Migalhas Quentes

O tratamento de alguns temas jurídicos nos textos jornalísticos de Olavo Bilac

Dentre os temas sobre os quais mais escreveu, alguns em especial interessam à comunidade jurídica. É curioso descobrir que se Olavo Bilac foi tradicional e conservador em diversas questões (militarismo, culto a heróis da pátria, Guerra do Paraguai), nos costumes individuais suas opiniões eram arrojadas. Em uma época em que a Igreja Católica ainda conferia a tônica do discurso sobre os costumes, Bilac defendia aberta e insistentemente o divórcio:

1/12/2011

Olavo Bilac

O tratamento de alguns temas jurídicos nos textos jornalísticos de Olavo Bilac

Dentre os temas sobre os quais mais escreveu, alguns em especial interessam à comunidade jurídica. É curioso descobrir que se Olavo Bilac foi tradicional e conservador em diversas questões (militarismo, culto a heróis da pátria, Guerra do Paraguai), nos costumes individuais suas opiniões eram arrojadas. Em uma época em que a Igreja Católica ainda conferia a tônica do discurso sobre os costumes, Bilac defendia aberta e insistentemente o divórcio:

Eles, os afortunados cidadãos desta livre pátria, já gozam de dous direitos, de que abusam em larga escala: o de casar e o de votar. Falta-lhes, para que sua felicidade seja completa, o direito do divórcio.”

E nesse embate Bilac nunca poupou a Igreja, a quem acusava de imiscuir-se na liberdade individual, muitas vezes abusando do humor, toque característico de muitos de seus textos:

É a Igreja quem mais se insurge contra o divórcio. Como se não nos bastassem, para desgraça, as penas eternas com que ela ameaça as nossas almas depois da morte, ainda nos oprime este seu desejo de nos escravizar durante a vida, defendendo a tirania do casamento indissolúvel, e condenando os esposos que se odeiam ou não se entendem à perpetuidade de uma união intolerável.”

As penas eternas do inferno, – vê-las-emos a seu tempo... Mas, enquanto vivemos, não é justo que nos imponham neste mundo, por antecipação, um inferno muito pior do que o vindouro.”

O poeta era também defensor da legalização do jogo, a fim de que seus lucros pudessem aproveitar à sociedade:

"Reconheçamos o jogo! Admitamos o jogo! Legalizemos o jogo! Regulamentemos o jogo! E... exploremos o jogo, em proveito do Estado, em proveito do Tesouro, em proveito da Nação!

(...)

E que, ao menos, com esse dinheiro, se deem ao povo cidades higiênicas, administração sábia, socorros e escolas, jardins e alegria.”

A tarefa de Bilac como cronista era comentar os assuntos de destaque no dia ou na semana, escolhendo, dentre eles, aqueles de maior repercussão. Era comum, portanto, que o foco de seu texto fosse algum crime que houvesse ocupado as páginas dos periódicos. Por consequência, muitas vezes o tema de sua crônica foi o funcionamento da instituição do Júri, que à época ostentava competência mais ampla do que conhecemos hoje. Embora Bilac tivesse sido aluno do curso de Direito da Academia de São Paulo por um breve período, sua opinião acerca do júri beirava o senso comum, nada tinha de jurídica:

É uma das cousas que não compreendi nunca: como um homem, operário ou capitalista, sábio ou ignorante, tratante ou honrado, vai sentar-se ali, num lugar de jurado, depois de um almoço confortante, em pleno trabalho de digestão feliz, e julga-se serenamente habilitado a dar o seu voto solene em causas que quase nunca estudou, a cujo desenvolvimento não presta cinco minutos de atenção aturada, entorpecido como está pela digestão ou pela noite passada num baile ou numa orgia.

