O Brasil e o Rio de Janeiro de Bilac
O grande crítico literário Alceu Amoroso Lima destaca que Bilac escreveu na imprensa em um momento de consolidação de novas instituições (seus anos na imprensa viram a abolição da escravidão, a proclamação da República, a instalação do governo provisório pelos militares, a retomada dos governos civis, a urbanização do Rio de Janeiro).
Da Redação
quarta-feira, 30 de novembro de 2011
Atualizado em 29 de novembro de 2011 16:17
Olavo Bilac
O Brasil e o Rio de Janeiro de Bilac
O grande crítico literário Alceu Amoroso Lima destaca que Bilac escreveu na imprensa em um momento de consolidação de novas instituições (seus anos na imprensa viram a abolição da escravidão, a proclamação da República, a instalação do governo provisório pelos militares, a retomada dos governos civis, a urbanização do Rio de Janeiro). Essa observação talvez explique o tipo de jornalismo feito pelo escritor, um jornalismo moralista na acepção estrita da palavra, uma militância que acreditava educacional. Bilac batia-se pelas diretrizes que queria ver implantadas com ânsia e insistência - a erradicação do analfabetismo, o cuidado com a infância, o serviço militar obrigatório, o conhecimento da história e da língua, o culto a heróis e homens notáveis da pátria como necessário à formação da identidade do brasileiro.
Bilac ansiava pelo progresso, queria ver um Brasil civilizado, com características de Paris - o modelo de civilização que os intelectuais de então reverenciavam - ou ainda da próxima e já rival Buenos Aires:
"Mas reconhecer a gente que ali assim, a quatro dias de viagem há uma cidade como Buenos Aires, - e que nós, filhos da mesma raça e do mesmo momento histórico com muito mais vida, com muito mais riqueza, com muito mais proteção da Natureza, ainda temos por capital da República, em 1900, a mesma capital de D. João VI em 1808, - isso é o que dói como uma afronta, isso é o que revolta como uma injustiça."
Com exceção dos dois anos passados na Academia de Direito de São Paulo e dos meses transcorridos em Minas Gerais, a fim de fugir de perseguição política durante o governo Floriano Peixoto, Olavo Bilac passou toda a sua vida na capital carioca. É ela, a cidade do Rio de Janeiro, a grande personagem dos textos jornalísticos de Bilac.
Quando Bilac começa a escrever na imprensa, o Rio de Janeiro ainda é sede da Corte de Pedro II, embora o Império já se mostrasse debilitado pela longa Guerra do Paraguai e pela campanha pelo fim da escravidão. Por seus textos é possível compor rico panorama: os discursos abolicionistas de José do Patrocínio e a repercussão que alcançavam, as peças teatrais de Artur Azevedo, as negociações políticas que desaguaram na assinatura da Lei Áurea, a proclamação da República, a partida do Imperador para o exílio em Paris, as peripécias prosaicas de grandes figuras no dia da proclamação da República, os desmandos do governo provisório de Deodoro, a ditadura de Floriano Peixoto.
O Rio de Janeiro das crônicas de Olavo Bilac lutou debilmente por décadas contra as precárias condições sanitárias e de higiene, foi vítima de epidemias de febre amarela, sofreu com calores insalubres. São muitíssimas as crônicas em que Bilac trata desses temas, advogando a causa da necessidade de saneamento, educação para a higiene, limpeza, asseio, chamando os poderes públicos a assumirem sua responsabilidade:
"Ah! Quem poderá viver bastante para te ver saneada, ó cidade do Rio de Janeiro? (...) Os dias passam, e a gente continua a esperar que as redes aperfeiçoadas de esgotos, as drenagens do solo e os abastecimentos d'água caiam do céu por descuido, como se o céu tivesse algum interesse nisso."
A partir do começo do novo século, os textos jornalísticos do poeta puderam registrar as reformas modernizadoras do prefeito Pereira Passos, durante a presidência de Prudente de Moraes, que permitiram ao Rio de Janeiro inaugurar a sua belle époque e entrar, enfim, na modernidade, com direito a bonde, luz elétrica e cinematógrafo. O bonde, aliás, também seria personagem de destaque de deliciosas crônicas bilaqueanas, que muito o usaria, inclusive como método de trabalho, que o cronista é antes de tudo um observador:
"É no bonde que o carioca medita sobre os casos graves da sua vida, sobre os estudos da sua profissão, sobre o proveito ou os prejuízos das especulações em que se mete, sobre os meios de arranjar dinheiro; é no bonde que o jogador da bolsa acaricia, desenvolve, aperfeiçoa os planos com que há de esfolar os papalvos; é no bonde que o estudante recorda suas lições; é no bonde que o marido azevieiro arquiteta as mentiras com que há de adormecer em casa as suspeitas da mulher ciumenta; é no bonde que se trocam os primeiros olhares e os primeiros sorrisos dos namoros, destinados a acabar na Igreja... ou no júri; e todos ali dentro se conhecem, se cumprimentam, se estimam... Amável bonde, que seria do carioca no dia que o privassem de ti!"
Não menos amável leitor de Migalhas, e de nós, da redação, o que seria, se nos privasse de sua camaradagem? A pé ou de bonde, aguardamo-lo aqui, amanhã, para mais uma investida no percurso jornalístico do grande escritor da Língua Portuguesa.
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