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Justiça do MT entende que sindicato não tem legitimidade em ACP

20/10/2011


Decisão

Justiça do MT entende que sindicato não tem legitimidade em ACP

O juiz de Direito Bruno D'Oliveira Marques, da 1ª e 2ª varas da comarca de Lucas do Rio Verde/MT, julgou extintas, sem julgamento do mérito, quatro ACPs ingressadas pelo Sindicato Rural de Lucas do Rio Verde em desfavor das instituições financeiras Bradesco, CNH Capital S.A, Rabobank International Brasil S.A e BB. A mesma decisão foi aplicada à ACP também de autoria do Sindicato contra BB e outros (Banco CNH Capital S/A, Banco Delage Landen, Banco John Deere, Bradesco e Bansicred).

Nos processos apresentados, o sindicato pretendia a revisão das cláusulas de todos os contratos firmados por seus associados com as instituições bancárias requeridas, contratos estes relativos aos financiamentos realizados para custeio e investimentos nas safras 2004/2005 e 2005/2006. Postulava provimento liminar que obrigasse os bancos requeridos a excluir os nomes dos agricultores da relação de inadimplentes junto ao SERASA, SPC e CADIN, bem como proibição da inclusão em tais sistemas. Almejava, ainda, que fosse declarado o direito dos seus associados quanto ao alongamento das parcelas vencidas, sob o argumento de que deveria ser aplicado o "Manual de Crédito Rural editado pelo Banco Central do Brasil, nos moldes do capitulo 2, Seção 6, Item 9".

Porém, no entendimento do magistrado, o Sindicato Rural não tem legitimidade para ingressar com esse tipo de ação. "Para que o Sindicato fosse legitimado a atuar como parte em nome da categoria deveria comprovar que: a) a matéria objeto da demanda se encontra acobertada pelos fins previstos em seu estatuto social; e b) a tutela almejada se destina à proteção de um direito individual homogêneo, isto é, que possui origem comum para todos os seus associados", disse o magistrado em sua decisão.

De acordo com o juiz, por não se tratar de demanda da defesa de interesses individuais homogêneos, mas de interesses individuais de caráter heterogêneo, a ação fica inválida. "Neste caso, vedada está a utilização da ação civil pública em que figure como postulante um sindicato", argumenta o juiz. O magistrado explica que em princípio, a legitimidade ativa corresponde à identificação de quem é o titular para movimentar a demanda, sendo que, segundo a regra geral, o direito de ação compete a quem tem o interesse legítimo na pretensão, quem teve o seu direito violado. "Contudo, ao lado dessa legitimação chamada de ordinária, autônoma, existe outra, a extraordinária, por meio da qual se autoriza um terceiro a pleitear em juízo direito alheio. É o que se extrai do art. 6º do Código de Processo Civil: Ninguém poderá pleitear, em nome próprio, direito alheio, salvo quando autorizado por lei", cita.

O juiz destaca que, no caso, o Sindicato Rural de Lucas do Rio Verde pretende atuar como legitimado extraordinário. "Na forma do que o artigo 8º, inciso III, da Constituição Federal lhe permite ao prever expressamente que 'ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas (...) Logo, o ente sindical atua na qualidade de parte e não de representante do titular do direito. Entretanto, essa autorização legal não confere um alvará para que o ente sindical atue em toda e qualquer situação como substituto, ou seja, não equivale a um direito à substituição processual generalizada", arguiu.

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SENTENÇA

Versam os autos acerca de Ação Civil Pública proposta pelo SINDICATO RURAL DE LUCAS DO RIO VERDE em face da instituição bancária BANCO BRADESCO S/A, com base na Lei nº 7.347, de 24.07.1985.

Com a presente demanda, o SINDICATO RURAL DE LUCAS DO RIO VERDE, entidade de classe devidamente representada e qualificada (fls. 51/77), objetiva a revisão das cláusulas de todos os contratos firmados por seus associados com a instituição bancária requerida, contratos estes relativos aos financiamentos realizados para custeio e investimentos.

