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Estado tem responsabilidade objetiva sobre a gestão da carteira do IPESP

O STF julgou procedente em parte a ADIn 4.429 proposta pela OAB, a qual contestou um dispositivo da lei 13.549/09, que eximiu o Estado de SP da responsabilidade pela Carteira de Previdência dos Advogados do IPESP.

15/12/2011

Previdência

Estado tem responsabilidade objetiva sobre a gestão da carteira do IPESP

O STF julgou procedente em parte a ADIn 4.429 proposta pela OAB, a qual contestou um dispositivo da lei 13.549/09 (clique aqui), que eximiu o Estado de SP da responsabilidade pela Carteira de Previdência dos Advogados do IPESP.

A ADIn foi relatada pelo ministro Marco Aurélio de Melo, que determinou o julgamento definitivo da ação, sem prévia análise liminar. Conjuntamente foi julgada a ADIn 4291, que pedia a revogação da lei originalmente impugnada.

Segundo o presidente do Conselho da Carteira de Previdência dos Advogados, Marcio Kayatt, o STF afastou a questão sobre a inconstitucionalidade da lei como um todo, pois entendeu que a solução encontrada pelo Legislativo estadual não feria a CF/88 (clique aqui).

Kayatt, explica que a "decisão reconhece a inconstitucionalidade do parágrafo 2º, do artigo 2º, da lei 13.549/09 e declara que o Estado tem responsabilidade objetiva sobre a gestão da Carteira . E todos os beneficiários da Car teira que se considerem lesados nesses mais de 50 anos de contribuições podem ingressar com pedido de indenização".

Histórico

Os problemas da Carteira de Previdência dos Advogados - que registrava 32 mil inscritos ativos e 3.493 aposentados e pensionistas - começaram em dezembro de 2003, quando a ALESP promulgou a lei de custas, que estabeleceu um novo mecanismo nas cobranças das custas no Estado de sp, acabando com o repasse destas verbas para a carteira. Com isso, a carteira perdeu uma das principais fontes financeira, que representava aproximadamente 70% da receita. Com a EC 45, que estabeleceu que as custas processuais são da Justiça na sua integralidade, SP teve de se adequar a essa nova legislação.

A ALESP, então, discutiu e aprovou o PL 236/09, que criou a SPPrev, para gerir o plano de previdência do funcionalismo público do Estado e o governo propôs a extinção do IPESP, o que levaria os advogados contribuintes a perderem benefícios na carteira de previdência e os contribuintes que ainda não tinham se aposentado, perderiam todo o dinheiro de suas contribuições.

Depois de um processo de negociação com o Governo, ALESP e Ministério da Previdência, as entidades representativas dos advogados, OAB/SP, IASP e AASP, conseguiram chegar a um acordo e a assembleia aprovou uma emenda aglutinativa substitutiva ao PL 236/09.

Pela medida aprovada na ocasião, com algumas mudanças, a carteira de previdência dos advogados do IPESP será mantida, até atender ao último advogado inscrito, numa estimativa de 80 anos. Todavia, o Estado não teria responsabilidade sobre ela.

Agora o STF acolhendo a tese da Ordem, imputa ao Estado de SP sua responsabilidade para com a carteira. A receita da carteira de previdência dos advogados é constituída atualmente pela contribuição dos segurados, taxa de juntada de procuração recolhida pelos advogados, doações, legados recebidos e rendimentos patrimoniais e financeiros.

Leia abaixo a íntegra do voto do ministro Marco Aurélio.

________

14/12/2011 PLENÁRIO

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 4.291 SÃO PAULO

V O T O

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (RELATOR) – Faço um breve histórico da legislação relativa ao objeto da ação direta, para melhor elucidação da controvérsia.

Por meio da Lei estadual nº 5.174, de 1959, a Carteira de Previdência dos Advogados de São Paulo foi criada e dotada, consoante o artigo 1º, de autonomia financeira e patrimônio próprio, com finalidade de prover aposentadoria aos participantes e pensões aos respectivos dependentes.