Se algum dia me chamassem a cumprir esse dever de cidadão, eu pagaria todas as multas imagináveis, sujeitar-me-ia a ir purgar no fundo de um cárcere o meu procedimento antipatriótico, – mas não iria nunca dizer ali a palavra tremenda de que depende a sorte de um homem, meu igual, meu irmão.

(...)

Que ideia pode fazer o jurado – dono de venda, que furta no peso dos gêneros – da justiça? Que ideia pode fazer da justiça o jurado-azevieiro, que comete adultérios e seduz meninas? (...)

Em outro momento, contudo, é capaz de traduzir sua oposição em argumentos mais objetivos, apesar de continuar posicionando-se contrário à instituição:

O voto secreto, quando se trata da liberdade e, e, às vezes, da vida de um homem, é uma miséria. Nos Júris constituídos como o nosso, a sentença é sempre irresponsável e anônima. O presidente limita-se a aplicar o Código. Quem declara se o réu é inocente ou culpado é o corpo dos jurados. Mas esse corpo tem uma responsabilidade coletiva e impessoal; e toda a responsabilidade impessoal e coletiva é tirânica, estúpida e covarde; só é respeitável o juiz que tem a coragem de dar, em voz alta e com a face descoberta, a sua sentença: a máscara do anonimato fica bem na cara de um salteador, mas fica muito mal na face de um árbitro...

Mas ao leitor de Migalhas interessa, sobretudo, conhecer o grande papel desempenhado por Bilac na luta pelos direitos de autor, pelos quais pugnou ao longo de toda sua carreira:

Não há estivador, nem sapateiro, nem pedreiro, nem alfaiate, nem operário de qualquer especialidade, que não tenham, em caso de moléstia passageira, ou de invalidez irremediável, a sua caixa de pensões, o seu hospital, o seu amparo de mutualidade. Só não tem isso o rabiscador de notícias e de artigos.”

Ninguém escreve unicamente pela satisfação de escrever. Quem assina estas linhas já uma vez disse, num soneto, que não fazia versos ambicionando /Das néscias turbas os aplausos fúteis; mas isso foi uma descaradíssima mentira rimada. Quem escreve, quer os aplausos fúteis das turbas néscias, e quer ainda ver pago o seu trabalho, não só em louvores, mas também em dinheiro.”

Críticos e estudiosos de literatura, dentre eles o professor da USP Antonio Dimas, apontam a ousadia de textos em que o escritor acusa nominalmente os editores Laemmert e Garnier (estrangeiros que dividiam o incipiente mercado editorial do Brasil de então) de enriquecerem-se à custa da exploração do trabalho de escritores brasileiros, que ainda não contavam com a proteção legal à sua produção intelectual:

Não há semana – perguntem-no por aí em qualquer livraria – em que se não vendam pelo menos dous livros de [Fagundes] Varela. E o caso triste, doloroso, irrefutável é este: a família de Varela está na miséria, enquanto os editores se locupletam à custa dele, porque desgraçadamente até agora têm-se regulado os direitos de todos os sapateiros e de todos os padeiros, e ainda não se regulou o direito de escritor nenhum.

(...)

Ninguém ignora o que foi o editor Garnier; ninguém ignora que a obra de [Gonçalves] Dias, Alencar, Macedo, Casimiro, Álvares de Azevedo, e tantos outros foi produção, que se lhes deu alguma glória, não lhes deu vintém.”

Com seu veio doutrinador, catequético, Bilac entendia que lhe cabia não só denunciar o lado mais forte, mas também projetar uma postura a ser seguida por seus colegas de profissão. Nesse intento, Bilac divulgou em suas crônicas caso ocorrido com Francisque Sarcey, crítico teatral francês conhecido à época, que foi aos tribunais franceses em busca de tutela a seus escritos (sua notoriedade fora objeto de exploração por jornal que não aquele para o qual escrevia) e obteve êxito. Sarcey tornou-se, na pena de Bilac, personagem para cenas fictícias em que um profissional das letras fazia-se respeitar por seus empregadores.

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