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Donos de celulares Samsung com defeito serão indenizados por danos materiais e morais

A 1ª câmara Cível do TJ/MG, confirmando decisão de 1º grau, garantiu a donos de celulares com defeito da marca Samsung o direito de devolver os aparelhos às empresas que os venderam e receber indenização por danos materiais e morais. A decisão foi estendida a todos os que estavam na mesma situação dos autores da ação e que apresentaram reclamação perante o Procon até a data da sentença (19/9/05).

5/10/2011


Ação coletiva

Donos de celulares Samsung com defeito serão indenizados por danos materiais e morais

A 1ª câmara Cível do TJ/MG, confirmando decisão de 1º grau, garantiu a donos de celulares com defeito da marca Samsung o direito de devolver os aparelhos às empresas que os venderam e receber indenização por danos materiais e morais. A decisão foi estendida a todos os que estavam na mesma situação dos autores da ação e que apresentaram reclamação perante o Procon até a data da sentença (19/9/05).

A sentença dada em primeiro grau na comarca de Uberlândia acolheu o pedido da ação coletiva em que 47 consumidores solicitaram, além da rescisão do contrato de compra e venda e da devolução da quantia paga pelo aparelho, o ressarcimento a título de danos morais no valor de um salário mínimo em favor de cada um dos autores listados na petição inicial.

O Procon de Uberlândia entrou com recurso no TJ/MG, no sentido de que a condenação imposta pela sentença beneficie a todos aqueles que adquiriram o produto defeituoso e que registraram queixa no Procon e não somente aqueles que participaram da ação coletiva.

Em sua defesa, a Samsung Eletrônica da Amazônia Ltda alegou preliminarmente ilegitimidade ativa do Procon, devido à falta de procuração dos consumidores. Sustentou que é imprescindível a realização da perícia para comprovar a culpa da empresa nos defeitos dos aparelhos. Defendeu também a inexistência de dano moral e a impossibilidade de fixação do valor indenizatório ao salário mínimo.

A desembargadora Vanessa Verdolim Hudson Andrade, relatora do processo, rejeitou a tese de ilegitimidade passiva, citando o CDC que, ao dispor sobre a ação coletiva, aponta que o Procon é um dos legitimados para intentar a ação; ressaltou o parecer do procurador de Justiça que relaciona os documentos fiscais que instruíram as reclamações no Procon, as fichas de reclamação, comprovando a entrada dos aparelhos na assistência técnica, lá permanecendo por mais de 30 dias sem solução. "Tal parecer, é prova suficiente de que houve culpa da empresa de telefonia celular", disse a magistrada.

A desembargadora considerou que o parecer do MP é também suficiente para concluir pela existência de danos morais, pela essencialidade do telefone móvel nos dias atuais e pela permanência dos aparelhos por mais de 30 dias na assistência técnica.

A decisão foi unânime.