Eis o teor do preceito:

Artigo 1º Fica criada, no instituto de previdência do Estado de São Paulo, uma carteira autônoma denominada “carteira de Previdência dos Advogados de São Paulo”, dotada de patrimônio próprio, tendo por objetivo proporcionar aposentadoria e pensão aos seus beneficiários na forma estabelecida por esta lei.

Com a edição da Lei estadual nº 10.394, de 1970, a Carteira foi reformulada e a adesão dos advogados ao regime tornou-se facultativa. O Instituto de Previdência do Estado de São Paulo, não obstante, continuou na qualidade de administrador, mantendo-se a autonomia financeira e patrimonial do Fundo, nos termos da legislação anterior:

Artigo 1º A Carteira de Previdência dos Advogados de São Paulo, sob a administração do Instituto de Previdência do Estado de São Paulo, é financeiramente autônoma com patrimônio próprio, passando a reger-se por esta lei.

Como revela o artigo 40 da referida norma, o patrimônio da Carteira dos Advogados era constituído das seguintes fontes de custeio:

Artigo 40 A receita da Carteira é constituída:

I - da contribuição mensal do segurado;

II - da contribuição mensal do aposentado;

III - da contribuição a cargo do outorgante de mandato judicial;

IV - das custas que a lei atribui à Carteira;

V - das doações e legados recebidos;

VI - dos rendimentos patrimoniais e financeiros da Carteira.

A edição da Lei estadual nº 11.608, de 29 de dezembro de 2003, obstou o repasse das verbas oriundas de custas judiciais e suprimiu, segundo alegado, cerca de 80% da receita da carteira, o que implicou grave desequilíbrio atuarial.

À época, vale dizer, o Supremo já tinha entendimento consolidado no sentido da impossibilidade da destinação do produto da arrecadação das custas judiciais a finalidades incompatíveis com as quais tais recursos se destinam, sob pena de subverter o objetivo institucional do tributo.

Precedentes: Ações Diretas de Inconstitucionalidade nº 1.378, relator Ministro Celso de Mello, acórdão veiculado no Diário da Justiça de 30 de maio de 1997, e nº 2.040, relator Ministro Maurício Corrêa, acórdão publicado em 25 de fevereiro de 2000.

Posteriormente, a Emenda Constitucional nº 45, de 2004, modificou o artigo 98, § 2º, da Carta Federal. Consoante a redação atual do preceito, as custas e emolumentos são voltados, exclusivamente, ao custeio de serviços afetos às atividades específicas da Justiça.

Sobreveio a Lei Complementar estadual nº 1.010, de 2007, mediante a qual foi criada a São Paulo Previdência – SPREV e colocado em extinção o Instituto de Previdência do Estado de São Paulo. Assim dispõe o artigo 40 da norma referida:

Artigo 40 A SPPREV deverá estar instalada e em pleno funcionamento, tendo assumido a administração e execução de todas as atividades que lhe são conferidas nos termos desta lei complementar, inclusive no que se refere aos Poderes Judiciário e Legislativo, e ao Ministério Público, em até 2 (dois) anos após a publicação desta lei complementar, período no qual os órgãos, entidades e unidades dos Poderes Executivo, Judiciário e Legislativo, e do Ministério Público, deverão fornecer à SPPREV, mensalmente, as informações relativas a dados cadastrais e folha de pagamento dos seus membros e servidores públicos, ativos e inativos, dos militares do serviço ativo, dos agregados ou licenciados, da reserva remunerada ou reformados, necessárias ao atendimento das exigências contidas na Lei federal nº 9.717, de 27 de novembro de 1998, com alterações introduzidas pela Lei federal nº 10.887, de 18 de junho de 2004, e regulamentação própria.

§ 1º Concluída a instalação da SPPREV fica extinto o IPESP, sendo suas funções não previdenciárias realocadas em outras unidades administrativas conforme regulamento.

§ 2º As funções previdenciárias da CBPM serão transferidas para a SPPREV, permanecendo a CBPM com as suas funções não previdenciárias, na forma a ser definida em regulamento.

Por meio da lei impugnada, declarou-se a Carteira dos Advogados paulistas em regime de extinção e conferiu-se ao Estado de São Paulo a função de indicar liquidante dentre as entidades da administração indireta:

Artigo 2º [...]