Almeja o requerente seja declarado o direito dos seus associados quanto ao alongamento das parcelas vencidas, sob o argumento de que deve ser aplicada por analogia a “Lei nº 9.138/95 como ferramenta de instrumentalização da Norma Geral insculpida na Lei nº 8.171/91, que regulamenta a política agrícola” (sic, fls. 39).

Postula, ainda, a parte autora, com fulcro no art. 4º da Lei da Ação Civil Pública, a concessão de liminar que determine ao banco requerido a exclusão dos nomes dos agricultores associados dos cadastros junto aos órgãos SERASA, SPC, SISBANCEN e CADIN, bem como que obste a inclusão em tais sistemas aqueles que ainda não tenham sido registrados (fls. 39/45).

A inicial foi recebida pela decisão de fls. 129 usque 144, a qual reconheceu a legitimidade ativa da entidade sindical autora e deferiu a medida liminar pleiteada.

Às fls. 238/286, foi acostada a peça contestatória do requerido, BANCO BRADESCO S/A, por meio da qual o mesmo alegou, em sede de preliminar, dentre outras, a ilegitimidade ativa do sindicato autor, postulando pela extinção da ação sem julgamento do mérito.

A réplica pode ser vista às fls. 241/340 dos autos, tendo o requerente reiterado os seus termos iniciais, inclusive defendendo a presença do interesse de agir para a defesa dos sindicalizados.

Determinada a notificação do BNDES para manifestar possível interesse jurídico em intervir no feito (fls. 349/352), este o fez às fls. 358/360, esclarecendo que “tem relação jurídica apenas com as instituições financeiras” e que “não possui interesse em participar da lide”.

O Ministério Público, por meio do parecer de fls. 363/369, pugnou pela extinção do feito, sob o fundamento de que está ausente o “interesse de agir, no núcleo inadequação da via eleita”.

É, em síntese, o relatório.

Fundamento e Decido.

Consoante assinalado no relatório, trata-se de Ação Civil Pública proposta pelo SINDICATO RURAL DE LUCAS DO RIO VERDE em face da instituição financeira BANCO BRADESCO S/A, almejando proteção jurídica para afastar e/ou impedir a inclusão do nome de seus associados junto aos órgãos de restrição ao crédito, assim como a prorrogação das parcelas vencidas dos contratos firmados entre aquela instituição e esses associados.

É certo que o aspecto relativo às condição da ação, especificamente no que pertine à ilegitimidade ativa, já foi oportunamente decidida por ocasião da análise do pleito liminar (fls. 129/144).

Contudo, ao sopesar as questões prévias trazidas a Juízo, verifico que assiste razão à instituição requerida quanto à preliminar de ilegitimidade ativa, não possuindo a parte autora legitimidade para figurar no pólo ativo da presente demanda, consoante se expõe nos itens a seguir.

I – LEGITIMIDADE ATIVA: MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA

Inicialmente, cumpre destacar que a matéria relativa à legitimidade para agir em juízo não se submete à preclusão “pro iudicato”, por se tratar de requisito de admissibilidade do processo e, portanto, matéria de ordem pública.

Com efeito, o artigo 267, § 3º, do Código de Processo Civil preceitua que o “juiz conhecerá de ofício, em qualquer tempo e grau de jurisdição, enquanto não proferida a sentença de mérito, da matéria constante dos ns. IV, V e Vl”, sendo que neste último inciso (VI do caput) se encontra o fundamento para a extinção do processo por ausência de legitimidade das partes.

Ressalta-se, outrossim, que a “Conclusão nº 9” do VI Encontro Nacional dos Tribunais de Alçada expressou que: “Em se tratando de condições da ação, não ocorre preclusão mesmo existindo explícita decisão a respeito”.

