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Voto do ministro Gilmar Mendes em ADIn sobre salário mínimo

Confira a íntegra do voto do ministro Gilmar Mendes, apresentado na sessão plenária de 3/11, quando a maioria da Corte julgou constitucional o art. 3º da lei 12.382/11, que atribui ao Poder Executivo a incumbência de editar decreto para divulgar, a cada ano, os valores mensal, diário e horário do salário mínimo, com base em parâmetros fixados pelo Congresso Nacional.

21/11/2011

ADIn

Voto do ministro Gilmar Mendes em ADIn sobre salário mínimo

Confira a íntegra do voto do ministro Gilmar Mendes, apresentado na sessão plenária de 3/11, quando a maioria da Corte julgou constitucional o art. 3º da lei 12.382/11 (clique aqui), que atribui ao Poder Executivo a incumbência de editar decreto para divulgar, a cada ano, os valores mensal, diário e horário do salário mínimo, com base em parâmetros fixados pelo Congresso Nacional.

A decisão foi tomada no julgamento da ADIn 4.568 (clique aqui), ajuizada pelo PPS, pelo PSDB e pelo DEM.

__________

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 4.568 DISTRITO FEDERAL

VOTO

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES (RELATOR): O Partido Popular Socialista (PPS), o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) e o Democratas (DEM) ajuizaram a presenta ação direta, visando à declaração de inconstitucionalidade do art. 3º, caput e parágrafo único, da Lei 12.382, de 25.2.2011, que dispõe sobre o valor do salário mínimo em 2011 e sua política de valorização de longo prazo (2012-2015), e dá outras providências, conforme exposto pela relatora.

O referido dispositivo, estabelece:

Art. 3º Os reajustes e aumentos fixados na forma do art. 2º serão estabelecidos pelo Poder Executivo, por meio de decreto, nos termos desta Lei.

Parágrafo único. O decreto do Poder Executivo a que se refere o caput divulgará a cada ano os valores mensal, diário e horário do salário mínimo decorrentes do disposto neste artigo, correspondendo o valor diário a um trinta avos e o valor horário a um duzentos e vinte avos do valor mensal”.

E o art. 2º do mesmo diploma normativo, referido no caput do art. 3º, assim dispõe:

“Art. 2º Ficam estabelecidas as diretrizes para a política de valorização do salário mínimo a vigorar entre 2012 e 2015, inclusive, a serem aplicadas em 1o de janeiro do respectivo ano.

§ 1º Os reajustes para a preservação do poder aquisitivo do salário mínimo corresponderão à variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor - INPC, calculado e divulgado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, acumulada nos doze meses anteriores ao mês do reajuste.

§ 2º Na hipótese de não divulgação do INPC referente a um ou mais meses compreendidos no período do cálculo até o último dia útil imediatamente anterior à vigência do reajuste, o Poder Executivo estimará os índices dos meses não disponíveis.

§ 3º Verificada a hipótese de que trata o § 2o, os índices estimados permanecerão válidos para os fins desta Lei, sem qualquer revisão, sendo os eventuais resíduos compensados no reajuste subsequente, sem retroatividade.

§ 4º A título de aumento real, serão aplicados os seguintes percentuais:

I - em 2012, será aplicado o percentual equivalente à taxa de crescimento real do Produto Interno Bruto - PIB, apurada pelo IBGE, para o ano de 2010;

II - em 2013, será aplicado o percentual equivalente à taxa de crescimento real do PIB, apurada pelo IBGE, para o ano de 2011;

III - em 2014, será aplicado o percentual equivalente à taxa de crescimento real do PIB, apurada pelo IBGE, para o ano de 2012; e

IV - em 2015, será aplicado o percentual equivalente à taxa de crescimento real do PIB, apurada pelo IBGE, para o ano de 2013.

§ 5º Para fins do disposto no § 4o, será utilizada a taxa de crescimento real do PIB para o ano de referência, divulgada pelo IBGE até o último dia útil do ano imediatamente anterior ao de aplicação do respectivo aumento real”.

Os autores alegam que o dispositivo impugnado, ao delegar ao Poder Executivo, com exclusividade, a fixação do valor do salário mínimo a partir do ano de 2012 até o ano de 2015, viola frontalmente a Constituição Federal, em seu art. 7º, inciso IV, bem como ofende o princípio da separação dos Poderes.

