a decisão de Marco Aurélio concilia a autonomia dos tribunais com a atuação do CNJ, já que este continuaria agindo como espécie de instância recursal das corregedorias locais. "Também não vejo prejuízo para as investigações, pois janeiro é um mês de férias nos tribunais superiores", diz.
Dalmo Dallari, professor aposentado da Faculdade de Direito da USP, discorda. Em sua opinião, a decisão de Marco Aurélio contraria o dispositivo constitucional que trata das atribuições do CNJ. "É uma tentativa de esvaziar o conselho, mentalidade até corrente no Judiciário. Os juízes estavam acostumados com as corregedorias locais, que muitas vezes agiam de forma corporativa", diz.
O advogado Ives Gandra da Silva Martins também contesta as liminares: "Admiro, respeito e reconheço a idoneidade dos ministros, mas as decisões foram equivocadas."
Martins lembra que, desde sua criação, o CNJ já teve outros três presidentes (todos ministros do Supremo) e dezenas de conselheiros. "Não é possível que todos tenham se enganado quanto à competência do órgão."
A cientista política Maria Tereza Sadek diz que as decisões desgastam o Judiciário, que termina o ano com a imagem arranhada.
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Juízes defendem corregedora do CNJ e expõem racha da categoria
FREDERICO VASCONCELOS
DE SÃO PAULO
FILIPE COUTINHO
DE BRASÍLIA
Um grupo de juízes federais começou a coletar ontem assinaturas para um manifesto público condenando as críticas feitas pela Ajufe (Associação dos Juízes Federais do Brasil) à atuação da corregedora nacional de Justiça, ministra Eliana Calmon.
"Entendemos que a agressividade das notas públicas da Ajufe não retrata o sentimento da magistratura federal. Em princípio, os juízes federais não são contrários a investigações, promovidas pela corregedora. Se eventual abuso investigatório ocorrer é questão a ser analisada concretamente", afirma o manifesto, para realçar que "não soa razoável, de plano, impedir a atuação de controle da corregedoria".
A ideia surgiu em lista de discussão de magistrados federais na internet. Foi proposta pelo juiz federal Rogério Polezze, de São Paulo.
Ganhou adesões após a manifestação do juiz Sergio Moro, do Paraná, especializado em casos de lavagem de dinheiro, não convencido de que houve quebra de sigilo de 200 mil juízes.
"Não estou de acordo com as ações propostas no STF nem com as desastradas declarações e notas na imprensa", disse Moro. "É duro como associado fazer parte dos ataques contra a ministra."
"Não me sinto representado pela Ajufe, apesar de filiado", afirmou o juiz federal Jeferson Schneider, de Mato Grosso Paraná, em mensagem na lista de discussão dos juízes. Marcello Enes Figueira disse que "assinava em baixo do que afirmou o colega Sergio Moro".
O juiz federal Odilon de Oliveira, de Campo Grande (MS), também aderiu, afirmando que "entregar" a ministra era um "absurdo" que a Ajufe cometia. "A atitude da Ajufe, em represália à ministra é inaceitável", diz o juiz Eduardo Cubas, de Goiás.
O juiz Roberto Wanderley Nogueira, de Pernambuco, criticou as manifestações das entidades. E disse que "a ministra não merece ser censurada, e tanto menos execrada pelos seus iguais, pois seu único pecado foi ser implacável contra a corrupção".
O presidente da Ajufe, Gabriel Wedy, atribuiu a iniciativa à proximidade das eleições para renovação da diretoria da Ajufe, em fevereiro. "É um número bastante pequeno, diante de 2.000 juízes federais", disse. "São manifestações democráticas e respeitamos o direito de crítica."
A Ajufe e outras duas associações de juízes entraram ontem com representação na Procuradoria-Geral da República contra Calmon, para que seja investigada sua conduta na investigação sobre pagamentos atípicos a magistrados e servidores.
Para os juízes, a ministra quebrou o sigilo fiscal dos investigados, ao pedir que os tribunais encaminhassem as declarações de imposto de renda dos juízes.
"Não se pode determinar ou promover a 'inspeção' das 'declarações de bens e valores' dessas pessoas, porque tais declarações são sigilosas e não poderiam ser objeto de qualquer exame por parte da corregedora nacional de Justiça", diz a representação.
Calmon não comentou a representação dos juízes. Anteontem, a ministra disse que os magistrados e servidores são obrigados a entregar aos tribunais todo ano a declaração de Imposto de Renda.
Segundo Calmon, os dados são entregues aos tribunais justamente para que a corregedoria tenha acesso, e não para "ficarem dentro de arquivos".
O objetivo da corregedora é cruzar as informações com levantamento do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), que apontou 3.438 juízes e servidores com movimentações atípicas.
A polêmica começou quando o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Ricardo Lewandowski mandou parar a investigação no Tribunal de Justiça de São Paulo, primeiro alvo da corregedoria do CNJ.
Os juízes então passaram a acusar a ministra Eliana Calmon de quebrar o sigilo de todos os magistrados e servidores que foram alvo da varredura do Coaf, um total de mais 200 mil pessoas. A ministra rebateu e disse que as acusações são uma maneira de tirar o foco da investigação do CNJ.
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O Globo
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