__________

EMENTA: AÇÃO COLETIVA - LEGITIMIDADE ATIVA DO PROCON - CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR - VÍCIOS EM PRODUTOS - DESNECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO POR PERÍCIA - INAPLICABILIDADE DO INSTITUTO DA INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA - DANOS MORAIS DEVIDOS - EFICÁCIA ERGA OMNES DA SENTENÇA. EXTENSÃO. - O Código de Defesa do Consumidor (CDC), instituído pela Lei 8.078 de 1990, dispõe que os direitos das vítimas de abusos cometidos em relações de consumo apurar-se-ão através de ações propostas individual ou coletivamente. Se os direitos defendidos são pessoais e individuais, mas advindos do mesmo fato danoso, é permitido o manejo da ação coletiva. - Ao Procon é conferido pelo CDC a pertinência subjetiva para defender, em nome próprio, interesse de vítimas lesadas em relações no âmbito do direito do consumidor. - A perícia só deve ser feita se, ao critério do Julgador, for ela necessária, porque a prova a ele se dirige. Desnecessária a perícia para prova da culpa de vícios em aparelhos celulares, quando há nos autos outras provas, mormente documentais, que convençam satisfatoriamente. - Havendo pedido ou sendo caso de inversão do ônus da prova, a critério do Juiz, deve haver decisão fundamentada para deferimento da mesma, mesmo que sucinta, para evitar a surpresa para a parte e não cercear o seu direito amplo de defesa. Entretanto, não sendo o caso de aplicação do instituto, não há falar em cerceamento de defesa, devendo ser aplicadas as regras normais do CPC atinentes ao ônus probatório. - A demora na troca ou ressarcimento da quantia paga por aparelhos celulares com vícios acarreta danos patrimoniais, mas o abuso na omissão na assistência ou ressarcimento impõe o reconhecimento de danos morais, mormente se há demonstração de total desconsideração com os adquirentes dos produtos, que se revelam de utilidade e imprescindibilidade no dia a dia, tornando-o não só mais agradável, mas também atendendo a situações que trazem tranqüilidade, demonstrando se tratar de produto de reconhecida utilidade, cuja falta acarreta transtornos, aflições e prejuízos morais. - As necessidades e exigências da vida moderna modificaram a antiga compreensão de que o simples inadimplemento não acarreta danos morais, mormente nos casos em que o inadimplemento se estende no tempo, em face da negligência na assistência que deveria ser imediata, aumentando os transtornos que a vida moderna já traz, acarretando aflições e aborrecimentos que a tecnologia e a eficácia no atendimento podem afastar. - Com o advento do Código de Defesa do Consumidor, nosso ordenamento jurídico foi contemplado com uma disciplina específica para a ação coletiva, na qual a coisa julgada se forma em beneficio de todos aqueles lesados ligados pelo liame da homogeneidade dos direitos individuais. Trata-se de disciplina especial consentânea com os propósitos da ação coletiva, evitando demandas inúteis e repetitivas para promoção de um devido processo legal tempestivo, mais célere. Deste modo o efeito da sentença de procedência que faz coisa julgada tem efeito erga omnes em geral em todo território nacional, podendo o limite observar a competência territorial, de acordo com o caso concreto e a natureza do dano. A solução, na hipótese específica de tutela de direitos individuais homogêneos, busca evitar distorções injurídicas, nas quais uma pessoa que tenha sofrido o mesmo dano, advindo do mesmo produto, tipo e marca, tenha seu direito tolhido, apenas porque a eficácia da decisão não a alcançou. Precedente do STJ (REsp 411.529/SP).

APELAÇÃO CÍVEL N° 1.0702.04.151392-1/002 - COMARCA DE UBERLÂNDIA - APELANTE(S): PROCON SUPCIA PROTEÇÃO DEFESA CONSUMIDOR - APTE(S) ADESIV: SAMSUNG ELETRONICA AMAZONIA LTDA - APELADO(A)(S): PROCON SUPCIA PROTEÇÃO DEFESA CONSUMIDOR, SAMSUNG ELETRONICA AMAZONIA LTDA - RELATORA: EXMª. SRª. DESª. VANESSA VERDOLIM HUDSON ANDRADE

ACÓRDÃO

Vistos etc., acorda, em Turma, a 1ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, sob a Presidência do Desembargador EDUARDO ANDRADE , incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, EM REJEITAR AS PRELIMINARES, DAR PROVIMENTO AO RECURSO PRINCIPAL E NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO ADESIVO.

Belo Horizonte, 16 de agosto de 2011.