E o entendimento jurisprudencial reflete exatamente esse enunciado, inclusive no âmbito do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, consoante ementas transcritas abaixo:

“PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO ART. 535, DO CPC. CRÉDITO-PRÊMIO DE IPI. CESSÃO. ILEGITIMIDADE ATIVA PARA A EXECUÇÃO. SÚMULA Nº 211 DO STJ. PRECLUSÃO PRO JUDICATO. INOCORRÊNCIA. MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA. 1. (...) 3. Não há que se falar em preclusão pro judicato, pois é possível ao julgador revogar decisão que dispôs sobre a viabilidade das substituições processuais, por se tratar o reconhecimento da ilegitimidade ativa de matéria de ordem pública. Precedentes: RESP. n. 955.005 / RS, Primeira Turma, Relator Ministro José Delgado, julgado em 26/02/2008; ERESP. n. 295.604 / MG, Primeira Seção, Rel. Min. Eliana Calmon, julgado em 12.9.2007; RESP. n. 327.168 / DF, Segunda Turma, Rel. Min. Castro Meira, julgado em 17.8.2004; RESP. n. 1.054.847 / RJ, Primeira Turma, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 24.11.2009; RESP. n. 781.050 / MG, Quarta Turma, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, julgado em 9.5.2006. (...). 6. Agravo regimental não provido” (STJ; AgRg-REsp 959.518; Proc. 2007/0128107-5; RS; Segunda Turma; Rel. Min. Mauro Campbell Marques; DJE 12/04/2010).

“APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA. NULIDADE DE TÍTULO DE CRÉDITO. AUSÊNCIA DE CONDIÇÃO DE AÇÃO ILEGITIMIDADE ATIVA E FALTA DE INTERESSE PROCESSUAL. DECISÃO SANEADORA. REAPRECIAÇÃO PELO PROLATOR. POSSIBILIDADE. MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA. 3º DO ART. 267, CC INC. II, DO ART. 471 DO CPC. Não há preclusão para o magistrado em rever decisão saneadora que repeliu matéria de ordem pública. Não há legitimidade e interesse processual àquele que busca nulidade de título emitido por pessoa diversa da protestada. (...) O reconhecimento da procedência da ação cautelar por parte da requerida impõe a esta o dever de pagar honorários ao patrono do requerente, pelo princípio da causalidade” (TJMS; AC-Or 2010.003670-7/0000-00; Campo Grande; Quinta Turma Cível; Rel. Des. Luiz Tadeu Barbosa Silva; DJEMS 09/09/2010; Pág. 53).

“EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. ACÓRDÃO RECORRIDO QUE RECONHECEU O CERCEAMENTO DE DEFESA. ILEGITIMIDADE ATIVA QUESTÃO DE ORDEM PÚBLICA QUE NÃO ESTÁ SUJEITA AOS EFEITOS DA PRECLUSÃO. EMBARGOS REJEITADOS. Em se tratando de condições da ação e de pressupostos processuais não há preclusão para o juiz por ser matéria indisponível” (TJPR; EmbDecCv 0690126-8/01; Paranaguá; Décima Câmara Cível; Rel. Des. Luiz Lopes; DJPR 25/10/2010; Pág. 231).

Portanto, é pacífico o entendimento, seja no âmbito doutrinário, seja no jurisprudencial, de que inexiste a chamada preclusão “pro iudicato” quando a questão se referir a preceitos de ordem pública, posto que estes podem ser argüidos de ofício, apontados pela parte apenas em fase recursal, ou mesmo reexaminados quando já houverem sido objeto de decisão judicial.

Assim sendo, muito embora a parte autora tenha sido considerada legitima por ocasião da concessão da tutela antecipatória, cabível o reexame da questão, mormente na fase de saneamento do feito.

II – DA ILEGITIMIDADE ATIVA DO REQUERENTE

Após compulsar detidamente os autos, assim como analisar a matéria abarcada pela presente demanda, verifico que a parte autora, SINDICATO RURAL DE LUCAS DO RIO VERDE, é parte ilegítima para figurar no pólo ativo da presente actio.