O art. 7º, inciso IV, da Constituição, assim dispõe:

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

IV – salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender às suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim”. (grifei)

Para melhor examinar a matéria em debate, cumpre fazer uma digressão.

A previsão do salário mínimo está no direito brasileiro desde 1934.

As Constituições de 1934 e de 1937 previram o salário mínimo para a satisfação das necessidades normais do trabalhador e, a partir da Carta de 1946, estendeu-se a proteção do salário mínimo à satisfação das necessidades básicas também da família do trabalhador.

Em 1936, a Lei 185, regulamentada pelo Decreto 339, de 30 de abril de 1938, instituiu Comissões de Salário Mínimo, que eram integradas por representantes dos empregados e dos empregadores, além de membros do Governo, e que deveriam funcionar sob a presidência de autoridade indicada pelo Chefe do Poder Executivo.

A Constituição de 1967/69 transferiu a competência para a fixação do salário mínimo ao Presidente da República, por meio de decreto. A grande novidade trazida pela Constituição de 1988 foi a determinação de que o salário mínimo, nacionalmente unificado, fosse fixado por lei, bem como reajustado periodicamente. Esta última providência resultou da preocupação natural com a manutenção do poder aquisitivo do salário, ante o contexto inflacionário vivenciado à época de sua promulgação.

A reserva de lei para a fixação do salário mínimo, imposta pelo art. 7º, IV, da CF/88, foi interpretada, pelos órgãos de poder, bem como pelos constitucionalistas em geral, de modo a significar que a cada ano deverse-ia aprovar lei nova fixadora do valor do salário mínimo, isto é, a fixação anual do salário por meio de lei significava o seu reajuste periódico, tal como exigido pela Constituição.

A reserva de lei era entendida desse modo pelos doutrinadores em geral. Para exemplificar, Celso Bastos e Ives Gandra Martins afirmavam:

“Nota-se de logo a exigência introduzida (pela Constituição de 1988) de que a fixação do salário mínimo se dê por via de lei. Essa prática é nova. No início existiam as comissões de salários mínimos, de composição tripartite.

Posteriormente a competência trasladou-se para o Presidente da República.

Agora, o Congresso Nacional é que tem poderes para fazê-lo”. (Comentários à Constituição do Brasil – Promulgada em 5 de outubro de 1988 – 2º V., 2º ed., atualizada, 2001, pp. 545/455)

Na mesma linha, Manoel Gonçalves Ferreira Filho afirma o que parece ser o sentido óbvio do texto constitucional: “A atual Constituição reserva à lei a fixação do salário mínimo. Quis com isto dar participação ao Congresso Nacional na definição de seu montante”. (Comentários à Constituição Brasileira de 1988, VOL. 1, 1990, pp. 95/96)

A interpretação do texto constitucional e a práxis efetiva vigente até este ano conferiam ao Presidente da República a iniciativa do projeto de lei que fixava o valor do salário mínimo, com a consequente aprovação, pelo Congresso Nacional, que participava ativamente do debate acerca do tema.

A Constituição de 1988, ao trazer a reserva de lei, claramente atribuiu ao Congresso Nacional, por meio de sua deliberação no processo legislativo, responsabilidades sobre a constituição do montante do salário mínimo.

O dispositivo questionado trouxe um novo entendimento ao art. 7º, inciso IV, da CF. Parece-me que pretendeu conciliar a necessidade de fixação do valor do salário mínimo por meio de lei - com a imposição de reajustes periódicos, para manter-lhe o poder aquisitivo -, por decretos do Poder Executivo, que deverão seguir fielmente as balizas elencadas pela lei em exame.

A providência legal, à primeira vista, parece razoável. A lei fixa o valor do salário mínimo e impõe os critérios que deverão ser observados pelo Poder Executivo para o seu reajuste, por um período que vai de 2012 a 2015. Após tal período, nova lei, em sentido formal, deverá fixar o montante do novo salário mínimo.

A lei em exame foi aprovada pelo próprio Congresso Nacional, que fixou as balizas e os índices que deverão nortear a atuação do Poder Executivo ao reajustar anualmente o salário mínimo. Isso traz, certamente, alguma segurança adicional, visto que permite que se conheça aproximadamente o valor do salário mínimo que vigorará no ano seguinte.