DESª. VANESSA VERDOLIM HUDSON ANDRADE - Relatora

NOTAS TAQUIGRÁFICAS

A SRª. DESª. VANESSA VERDOLIM HUDSON ANDRADE:

VOTO

Trata-se de apelação proposta às f. 455/461, pela Secretaria Municipal de Proteção e Defesa do Consumidor - PROCON, órgão de assessoramento integrante da estrutura administrativa do município de Uberlândia, nos autos da ação coletiva para defesa de direitos individuais homogêneos proposta contra a Samsung Eletrônica da Amazônia Ltda., diante do seu inconformismo em face da decisão de f. 443/446 que julgou procedente a demanda, declarando rescindido o contrato de compra e venda outrora firmado e condenando a empresa no pagamento de danos materiais e morais, estes no importe de um salário mínimo, em favor de cada um dos 47 consumidores elencados na peça inicial.

A apelante principal requer seja declarado o efeito erga omnes da sentença, porquanto a condenação deveria beneficiar todos aqueles que adquiriram o produto defeituoso, e não somente aqueles consumidores listados na peça exordial.

Contrarrazões apresentadas às f. 522/531. Preliminarmente, a apelada aponta a falta de interesse de agir, devido à inexistência de direito individual homogêneo e a ilegitimidade ativa, devido à ausência de procuração outorgada ao Procon pelos 45 (quarenta e cinco) consumidores especificados na inicial. No mérito, a empresa refuta a tese de que os efeitos da sentença possam ser alastrados a todos os demais consumidores, por se tratar de direitos homogêneos, que denotam titularidade individualizada do direito concedido em sentença.

Apelação adesiva intentada pela Samsung Eletrônica da Amazônia Ltda., às f. 545/562. Assevera, preliminarmente, falta de interesse de agir, inépcia da inicial devido ao pedido genérico formulado pelo Procon e, por fim, ilegitimidade ativa. No mérito, sustenta que é imprescindível a realização de perícia para comprovar a culpa da empresa nos defeitos dos aparelhos celulares. Alega, mais, que a presente demanda é temerária, tendo em vista que a empresa se empenha em realizar composições amigáveis com seus consumidores, não se comportando de maneira abusiva. Endossa, ainda, que a inversão do ônus da prova não é automática, dependendo de circunstâncias concretas não apuradas no caso em tela, tendo em vista que a análise deve considerar cada consumidor individualmente. Defende, por fim, a inexistência de dano moral, e a impossibilidade de fixação do quantum indenizatório vinculado ao valor do salário mínimo. Requer a condenação do apelante principal por litigância de má-fé, tendo em vista que a presente demanda é temerária.

Contrarrazões apresentadas ao recurso adesivo interposto, às f. 577/589, pela manutenção da sentença primeva na parte atacada, refutando as teses da recorrente.

A Procuradoria-Geral de Justiça manifestou-se, às f. 608/617, através do seu Procurador Antonio Joaquim Fernandes Neto, opinando pelo conhecimento de ambos os recursos, sendo o primeiro provido e ao segundo, negado provimento.

Em fls. 632/633, foi cumprida diligência de fls. 624/628, que propôs que a autora comprovasse nos autos, no prazo de 10 (dez) dias, sua condição de Secretaria Municipal ou prestasse esclarecimento de sua situação jurídica, o que foi cumprido.

Relatados, decido.

Conheço das apelações, presentes os pressupostos de admissibilidade.

Preliminares

1) Inépcia da inicial

Alega o apelante adesivo que o processo deve ser extinto sem julgamento do mérito, tendo em vista a configuração de inépcia da inicial diante da formulação de pedido genérico.

Ao apresentar a sua contestação, não foi alegada tal preliminar, apresentando sem dificuldade a sua defesa. Nota-se que o pedido foi bem delimitado, não causando prejuízo ao apelante, o que demonstra que a inicial não é inepta.

Pelo exposto, rejeito a preliminar arguida.

2) Falta de interesse de agir

O Código de Defesa do Consumidor (CDC), instituído pela Lei 8.078 de 1990, dispõe que os direitos das vítimas de abusos cometidos em relações de consumo dar-se-ão através de ações propostas individual ou coletivamente. O parágrafo único do artigo 81 daquele diploma estabelece os casos nos quais os direitos poderão ser defendidos coletivamente. Vejamos a íntegra do dispositivo:

"Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo.

Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:

I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;

II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base;

III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum." Destaquei

O caso atrai a incidência do inciso terceiro do dispositivo retro citado, uma vez que os direitos ora defendidos são pessoais e individuais, mas advindos do mesmo fato danoso, o que permite o manejo da ação coletiva.

Nesse sentido, o colendo Superior Tribunal de Justiça pontificou o entendimento que

"O art. 81, parágrafo único, III, citado, acolhe a ação coletiva quando se tratar de "interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum" . Sem dúvida, nos termos do Código de Defesa do Consumidor, há direitos ou interesses coletivos, que são aqueles transindividuais indivisíveis, como direitos ou interesses individuais homogêneos, estes últimos, na minha compreensão, desdobrados do primeiro, e alcançando, exatamente, aqueles direitos com origem comum, divisíveis na sua extensão, variáveis individualmente, com relação ao dano ou à responsabilidade. São direitos ou interesses individuais que se identificam em função da origem comum, a recomendar a defesa coletiva, isto é, a defesa de todos os que estão presos pela mesma origem. Como consta da ementa de julgado da Corte Especial, Relator o Senhor Ministro Waldemar Zveiter, os direitos individuais homogêneos "são aqueles que têm a mesma origem no tocante aos fatos geradores de tais direitos, origem idêntica essa que recomenda a defesa de todos a um só tempo" (EREsp n° 141.491-SC, DJ de 01/8/00). No caso, a meu sentir, está evidente a origem comum, não havendo razão para se negar a legitimidade ativa do PROCON em razão da natureza do direito pleiteado (...). (REsp 200.827/SP, Rel. Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, TERCEIRA TURMA, julgado em 26/08/2002, DJ 09/12/2002 p. 339)

Sendo assim, não há que se falar em ausência de interesse de agir, de modo que rejeito essa preliminar.

3) Ilegitimidade ativa

A presente demanda foi intentada pela Secretaria de Proteção e Defesa dos Direitos do Consumidor, PROCON, na representação de 47 consumidores insatisfeitos com aparelhos celulares da marca Samsung, haja vista a existência de vícios redibitórios que prejudicaram ou mesmo impossibilitaram a utilização dos produtos.

O Código de Defesa do consumidor, ao dispor sobre a ação coletiva, traz em seu bojo os legitimados para intentar a ação, confira-se:

"Art. 82. Para os fins do art. 81, parágrafo único, são legitimados concorrentemente:

(...)

III - as entidades e órgãos da Administração Pública, direta ou indireta, ainda que sem personalidade jurídica, especificamente destinados à defesa dos interesses e direitos protegidos por este código;" Destaquei.

Desta feita, depreende-se que o dispositivo trasladado alhures confere ao Procon a pertinência subjetiva para defender os interesses discutidos no caso em tela. Anote-se, ainda, que o art. 91 do CDC garante ao órgão municipal a possibilidade de pleitear, em nome próprio, no interesse das vítimas:

"Art. 91. Os legitimados de que trata o art. 82 poderão propor, em nome próprio e no interesse das vítimas ou seus sucessores, ação civil coletiva de responsabilidade pelos danos individualmente sofridos, de acordo com o disposto nos artigos seguintes."

A respeito, o Colendo Superior Tribunal de Justiça, em voto da i. Ministra Nancy Andrighi se manifestou no sentido de que

"Os direitos individuais homogêneos em sua essência são individuais, divisíveis e disponíveis. Contudo, não é a natureza disponível e divisível, esta aliás ínsita aos direitos individuais, que retira a homogeneidade dos interesses e lhes expurga da tutela a título coletivo, já que constatada a origem comum dos mesmos, é o interesse social na sua proteção que se transforma no divisor de águas entre o direito individual considerado em sua dimensão particular, pessoal e aquele visto sob ótica comunitária, impessoal, coletiva. (...)