Como já anotado no item anterior, a presença das condições da ação pode ser averiguada a qualquer tempo e grau de jurisdição, de acordo com os preceitos do artigo 267, § 3º, do Código de Processo Civil.

É cediço, ademais, que, não obstante seja direito de todo e qualquer cidadão dotado de capacidade processual buscar a prestação jurisdicional, necessário se faz estarem presentes todas as condições da ação para que uma demanda possa ser posta em Juízo de modo eficaz.

Nessa linha, além da possibilidade jurídica do pedido e do interesse processual, deve-se fazer presente também a legitimidade das partes para o exercício regular deste direito de ação.

Aliás, exatamente esse é o teor do artigo 3º do Código de Processo Civil, in verbis:

“Art. 3o Para propor ou contestar ação é necessário ter interesse e legitimidade.”

Verifica-se da simples leitura do supracitado dispositivo que a legitimidade ad causam, ativa ou passiva, é indispensável para o exercício do direito de ação, posto que a sua ausência acarreta a extinção do processo sem análise do mérito, nos termos do artigo 267, inciso VI, do mesmo Diploma legal.

Em principio, a legitimidade ativa corresponde à identificação de quem é o titular para movimentar a demanda, sendo que, segundo a regra geral, o direito de ação compete a quem tem o interesse legítimo na pretensão, ou seja, àquela pessoa que teve o seu direito violado.

Contudo, ao lado dessa legitimação chamada de ordinária, autônoma, existe outra, a extraordinária, por meio da qual se autoriza um terceiro a pleitear em juízo direito alheio. É o que se extrai do art. 6º do Código de Processo Civil:

“Art. 6o Ninguém poderá pleitear, em nome próprio, direito alheio, salvo quando autorizado por lei.”

Por certo, por meio da legitimação extraordinária, atribui-se a uma terceira pessoa o poder de conduzir uma demanda que versa sobre direito do qual não é titular, ou do qual não é o único titular.

Feitas estas considerações, verifica-se que, no caso ora sub judice, o requerente, SINDICATO RURAL DE LUCAS DO RIO VERDE, pretende atuar como legitimado extraordinário, na forma do que o artigo 8º, inciso III, da Constituição Federal lhe permite ao prever expressamente que “ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas”.

De fato, tendo em vista que se trata, in casu, de sindicato postulando, em nome próprio, direito de seus filiados, claramente se verifica a ocorrência de substituição processual, a qual, inclusive, é prevista no artigo 3º da Lei nº 8.073, de 30.07.1990 . Logo, o ente sindical atua na qualidade de parte e não de representante do titular do direito.

Entretanto, essa autorização legal não confere um alvará para que o ente sindical atue em toda e qualquer situação como substituto, ou seja, não equivale a um direito à substituição processual generalizada.

Com efeito, para que seja legitimado a atuar como parte em nome da categoria, o sindicato deve comprovar que: a) a matéria objeto da demanda se encontra acobertada pelos fins previstos em seu estatuto social; e b) a tutela almejada se destina à proteção de um direito individual homogêneo, isto é, que possui origem comum para todos os seus associados.

No que se refere ao pressuposto relativo ao item “a”, destaca-se ab initio que a parte autora, enquanto entidade sindical que é, somente está autorizada a defender interesse coletivo ou individual homogêneo da categoria que representa nos limites definidos em seus fins institucionais.

E, especificamente à propositura da ação civil pública, para ser considerado parte legítima, deve a entidade conter dentre estas finalidades institucionais, uma equivalente a que visa proteger com a demanda. É o que se extrai do teor do artigo 5º, inciso V, da Lei nº 7.347, de 24.07.1985 .

De fato, segundo o referido dispositivo legal, para ter legitimidade ativa na ação civil pública discutindo relação de consumo, deve o sindicato ter incluído entre seus fins institucionais a defesa dos interesses e direitos dos consumidores.