Todavia, essa alteração do entendimento e da práxis políticoconstitucional imposta pela lei de que se cuida traz algumas preocupações.

A primeira delas diz respeito não simplesmente à reserva de lei (a que o dispositivo impugnado parece ter atendido), mas ao que se pode denominar de Reserva de Parlamento.

Conforme exposto acima, as Constituições anteriores (desde 1934) conferiam a competência para a fixação do valor do salário mínimo ao Poder Executivo. De modo mais incisivo, a Constituição de 1967/69 atribuía diretamente ao Presidente da República a fixação do salário mínimo por meio de decreto.

O Constituinte de 1987/88, inequivocamente, quis incluir o Congresso Nacional no processo decisório que leva à fixação do salário mínimo. Para isso, determinou que sua fixação se dê por via de lei.

A participação do Congresso Nacional tem o condão de tornar o debate mais plural, proporcionando maior inclusão da sociedade, principal interessada na fixação do salário mínimo. Por certo, faz com que o Parlamento seja responsável, ao lado do Governo, pelo montante fixado, participando, assim, dos ônus e bônus políticos dessa atribuição.

Pode-se dizer, tranquilamente, que a lei oriunda do Parlamento não é a única forma de exercício de poder normativo pelo Estado, por isso, ao se falar em reserva de lei, ou seja, casos em que a Constituição exige lei formal para a regulamentação de determinada matéria, está-se a falar, em verdade, em uma exigência de Reserva de Parlamento.

Significa dizer que, apesar de a fonte primária do direito não se reduzir à lei em sentido formal, a Constituição, ao exigi-la para a regulamentação de dados temas, está, em verdade, impondo uma Reserva de Parlamento. Parlamento em cujo seio está a representação do povo e, portanto, onde poderá ocorrer uma mais efetiva ação mediadora da sociedade.

Manuel Afonso Vaz discorre sobre o tema, em tese denominada Lei e Reserva da Lei – A Causa da Lei na Constituição portuguesa de 1976 (pg. 390):

Falar-se em reserva de lei significará, então, que a lei não é um prius ou pressuposto essencial de toda a determinação políticonormativa, mas norma essencialis ratione materiae, matéria identificável pela referência e conteúdos considerados pela Constituição como reservados ao Parlamento, ou seja, à acção mediadora da sociedade. (...) A reserva de lei tem (...) o sentido de necessária intervenção parlamentar (=Representação popular) em matérias para as quais a Constituição exige a forma de acto parlamentar (...) A reserva de lei tem aqui o sentido de reserva do Parlamento e pressupõe que da Constituição se retire, formal ou materialmente, a exigência de acto parlamentar para dispor sobre certas, que não todas, matérias”.

Nota-se, portanto, que, ao exigir que determinados temas sejam tratados por meio de lei em sentido formal, a Constituição está impondo a participação do Congresso Nacional na regulamentação da matéria reservada ao Parlamento. Significa dizer que está procurando conferir ao tema um debate mais amplo, com maior visibilidade e participação da sociedade.

Por essa razão, a Constituição de 1988, ao proteger os direitos dos índios, p. ex., previu a necessária participação do Congresso Nacional (Reserva de Parlamento) em alguns dispositivos:

Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcálas, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.

(…)

§ 3º O aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser efetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando- hes assegurada participação nos resultados da lavra, na forma da lei.

(…)

§ 5º É vedada a remoção dos grupos indígenas de suas terras, salvo, ad referendum do Congresso Nacional, em caso de catástofre ou epidemia que ponha em risco sua população, ou no interesse da soberania do País, após deliberação do Congresso Nacional, garantido, em qualquer hipótese, o retorno imediato logo que cesse o risco”. (grifei)

Quanto ao tema da energia nuclear, a Constituição Federal dispôs de modo semelhante, preservando a manifestação do Congresso Nacional:

Art. 21. Compete à União:

(…)

XXIII – explorar os serviços e instalações nucleares de qualquer natureza e exercer o monopólio estatal sobre a pesquisa, a lavra, o enriquecimento e reprocessamento, a industrialização e o comércio de minérios nucleares e seus derivados, atendidos os seguintes princípios e condições:

a) toda atividade nuclear em território nacional somente será admitida para fins pacíficos e mediante aprovação do Congresso Nacional;