§ 1º A Carteira dos Advogados será administrada por liquidante, a ser designado pelo Governador dentre entidades da administração indireta do Estado.

A lei atacada também previu a exclusão de responsabilidade do Poder Público estadual pela quitação de benefícios presentes ou futuros ou pelo pagamento de eventuais indenizações. Nesse ponto, entretanto, não inovou no ordenamento jurídico estadual, haja vista o texto do respectivo artigo 2º, § 2º, ter reproduzido, na essência, o conteúdo normativo do artigo 55, parágrafo único, da Lei estadual revogada.

Transcrevo os dispositivos em comento:

Artigo 55, parágrafo único, da Lei estadual nº 10.394, de 1970

Pelos atos que o Instituto de Previdência praticar de acordo com esta lei, responderá exclusivamente o patrimônio da Carteira.

Artigo 2º, § 2º, da Lei estadual nº 13.549, de 2009 Em nenhuma hipótese o Estado, incluindo as entidades da administração indireta, responde, direta ou indiretamente, pelo pagamento dos benefícios já concedidos ou que venham a ser concedidos no âmbito da Carteira dos Advogados, nem tampouco por qualquer indenização a seus participantes ou insuficiência patrimonial passada, presente ou futura.

A própria Lei estadual revogada atribuía ao Instituto de Previdência do Estado a responsabilidade pelo equilíbrio atuarial da carteira, nos seguintes termos:

Artigo 53 O chefe do serviço atuarial do Instituto de Previdência do Estado representará ao Presidente dessa autarquia sempre que, em decorrência de estudos atuariais, ficar demonstrada a necessidade de reajuste das fontes de receita da Carteira para que possam ser pagos integralmente os benefícios, nas bases previstas nesta lei.

Artigo 54 O Presidente do Instituto, verificada a insuficiência dos fundos de reserva da Carteira representará ao Secretário de Estado a que a autarquia estiver vinculada no prazo improrrogável de 30 (trinta) dias, contados do recebimento da manifestação do chefe do serviço atuarial, solicitando a alteração das fontes de receita.

Da leitura do texto constitucional primitivo, não se observa proibição à previdência complementar pública. Segundo o então artigo 201, § 7º, caberia à Previdência Social manter seguro coletivo, de caráter complementar e facultativo, custeado por contribuições adicionais.
O § 8º do mesmo dispositivo vedava a subvenção ou o auxílio do Poder Público às entidades privadas com fins lucrativos. Eis o teor dos citados preceitos:

Art. 201 Os planos de previdência social, mediante contribuição, atenderão, nos termos da lei, a:

[...]

§ 7º A previdência social manterá seguro coletivo, de caráter complementar e facultativo, custeado por contribuições adicionais.

§ 8º É vedado subvenção ou auxílio do Poder Público às entidades de previdência privada com fins lucrativos.

Diante do quadro, afasto o argumento de não haver a Carta de 1988 recepcionado o regime instituído para a Carteira dos Advogados do Estado de São Paulo. Apesar de voltado à proteção social de profissionais sem vínculo com o Estado, foi instituído pelo Poder Público, o que lhe retira o caráter de previdência privada e a finalidade lucrativa. À época, o texto constitucional, na redação original do artigo 201, § 7º e § 8º, viabilizava a gestão de fundo de previdência complementar por ente da administração indireta estadual. Nessa linha, menciono o julgamento do Recurso Extraordinário nº 186.389, relator Ministro Sydney Sanches, acórdão veiculado em 19 de dezembro de 1996. A óptica prevalecente ficou assim resumida:

DIREITO CONSTITUCIONAL E PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO ("APOSENTADORIA") CONCEDIDO A VEREADORES DE PORTO ALEGRE – RIO GRANDE DO SUL, POR LEIS MUNICIPAIS POSTERIORMENTE MODIFICADAS - DIREITO ADQUIRIDO - CUSTEIO. ENTIDADE PREVIDENCIÁRIA OFICIAL. - ARTIGOS 201, § 8º, 37, "CAPUT", e 5º, INCISO XXXVI, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO.