Por expressar julgado proferido em caso análogo ao do presente feito, transcrevo a ementa a seguir, da lavra do e. Tribunal de Justiça Catarinense, in verbis:

“APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REVISIONAL. DEMANDA AJUIZADA PELO SINDICATO DOS TRABALHADORES RURAIS DE ABDON BATISTA OBJETIVANDO A ANÁLISE DAS CLÁUSULAS CONTRATUAIS PREVISTAS NOS AJUSTES CELEBRADOS ENTRE O BANCO E SEUS SINDICALIZADOS. SENTENÇA QUE EXTINGUIU A DEMANDA SEM ANÁLISE DO MÉRITO POR ILEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM. APELO DO SINDICATO. SUBSTITUTO PROCESSUAL. DEFESA DOS INTERESSES DA CATEGORIA. AUTORIZAÇÃO LEGAL. INTELIGÊNCIA DOS ARTS. 8º, III, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, 6º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, 3º DA LEI N. 8.073/90, E DO (...). ILEGITIMIDADE ATIVA CONFIGURADA. RECURSO DESPROVIDO. "As entidades sindicais detêm legitimidade ativa para demandar em juízo a tutela de direitos subjetivos individuais dos integrantes da categoria, desde que se tratem de direitos homogêneos e que guardem relação de pertencialidade com os fins institucionais do sindicato demandante", que, nesses casos, se opera mediante substituição processual, diante da interpretação conjunta dos arts. 8º, III, da Constituição Federal, 6º do código de processo civil, 3º da Lei n. º 8.073/90, e do art. 81, III, do Código de Defesa do Consumidor. Todavia, não obstante essa autorização legal, mister que o sindicato demonstre que o direito pleiteado decorre de uma origem comum e está diretamente ligado aos fins institucionais consagrados no seu estatuto social, porquanto a legitimação conferida é pertinente à proteção da categoria que ele representa e, não, a direitos heterogêneos de seus filiados. (...).” (TJSC; AC 2003.014446-3; Campos Novos; Terceira Câmara de Direito Comercial; Rel. Des. Paulo Roberto Camargo Costa; DJSC 05/05/2009; Pág. 279).

Com efeito, as associações civis precisam, para serem legitimadas a propor a ação civil pública, ter finalidades institucionais compatíveis com a defesa transindividual que pretendam tutelar em Juízo.

E, in casu, verifica-se que o sindicato autor não comporta, dentre as suas finalidades e atribuições (fls. 60/61), a defesa de interesses comerciais dos seus filiados, razão pela qual não está legitimado para propor a presente ação civil pública.

O requisito exposto no item “b”, por sua vez, relativo à tutela de direitos individuais homogêneos, é extraído da atenta leitura do artigo 8º, inciso III, da Carta Magna, a qual permite concluir que o sindicato tem legitimidade para substituição processual apenas nas ações que visem à defesa de direitos da categoria que representa, faltando-lhe, consequentemente, legitimidade para defender, como substituto processual, interesses individuais heterogêneos, que são aqueles particulares a um ou mais de um dos seus associados.

Ocorre que, muito embora o texto constitucional não se refira expressamente a direitos individuais “homogêneos”, fala em “interesses coletivos ou individuais da categoria”, de forma que somente será possível a substituição processual para a defesa desses tipos de interesses.

O mesmo não se verificará, porém, quando a lide versar sobre a defesa de direito individual não homogêneo, situação em que será incabível a substituição processual, sendo possível a atuação do sindicato apenas diante de expressa autorização concedida por cada um dos associados interessados e como mero representante.

Sobre o tema, a orientação da jurisprudência do egrégio Superior Tribunal de Justiça:

"RECURSO ESPECIAL. ADMINISTRATIVO. SINDICATO. LEGITIMIDADE PARA PROPOR AÇÃO ORDINÁRIA EM NOME DOS FILIADOS SEM EXPRESSA AUTORIZAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. JURISPRUDÊNCIA DO STF E DO STJ. Esta Corte já pacificou o entendimento de que as entidades associativas - aí incluídos os sindicatos - possuem legitimidade para propor ação ordinária em nome de seus filiados, porém é necessário que haja expressa autorização de cada um deles, nos exatos termos do art. 2º-A, da Lei nº 9.494/97 e do art. 5º, inc. XXI da Constituição Federal. Precedentes do STJ e do STF. Recurso provido." (REsp nº 497.600/RS, relator o Ministro José Arnaldo da Fonseca, DJ de 06.09.2004, p. 292).