Note-se, ademais, que o controle da boa-fé objetiva nas relações de consumo harmoniza-se com a finalidade institucional do Procon e revela seu interesse de agir em defesa dos consumidores.

Desta feita, ter-se por satisfeitas tais condições da ação, no caso em concreto, é medida que beneficia a economia processual e a correição da prestação jurisdicional, porquanto evita a proliferação de ações individuais e a existência de decisões conflitantes em desfavor do funcionamento do Poder Judiciário (...).(REsp 200.827/SP, Rel. Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, TERCEIRA TURMA, julgado em 26/08/2002, DJ 09/12/2002 p. 339).

Deste modo, verifica-se ser despicienda a procuração outorgada por cada um dos lesados, tendo em vista que se trata de ação coletiva pelos danos individualmente sofridos. Rejeito, pois, a preliminar arguida.

Passo à análise do mérito.

Ressalto que no mérito os recursos se limitam ao direito ao ressarcimento e aos danos morais.

A inicial relata as desventuras sofridas por adquirentes de aparelhos celulares, sob a alegação de que não foram efetivamente atendidos pela empresa requerida, que se furtou de sanar o problema ou mesmo de efetuar a troca dos aparelhos quando requisitada pelos consumidores.

O juízo primevo acolheu o pedido exordial, declarando rescindido o contrato de compra e venda dos aparelhos e fixando valor de reparação por danos morais, no importe de um salário mínimo, em favor de cada um dos consumidores elencados na peça inicial.

As linhas traçadas no decisum, entretanto, não agradaram ao PROCON, que apresentou o presente apelo vislumbrando que seja declarado o efeito erga omnes da sentença, para que atinja não só os consumidores listados na inicial, mas todos aqueles que venham a adquirir telefones celulares defeituosos da marca Samsung, e que apresentem reclamação junto à Secretaria de Defesa do Consumidor.

Por outro lado, a empresa requerida não concorda com a decisão de primeiro grau, tendo em vista a necessidade de perícia para constatação de sua culpa em relação aos vícios apontados pelos consumidores. Nessa linha de raciocínio defende a inaplicabilidade do instituto da inversão do ônus da prova. Ademais, aponta que o caso não dá azo aos danos morais arbitrados na sentença.

Delineado o âmbito da discussão passo à análise das questões trazidas à colação.

1) Da necessidade de perícia

A perícia só deve ser feita se, ao critério do Julgador, for ela necessária, porque a prova a ele se dirige.

Não vi aqui fundamentos que convençam da necessidade alegada. E ao Juiz cabe dar ao processo a agilidade ideal, indeferindo diligências inúteis.

Toda prova é destinada ao convencimento do Poder Judiciário. Não está qualquer julgador vinculado à prova pericial, ante o princípio da livre apreciação da prova, segundo a tranqüila orientação jurisprudencial, verbis:

"O juiz forma sua convicção pelo método da crítica sã' do material probatório estando adstrito aos laudos periciais, cuja utilidade e evidente, mas que não se apresentam cogentes, nem em seus fundamentos nem por suas conclusões, ao magistrado a quem a lei confia a responsabilidade pessoal e direta da prestação jurisdicional. Recurso não provido". (STJ, 4a Turma, AGA n0 12.047 RS, Agravo Regimental no Agravo de Instrumento, Relator MINISTRO ATHOS; CARNEIRO, j. 13.08.91, DJU 09.09.91, p. 12.210, decisão unânime).

Data venia, a perícia, na forma pretendida, não será útil ao deslinde da questão. Diante de tantos consumidores que compraram os celulares com defeitos, seria de se estranhar que o vício fosse decorrente do inadequado manuseio. A absurdidade do argumento se agiganta tendo em vista a vasta documentação juntada com a inicial que demonstra a recorrência dos vícios, na maioria das vezes, no mesmo modelo do aparelho celular. Além disso, a própria requerida admite a efetivação dos reparos perseguidos. O grande número de defeitos obsta que se acolha a sua defesa, de que teria havido manuseio incorreto dos aparelhos.