1. Não é de ser reconhecida a ocorrência de violação ao § 8º do art. 201 da Constituição Federal, segundo o qual é vedada subvenção ou auxílio do poder público às entidades de previdência privada com fins lucrativos. É que, no caso, o "Fundo de Previdência da Câmara Municipal de Porto Alegre", entidade oficial, criada por lei municipal, não tem fins lucrativos. Súmula 279.
2. Sendo as Leis instituidoras do benefício anteriores à Constituição Federal de 05.10.1988, não é de ser acolhida a alegação de que violaram o "caput" de seu artigo 37, no ponto em que determina a observância do princípio da moralidade. Se é certo que esse princípio se encontrava ínsito na C.F. de 1967 e na E.C. nº 1/69, verdade também é, por outro lado, que o R.E. do Município, quanto a esse ponto, não indica, como violadas, as normas respectivas, que o conteriam.
3. O que mais importa, então, tanto no julgamento do R.E. do Município de Porto Alegre, quanto no do R.E. do Fundo e demais autores, é a verificação da ocorrência, ou não, de violação ao princípio constitucional tutelar do direito adquirido, ou seja, se o acórdão recorrido violou o inciso XXXVI do art. 5º da C.F. de 1988, seja ao reconhecer a existência desse direito, no caso, seja ao fazê-lo nos termos em que o fez.
4.
Como demonstraram os acórdãos da Apelação e dos Embargos Declaratórios, a interpretação e a aplicação das Leis novas não podiam atingir os autores que já haviam preenchido os requisitos para a obtenção do benefício, segundo a legislação contemporânea, pois tinham direito adquirido a esse respeito.
5.
Sucede, porém, que tais julgados, embora reconhecendo, em tese, o direito adquirido, não lhe deram a devida extensão.
6.
Com efeito, não basta assegurar-se que a contribuição do Município seja de "10% dos subsídios de um Vereador, para cada participante já com direito adquirido, incluídas as parcelas em atraso, desde 1º de janeiro de 1989", como se determinou no acórdão dos Embargos Declaratórios. Para que o direito dos autores seja preservado, é necessário que a Lei do tempo, em que preencheram os requisitos para o benefício, seja respeitada, ou seja, a Lei nº 4.012, de 27.08.1975, com as alterações aqui não impugnadas. 8. R.E. dos autores conhecido, em parte, e, nessa parte, provido, para tal fim. R.E. do Município não conhecido.
Tudo nos termos do voto do Relator. Decisão unânime.
9. Precedente do S.T.F.: RTJ - 112/691.

Assim, mostra-se imprópria, no caso, a discussão sobre a preservação de direito adquirido ou de ato jurídico perfeito contra a Carta de 1988, pois o texto constitucional originário recepcionou o regime previdenciário regulado pela Lei nº 10.394, de 1970.

Sobreveio, porém, a Emenda Constitucional nº 20, de 1998, a disciplinar a previdência complementar, nos artigos 40 e 202 da Constituição da República. A partir de então, a Carteira de Previdência dos Advogados de São Paulo deixou de encontrar suporte no Diploma Maior. O regime, a esta altura, não se identifica com nenhum dos modelos previstos na Carta Política. Embora exerçam função pública essencial à administração da Justiça, é certo não serem os advogados servidores públicos titulares de cargos efetivos. Então, o regime instituído mediante o artigo 40 da Lei Fundamental não os alcança ou a qualquer outro profissional liberal que, no âmbito privado, exerça função de interesse público. Não podem mais participar de entidade fechada de previdência privada patrocinada por ente público, consoante o artigo 202, § 3º, da Carta Federal:

§ 3º É vedado o aporte de recursos a entidade de previdência privada pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, suas autarquias, fundações, empresas públicas, sociedades de economia mista e outras entidades públicas, salvo na qualidade de patrocinador, situação na qual, em hipótese alguma, sua contribuição normal poderá exceder a do segurado.