Portanto, como já foi frisado, a substituição processual do sindicalizado não está autorizada em todo e qualquer direito, haja vista que apenas os direitos individuais homogêneos é que autorizam a defesa do indivíduo pela entidade.

Destarte, considerando-se a natureza e a finalidade precípua da ação civil pública, a sua própria Lei de regência previu que são aplicáveis “à defesa dos direitos e interesses difusos, coletivos e individuais, no que for cabível, os dispositivos do Título III da lei que instituiu o Código de Defesa do Consumidor”.

Nesse diapasão, o Título III do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078, de 11.09.1990) trata “Da Defesa do Consumidor em Juízo”, versando que somente se justifica a defesa em âmbito coletivo dos interesses individuais quando decorrentes estes de um determinado fato comum, na forma do seu artigo 81, inciso III, in verbis:

“Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo.

Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:

III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum.”

De fato, ao se falar em direitos individuais homogêneos, pressupõe-se ter havido lesão comum a direitos de diversos titulares que são ligados por circunstâncias de origem, o que não ocorre nos presentes autos.

Segundo os juristas Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr., a tutela de direitos individuais homogêneos se trata de “uma ficção legislativa, criada com o objetivo de proteger um grupo de direitos individuais oriundos de uma situação comum” .

Por conseguinte, no âmbito da relação de consumo, os direitos a serem protegidos pela entidade sindical na qualidade de substituto processual devem ser os previstos no artigo 81, parágrafo único, inciso III, do Código de Defesa do Consumidor, quais sejam, os direitos individuais homogêneos, que são aqueles que decorrem de uma origem comum.

Nesse exato sentido, são reiteradas as decisões do Egrégio Tribunal de Justiça deste Estado. Vejam-se:

“RECURSO DE APELAÇÃO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. REVISÃO DE CONTRATOS BANCÁRIOS. TUTELA DE DIREITO INDIVIDUAL. CARÊNCIA DE AÇÃO. INADEQUAÇÃO DA VIA PROCEDIMENTAL ELEITA. PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADEACOLHIDA. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM JULGAMENTO DE MÉRITO PORÉM POR FALTA DE INTERESSE DE AGIR. MANTIDA. CONDENAÇÃO EM VERBA HONORÁRIA. IMPOSSIBILIDADE. HIPÓTESE SOMENTE FACULTADA EM CASO DE COMPROVADA MÁ-FÉ. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. A ação civil pública não se mostra adequada à tutela de direitos em cujo pólo ativo figura sindicato rural, se os possíveis direitos para os quais se pleiteia a tutela individual não se compatibilizam, conceitualmente, com a idéia dos chamados direitos difusos coletivos ou mesmo individuais homogêneos” (TJMT; APL 23018/2010; Pedra Preta; Sexta Câmara Cível; Rel. Des. Guiomar Teodoro Borges; Julg. 18/08/2010; DJMT 14/09/2010; Pág. 25).

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. REVISÃO DE CONTRATO BANCÁRIO. SINDICATO RURAL. PRELIMINARES DE IMPOSSIBILIDADE JURIDICA DO PEDIDO E DE CARÊNCIA DO DIREITO DE AÇÃO. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. NÃO-CONHECIMENTO. ILEGITIMIDADE ATIVA. CARÊNCIA DA AÇÃO ACOLHIDA. RECURSO PROVIDO. As preliminares de impossibilidade jurídica do pedido e de carência da ação, suscitadas em sede de agravo de instrumento, não devem ser conhecidas, sob pena de supressão de instância e ofensa ao princípio do duplo grau de jurisdição. O sindicato não tem legitimidade para propor ação civil pública a fim de revisar cláusulas dos contratos firmados pelos seus filiados com instituição financeira, por serem relações de consumo de caráter individual e se notabilizarem pela heterogeneidade” (TJMT; AI 36418/2008; Diamantino; Terceira Câmara Cível; Relª Desª Marilsen Andrade Addario; Julg. 21/07/2010; DJMT 05/08/2010; Pág. 11).

“RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. REVISÃO DE CONTRATOS BANCÁRIOS. SINDICATORURAL. ILEGITIMIDADE ATIVA - RELAÇÕES CONTRATUAIS DIVERSAS. RECURSO IMPROVIDO. O sindicato se configura como parte ilegítima para propor ação civil pública que tenha por objeto a revisão de contratos bancários, firmados entre sindicalizados e instituições financeiras, visto que em tais negociações os contratantes se apresentam como particulares, individuais e com interesses subjetivos” (TJMT; APL 4345/2009; Rondonópolis; Quarta Câmara Cível; Rel. Des. José Silvério Gomes; Julg. 10/08/2009; DJMT 18/08/2009; Pág. 21).

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. SINDICATO RURAL. ILEGITIMIDADE ATIVA. CARÊNCIA DA AÇÃO DECRETADA DE OFÍCIO. DIREITOS INDIVIDUAIS QUE NÃO GUARDAM ENTRESI NEXO FACTUAL. AÇÃOEXTINTA SEM RESOLUÇÃODE MÉRITO. RECURSO PROVIDO. O tribunal de justiça já assentou em diversos julgados que o sindicato não tem legitimidade para propor ação civil pública no caso de relações de consumo de caráter individual e que se notabilizam pela heterogeneidade. Uma vez ocorrida essa situação jurídica o caso é de extinção sem julgamento de mérito por carência da ação, o que pode ser conhecido até mesmo de ofício pelo juízo ou tribunal. Precedentes dos agravos de instrumento 99618/2007, 40824/2008, 62044/2008, 63395/2007, 36418/2008 e 67989/2008” (TJMT; AI 96102/2006; Capital; Terceira Câmara Cível; Rel. Des. Antônio Horácio da Silva Neto; Julg. 22/06/2009; DJMT 03/07/2009).

Pelo teor das decisões supracitadas, ressoa-se como conclusão ululante que a defesa coletiva dos interesses dos associados deve ser autorizada apenas naqueles casos em que for verificada a presença de um direito individual homogêneo.

Ocorre que, na hipótese dos autos, considerando que cada contrato de empréstimo firmado entre os filiados e o banco réu possui particularidades específicas, é certo que se está diante de direitos heterogêneos, estritamente individuais e subjetivos.

De fato, as relações jurídicas estabelecidas entre os associados da parte autora e a parte requerida por certo foram firmadas de maneira individualizada, cada qual atendendo às particularidades e interesses de cada um dos sindicalizados.

Por outro lado, diante da ausência de juntada dos contratos firmados, seja pela parte autora, seja pela requerida, impossível se auferir maiores detalhes. Porém, é extremamente comum nestes tipos de operações creditícias, a adoção de variáveis espécies de instrumentos, cada um com cláusulas e legislação aplicável específica, variando, portanto, quanto aos percentuais de juros e às taxas fixadas em cada contrato.

Destaca-se, ademais, que o requerente trouxe aos autos apenas “exemplos” (sic fl. 113) dos contratos a serem revisados, de forma que pretende a proteção de toda a categoria com base em apenas um instrumento (fls. 114/127).

Portanto, tais instrumentos expressam contratos de livre iniciativa, mormente considerando que, do único “exemplo” acostado aos autos, conclui-se que é provável que cada sindicalizado tenha buscado o crédito com uma finalidade específica e visando a satisfazer interesse e necessidade pessoal: uns para aquisição de trator e outros, de colheitadeira, por exemplo.