(…)

Art. 49. É competência exclusiva do Congresso Nacional:

(…)

XIV – aprovar iniciativas do Poder Executivo referentes a atividades nucleares;

(…)

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

(…)

§ 6º As usinas que operem com reator nuclear deverão ter sua localização definida em lei federal, sem o que não poderão ser instaladas”. (grifei)

A significativa modificação, trazida pela Constituição de 1988, no tocante ao tratamento da forma de fixação do valor do salário mínimo, exigindo a aprovação de lei para tanto, ao contrário do que fizeram as constituições precedentes, implica uma evidente conclamação do Parlamento a manifestar-se sobre o tema.

Não se ignora que o dispositivo impugnado foi, por óbvio, aprovado pelo Congresso Nacional, e a lei em que está inserido fixou o valor do salário mínimo, delegando ao Poder Executivo, em princípio, apenas o seu reajuste nos anos seguintes (2012-2015), a partir de índices prefixados, no que parece ter agido razoavelmente. Todavia, nesse passo, a Reserva de Parlamento traz consigo outras implicações que despertam alguma preocupação.

É que, ao delegar ao Poder Executivo a atribuição de fazer, por decreto, os reajustes anuais do salário mínimo, e excluir, pelo menos por um dado período de tempo, a deliberação congressual sobre o tema, a norma inquinada inviabiliza a participação da minoria parlamentar (oposição política) no debate sobre tema no qual a Constituição de 1988, inequivocamente, quis incluí-la.

Isso porque, em sistemas de governo presidencialistas e, especialmente, em nosso modelo (denominado pelos cientistas políticos de Presidencialismo de Coalizão), as eleições para a Chefia do Executivo e para o Parlamento são independentes. Daí afirmar-se que, no presidencialismo de coalizão vigente no Brasil, não é o governo resultado de uma maioria parlamentar, mas esta, a maioria parlamentar, é que deve ser conquistada pelo Governo eleito.

Do mesmo modo, a base de apoio parlamentar do governo pode modificar-se no curso da legislatura, por meio de defecções de alguns partidos, o que é bastante comum. Isso significa que, no Brasil, a relação governo-oposição, ou maioria-minoria, muitas vezes é alterada no curso de uma mesma legislatura.

Nesse sentido, a delegação ao Executivo, pelo período de 2012 a 2015, da competência para reajustar o salário mínimo exclui a possibilidade de, durante esse espaço de tempo, o Parlamento deliberar novamente sobre o assunto. Claro que a lei impugnada pode ser revogada pelo Congresso Nacional por meio de outra lei ordinária, todavia esta última poderá ser vetada pelo Presidente da República, o que exigiria do Congresso um quórum qualificado (maioria absoluta) para fazer valer a sua vontade e derrubar o veto presidencial, sem olvidar-se da dificuldade de se pautarem os vetos no Congresso.

Essas considerações, ainda que pareçam exageradas, demonstram que a lei em exame pode gerar uma alteração relevante no relacionamento entre maioria e minoria, dificultando a modificação desse regime mesmo após o advento de uma nova conformação das forças parlamentares.

Isso me faz lembrar do alerta, feito por Carl Schmitt, sobre a necessidade de se manter vivo o princípio da igualdade de chances para se alcançar a maioria parlamentar, sobretudo em proteção às minorias que se encontrem fora da coalizão governamental e, especialmente, de se garantir a efetividade da deliberação de uma possível nova maioria:

Sin este principio, las matemáticas de las mayorías, con su indiferencia frente al contenido del resultado, no solo serían un juego grotesco y un insolente escarnio de toda justicia, sino que, a causa del concepto de legalidad derivado de dichas matemáticas, estas acabarían también con el sistema mismo, desde el instante en que se ganara la primera mayoría, puesesta primera mayoría se instituiría enseguida legalmente como poder permanente. La igualdad de chance abierta a todos no puede separarse mentalmente del Estado legislativo parlamentario. Dicha igualdad permanece como el principio de justicia y como una condición vital para la autoconservación”.
(SCHMITT, Carl. Legalidad y Legitimidad. Trad. esp. Madri: Aguilar, 1971, p. 44.)