A celeuma é resolvida na sistemática do ônus da prova. O órgão municipal provou satisfatoriamente fato constitutivo do direito alegado, ao passo que a empresa-ré não apresentou sequer alguma prova que atestasse que não concorreu para os vícios.

Ademais, a empresa-ré não pode agora em sede de apelação alegar a necessidade da prova pericial, sem que tenha agravado da decisão que não deferiu a prova alegada.

Desnecessária, portanto a perícia para que seja provada a culpa da empresa-ré nos vícios dos aparelhos.

2) Da inversão do ônus da prova

O art. 6º, VIII, do Código de Proteção e Defesa do Consumidor deve ser interpretado dentro dos princípios do devido processo legal, do contraditório e da mais ampla defesa, em respeito às garantias fundamentais a que se referem as disposições da Constituição Federal.

Havendo pedido ou sendo caso de inversão do ônus da prova, a critério do Juiz, deve haver decisão fundamentada para deferimento da mesma, mesmo que sucinta, para evitar a surpresa para a parte e não cercear o seu direito amplo de defesa.

A inversão deferida apenas na sentença constitui cerceamento de defesa, se dela não se desincumbiu o fornecedor, salvo se as circunstâncias dos autos demonstram que restou incontroversa a questão, configurando como seu o ônus. É o que aqui ocorre.

A existência do defeito no aparelho celular encontra ressonância na regra insculpida no art. 18 do Código de Proteção e Defesa do Consumidor concernente em vício de qualidade. Não se trata no caso em tela de hipótese referente à responsabilidade objetiva, em que a inversão do ônus da prova se dá ope lege, de pleno direito, por força de lei, sem necessidade de o juiz assim o decidir, como ocorre na Seção II do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, ao tratar da responsabilidade pelo fato do produto e do serviço, artigos 12 a 17, onde é prevista expressamente a responsabilidade, objetiva, independentemente de culpa.

A responsabilidade objetiva, como se sabe, faz inverter o ônus da prova ao fornecedor, que fica a ela obrigado. O parágrafo 3º do art. 12, a exemplo do art. 14, expressamente também assim o estabelece, tratando do caso de responsabilidade pelo fato do produto e do serviço.

Na seção III, da responsabilidade por vício do produto e do serviço, não há inversão automática do ônus da prova, regendo-se a prova, em regra, pelo art. 333 do Código de Processo Civil ou, se presentes os requisitos, pelo art. 6º, VIII, do Código de Proteção e Defesa do Consumidor.

Assim, em regra, alegando a existência do defeito e negando o réu que o defeito existe, cabe ao autor a prova do fato constitutivo do direito alegado, ou seja, da existência do defeito, no sistema clássico que rege a produção de provas (Art. 333, I do Código de Processo Civil). Assim efetivamente operou, juntamente com a documentação inicial.

Entendendo o Juiz, que estão presentes os requisitos previstos no art. 6º, VIII, do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, pode inverter os ônus da prova e para fazê-lo deve observar o princípio do devido processo legal, evitando a cerceamento de defesa.

Em artigo de minha autoria, publicado pela Revista de Julgados do Tribunal de Alçada do Estado de Minas Gerais, n. 175, assim observei:

"Necessidade do despacho que determina a inversão do ônus da prova.

Não é automática a inversão do ônus da prova. Ela depende de circunstâncias concretas, que serão apuradas pelo juiz no contexto da "facilitação da defesa" dos direitos do consumidor.

A cientificação da adoção da inversão pode ser feita no despacho inicial, após a especificação das provas, na audiência de conciliação ou no saneador ou em qualquer momento que se fizer necessário, segundo o entendimento do juiz no caso concreto, mas deve haver decisão expressa e fundamentada, mesmo que de modo conciso, nesse sentido.