Frise-se, ainda, que, independentemente da presente lide, é deveras presumível que alongamentos já foram concedidos a alguns dos sindicalizados, o que demonstra que os direitos cuja proteção se persegue são divisíveis e disponíveis, cabendo a cada um deliberar quanto à intenção de postular a tutela jurisdicional ou firmar renegociação extrajudicial. Prova de tal assertiva é a presença de petições postulando a exclusão do nome de determinado sindicalizado do feito, sob a justificativa de que efetuou negociação diretamente com o requerido (fls. 209 e 348).

Equivale a dizer que os vários negócios entabulados pelos integrantes da categoria são heterogêneos, possuindo, cada qual, suas próprias particularidades, mormente porque não há como se afirmar que todos foram firmados em situação de tempo e lugar que lhes confiram o mesmo tratamento legislativo.

Aliás, exatamente nesse sentido já foi proferido acórdão pelo Colendo Tribunal Matogrossense, reconhecendo a ilegitimidade de ente sindical sob o fundamento de não se fazer presente direito homogêneo no caso de mútuos representados por contratos firmados em “espaço e tempo distintos”. Veja-se:

“DIREITO PROCESSUAL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. SINDICATO RURAL. PRETENSÃO DE REVISÃO DE CONTRATOS BANCÁRIOS. RECONHECIDA A ILEGITIMIDADE ATIVA PELO JUÍZO SINGULAR. INOCORRÊNCIA. LEGITIMIDADE. DIREITOS INDIVIDUAIS HETEROGÊNEOS E NÃOHOMOGÊNEOS. INADEQUAÇÃO DA AÇÃO. AUSÊNCIA DE INTERESSE PROCESSUAL CARACTERIZADA. RECURSO IMPROVIDO. EXTINÇÃO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. Tratando-se de ação civil pública movida pelo sindicato, este tem legitimidade extraordinária por força de Lei. Entrementes, quando aquela ação é proposta com escopo de revisão de cláusulas contratuais, cujos contratos celebrados pelos associados se deram em espaço e tempo distintos, descaracterizam-se os direitos como individuais homogêneos, passando a heterogêneos, o que implica a inadequação da ação civil pública com o fim acima referido” (TJMT; APL-RN 108382/2009; Tangará da Serra; Quarta Câmara Cível; Rel. Desig. Des. Márcio Vidal; Julg. 25/05/2010; DJMT 11/06/2010; Pág. 33).

Portanto, tal espécie de negócio jurídico, individual e heterogêneo, não pode ser questionado, de forma coletiva, por via de entidade sindical, razão pela qual, em face desse eventual direito subjetivo de cada sindicalizado, falta legitimidade do sindicato ora requerente para ajuizar a ação correspondente.

De fato, ainda que o sindicato autor tenha interesse processual em defender os direitos de seus filiados, o mesmo não pode ser dito quanto à legitimação, pois falta-lhe legitimidade ativa para perseguir direitos individuais diversos dos difusos, coletivos e individuais homogêneos.

Assim sendo, não se tratando a demanda da defesa de interesses individuais homogêneos, mas de interesses individuais de caráter heterogêneo, reconheço a ilegitimidade ativa do requerente, posto que, neste caso, vedada está a utilização da ação civil pública em que figure como postulante um sindicato.

III - DISPOSITIVO

Pelo exposto, diante da ilegitimidade ativa do Sindicato requerente, JULGO EXTINTO, sem julgamento do mérito, o presente processo, o que faço com fundamento no art. 267, VI, do Código de Processo Civil, declarando, consequentemente, revogada a liminar concedida às fls. 129/144 dos autos.

Deixo de condenar a parte autora no pagamento das custas e honorários advocatícios, levando-se em conta que, “salvo comprovada má-fé”, não haverá condenação das associações “em honorários de advogado, custas e despesas processuais”, nos termos do dispõe o art. 18 da Lei 7.347, de 24.07.1985.

Certificado o trânsito em julgado, arquive-se, com as baixas e anotações de estilo.

P. R. I. C.

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