A situação é peculiar. A partir da Emenda Constitucional nº 20, de 1998, o regime criado pela Carteira de Previdência dos Advogados de São Paulo perdeu amparo jurídico. Mais: nos moldes revelados pela jurisprudência do Supremo, no sentido da vedação do repasse de verbas oriundas de custas judiciais a finalidades diversas do custeio da máquina judiciária, e pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004, o Fundo ficou desprovido da principal fonte de custeio. A Lei estadual que proibiu a transferência das verbas provenientes do recolhimento de custas judiciais à Carteira visou apenas a adequação do ordenamento jurídico estadual ao texto constitucional.

Ante o quadro, restaram à Carteira Previdenciária duas possibilidades: a adequação das fontes de custeio e das regras da Carteira ao regime complementar inaugurado com a reforma da Previdência ou a liquidação. Nenhuma das alternativas, entretanto, poderia desconsiderar o primado da segurança jurídica e as consequências que o respeito a este princípio implica.

No julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.104/DF – relatora Ministra Cármen Lúcia, acórdão veiculado no Diário da Justiça de 8 de novembro de 2007 –, consignei que, embora seja possível a modificação do regime jurídico em âmbito previdenciário, não cabe levar às últimas consequências essa admissão, sob pena de ingressar-se na seara do fascismo, com a supremacia, sem balizas, do próprio Estado. A relação jurídico-previdenciária é tipicamente de longa duração. O participante de um plano de previdência, normalmente, só desfruta do benefício após extenso período de contribuição, tornando-se, à medida que corre o tempo, um cliente cativo da carteira. Afirmo isso porque, pressupondo o usual e não o teratológico, a desvinculação de um plano de previdência, depois de determinado período, resulta em prejuízo ao participante quando comparada à permanência, ainda que as contribuições sejam resgatadas. Com o passar dos anos, aumenta a situação de hipossuficiência. Alguém vinculado a um fundo, por vinte e cinco anos, por exemplo, ainda vê largo tempo diante de si para usufruir de qualquer benefício, mas, simultaneamente, terá enorme desvantagem se desvincular-se. Em consequência, a liberdade de escolha – sair ou manter-se no plano em razão da modificação de regras – é reduzida, e o Direito não o pode deixar ao desamparo.

Por outro lado, como toda relação jurídica de longa duração, a previdenciária é, de certo modo, aberta, por ser impossível prever, desde logo, todas as mudanças sociais, econômicas e científicas que poderão desequilibrar o vínculo e exigir adaptação. Ante as inúmeras situações passíveis de alterar o suporte fático sobre o qual a relação jurídica foi criada, a expectativa de alguma modificação de regras para restabelecer o equilíbrio entre direitos e obrigações é implícita, seja a relação de natureza contratual, seja estatutária.

A adequação, no entanto, não pode olvidar princípios como os da confiança, da solidariedade, da responsabilidade e da segurança. A par desse aspecto, ao avaliar a conformidade dessas mudanças com o Direito, o intérprete deve sempre indagar a quem competia, no vínculo, assumir o risco, pois, embora a restauração do equilíbrio financeiro e atuarial do plano previdenciário mostre-se um imperativo sistêmico, isso não quer dizer que o ônus deva recair sobre o participante.

Constatada a impossibilidade de cobrir o déficit atuarial, não implica inconstitucionalidade lei mediante a qual se colocou a Carteira em regime de liquidação extrajudicial. Não exigem os preceitos do § 4º e cabeça do artigo 202 da Carta da República a edição de lei complementar para tanto, pois as normas a que aludem são as Leis Complementares nº 108 e nº 109, de 2011, voltadas a estabelecer regras gerais para o regime de previdência privado. Além disso, a criação ou a extinção de autarquia estadual não pressupõem lei complementar.

Contudo, a modificação da realidade, por mais grave, não se pode impor à força normativa da Carta da República. Uma coisa é afirmar a alteração ou a supressão de certo regime jurídico, respeitada a razoabilidade. Algo diverso é colocar em segundo plano direitos adquiridos e, digo mais, situações subjetivas já reconhecidas. Se formos ao inciso IV do § 4º do artigo 60 da Carta Federal, constataremos uma dualidade: a proteção, no tocante a emendas, faz-se presente considerados direitos e garantias.