Como reforço ao alerta de Schmitt acerca do perigo de uma maioria ocasional excluir a possibilidade de novas conformações políticoparlamentares modificarem o tratamento dado a alguns temas, vale registrar que o último reajuste a ser realizado pelo Poder Executivo valerá para o exercício de 2015, ano em que tomarão posse novos parlamentares e, possivelmente, até mesmo novo Presidente da República.

Ainda que a fixação do valor do salário mínimo deva obedecer a critérios econômicos e técnicos, o que é saudável, a despolitização do assunto, ou a exclusão do debate pela sociedade, não é recomendável e certamente não foi desejada pelo Constituinte de 1988.

Desse modo, quando a lei em tela permite que o reajuste ultrapasse o período da legislatura atual, não apenas dificulta uma nova deliberação parlamentar sobre o tema durante o atual governo, como também torna bastante difícil que a nova legislatura, ou seja, os novos parlamentares, que serão eleitos em 2014, e quiçá o novo Presidente da República, deliberem sobre o assunto no primeiro ano de seus mandatos.

Nesse sentido, o argumento fácil de que o Parlamento não fica vinculado às suas próprias deliberações e de que uma legislatura não vincula a próxima não pode ser superestimado, sob pena de se deixarem de lado sutilezas procedimentais, constitucionais e políticas de grande relevo democrático.

Essas preocupações só não me impedem de acompanhar o voto da ministra relatora, ante a evidente reversibilidade do regime criado pela lei em exame, por uma lei ordinária posterior.

Não obstante, as perplexidades que externei exigem que se faça o alerta no sentido de que a Constituição, ao impor a manifestação do Congresso Nacional (Reserva de Parlamento), pretende que os representantes eleitos do povo deliberem sobre as matérias objeto de reserva, em nome da sociedade.

A lei em exame, ao transferir ao Poder Executivo a fixação anual do valor do salário mínimo, ainda que se possa argumentar que não excluiu de todo a deliberação parlamentar, visto que a maioria aprovou a legislação impugnada, certamente retirou dos debates, até o ano de 2016, a minoria eleita em 2010, bem como todos os parlamentares que serão eleitos em 2014.

Conforme tantas vezes afirmado por este Plenário, uma das principais atribuições de uma Corte Constitucional, como asseguradora da liberdade em seu sentido positivo, isto é, do próprio exercício da democracia, é a proteção dos direitos da minoria, inclusive parlamentar, uma vez que vivemos sob o regime representativo (o Justice Stephen Breyer, da Suprema Corte norte-americana, profere alerta no mesmo sentido, em sua obra Active Liberty – Interpreting Our Democratic Constitution, Vintage Books, NY, 2005, p. 5 e seguintes).

Por essas razões, preocupa-me a prática de alijar o Parlamento da deliberação sobre a fixação do salário mínimo. Observo que o dispositivo impugnado transita no limite da constitucionalidade, de modo que me sinto obrigado a lançar um alerta sobre a amplitude e, portanto, sobre os limites desse tipo de legislação.

Ressalto que estamos acompanhando, por exemplo, o debate sobre a questão dos royalties do petróleo e o tal veto da chamada "Emenda Ibsen".

E todo debate é: "O veto à Emenda Ibsen cairá" – comentário de viés político - "se for submetido ao Congresso Nacional". Mas quando será submetido? Temos hoje um atraso enorme nesse processo. Como eu disse, é mais um espaço para que o Parlamento volte e venha a ganhar autonomia.

Então, é só por isso, Presidente, que farei essa ressalva, uma vez que não quero ser profeta bem-sucedido nessa matéria. Profeta bem-sucedido é um problema: as catástrofes são anunciadas e elas depois se confirmam.

Usando os fundamentos do bem elaborado voto do Ministro Ayres Britto, mas sem prestar adesão integral a ele, vou acompanhar a Relatora.

Parece-me que, neste caso, há várias implicações políticas, e elas serão seriíssimas se, amanhã, descobrirem-se outras leis temporárias que possam simplesmente não mais ser votadas porque o Congresso já aceitou esse tipo de negociação.

Ante o exposto, salientando fortemente as ressalvas relativas à reserva legal, à reserva de Parlamento, bem como às suas implicações sobre a relação entre maioria e minoria em nosso presidencialismo de coalizão, todas mencionadas neste voto, acompanho o voto da Ministra Cármen Lúcia.

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