Assim, incumbe ressaltar, desde logo, que as novas regras instituídas pela norma impugnada são inaplicáveis a quem, na data da publicação da Lei estadual nº 13.549, de 2009, já estava em gozo de benefício ou já tinha cumprido, com base no regime instituído pela Lei nº 10.394, de 1970, os requisitos necessários à concessão. É exigível a viabilidade do exercício do direito na forma como regulado antes da liquidação, ainda que se precise repassar verbas públicas do Estado de São Paulo para cobrir o déficit matemático.

Na extinção da Carteira de Previdência, como preconizado na norma atacada, não se pode desconsiderar o estreito vínculo existente, desde a criação, entre o Estado de São Paulo e o respectivo Fundo. Deve-se atentar para a singularidade do regime instituído. Surgiu, criado por lei, como um plano de previdência para os advogados do Estado. Posteriormente, apesar de transformado em típico regime especial de previdência complementar, continuou estritamente regulado por lei estadual. Além disso, a instituição gestora da Carteira dos Advogados paulistas sempre foi entidade pública, cuja responsabilidade pela inviabilidade financeira e jurídica descabe imputar aos participantes. Mesmo a norma atacada, por meio da qual se decretou a liquidação do Fundo, atribuiu a responsabilidade pela gestão da liquidação a ente da administração indireta daquele Estado.

Há situação previdenciária singular, criada e fomentada pelo próprio Poder Público, cuja modificação da realidade jurídica implicou a necessidade de liquidação do Fundo. O procedimento de liquidação, embora legítimo quanto ao fim, não o é quanto ao meio pelo qual implementado. Imputa aos participantes todo o ônus da preservação do equilíbrio financeiro, até o efetivo término da Carteira, olvidando-se que à Administração Pública incumbia também suportar o risco decorrente da modificação do ordenamento jurídico no transcurso dos anos. Não é o artigo 55, parágrafo único, da Lei estadual nº 10.394, de 1970, suficiente ao afastamento da responsabilidade, ante a natureza pública da principal fonte de custeio do Fundo – as custas – e a gestão histórica por ente da Administração Pública.

Não têm os participantes o dever jurídico de arcar com os prejuízos da ausência da principal fonte de custeio da Carteira, mesmo que a Administração Pública, no tocante à decisão de extingui-la, tenha atuado dentro dos limites da licitude. A lesão indenizável resulta dos efeitos da posição administrativa e das características híbridas do então regime previdenciário, e não propriamente da atuação regular ou irregular da Administração. É antiga a jurisprudência do Supremo sobre a possibilidade de configuração da responsabilidade do Estado, ainda que o ato praticado seja lícito. Tal entendimento vem sedimentado no princípio basilar da igualdade, segundo o qual descabe imputar a particulares individualizáveis os encargos sociais decorrentes da atuação administrativa implementada em prol de toda a coletividade. Em caráter exemplificativo, cito o acórdão atinente ao Recurso Extraordinário nº 113.587, relator Ministro Carlos Velloso, publicado em 3 de abril de 1992.

Ante o quadro, acolho parcialmente o pedido para:

a) declarar a inconstitucionalidade dos § 2º e § 3º do artigo 2º da Lei nº 13.549, de 2009, do Estado de São Paulo, no que excluem a assunção de responsabilidade pelo Estado. Eis os dois preceitos:

Artigo 2º […]

[...]

§ 2º - Em nenhuma hipótese o Estado, incluindo as entidades da administração indireta, responde, direta ou indiretamente, pelo pagamento dos benefícios já concedidos ou que venham a ser concedidos no âmbito da Carteira dos Advogados, nem tampouco por qualquer indenização a seus participantes ou insuficiência patrimonial passada, presente ou futura.

§ 3º - É vedada a inclusão na lei orçamentária anual, bem como em suas alterações, de quaisquer recursos do Estado para pagamento de aposentadorias e pensões de responsabilidade da Carteira dos Advogados.

[...]

b) conferir interpretação conforme à Constituição ao restante da norma impugnada, proclamando que as regras não se aplicam a quem, na data da publicação da Lei, já estava em gozo de benefício ou já tinha cumprido, com base no regime instituído pela Lei nº 10.394, de 1970, os requisitos necessários à concessão.

É o meu voto no tocante a ambas as Ações Diretas – do PSOL e do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil.

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