Para que se aplique a inversão do ônus da prova, deve ser a parte expressamente cientificada da adoção do procedimento, sob pena de não poder a mesma ser adotada e fundamentada posteriormente, na sentença, pois estaria configurado então o cerceamento de defesa.

A regra geral do ônus probatório no processo é a tradicional, contida no art. 333 do CPC e que já se arraigou em nossos institutos jurídicos. A exceção, neste caso, deixada a critério do juiz, sendo subjetiva, embora dependente às vezes da avaliação de elementos objetivos, depende de decisão nesse sentido.

A lei do consumidor trouxe uma exceção e como toda exceção deve restar bem clara nos autos, o que impõe uma decisão interlocutória nesse sentido, a ser proferida pelo juiz do feito.

Além disso, o juiz, como pacificador das questões sociais, como apaziguador dos litígios, não pode parecer despótico, ou arbitrário. É por isso que deve fundamentar o seu despacho, também para que não pareça que a sua decisão nasceu de um capricho ou que não seguiu a lei ou uma regra, seja moral, econômica ou social.

Além da necessidade de fundamento do lado psicológico, para que as partes não se sintam injustiçadas, há o lado processual, que exige que o juiz fundamente as suas decisões.

A lei processual estabelece que todas as decisões serão fundamentadas. No presente caso, essa fundamentação se faz ainda mais necessária, visto que o dispositivo legal em questão fala em critério do juiz. E critério, como se viu, é o fundamento, é a razão que permite ver o reconhecimento da verdade ou do que se assemelha à verdade, é o porque do julgamento, é a comparação, ou apreciação. É a fundamentação que mostra o discernimento, a circunspeção, a prudência e leva à respeitabilidade do juiz."

Em seguida, observei:

"A diferença é que, aqui, no Código de Defesa do Consumidor, o juiz é que decidirá se inverte ou não o encargo, de acordo com as suas circunstâncias especiais. O juiz é que decidirá se a alegação do consumidor goza ou não de verossimilhança, ou se o mesmo é hipossuficiente, passando então a gozar da presunção de veracidade, de modo a determinar a inversão do ônus da prova."

E concluí:

"Se o juiz aplicar na sentença a inversão do ônus da prova, nos termos do art. 6º, VIII do Código de Defesa do Consumidor, sem antes declarar a sua aplicação durante a instrução do processo e for ela mesmo cabível, haverá nulidade, a ser declarada em segundo grau, em face da surpresa e do cerceamento de defesa. Deverá, assim, obrigatoriamente, haver por parte do juiz a prévia determinação ao fornecedor, para que prove a sua alegação sobre o fato controvertido, que gozará, então, da presunção de veracidade "juris tantum". Se o fornecedor fizer a prova que então passa a lhe competir, caberá ao consumidor fazer a prova contrária, dela elidente."

O art. 6º, III do CPC, deve ser sempre interpretado dentro dos princípios do devido processo legal, do contraditório e da mais ampla defesa, em respeito às garantias fundamentais a que se referem as disposições da Constituição Federal.

Deste modo, verifica-se que a inversão do ônus da prova na sentença configurou o cerceamento de defesa e não devia ter sido aplicado, pois realmente causou surpresa à parte.

Contudo, ao meu sentir, a inversão do ônus da prova é irrelevante no caso concreto, tendo em vista que, nos termos deste voto, entendo que o PROCON comprovou satisfatoriamente o fato constitutivo do direito alegado, ao passo que a empresa-ré não apresentou prova de fato constitutivo, modificativo ou extintivo do direito dos lesados, como lhe era exigido.

Impende concluir, portanto, que embora pudesse ter configurado cerceamento de defesa a inversão do ônus da prova, não houve prejuízo às partes, de modo que não se pode anular a sentença.

Da mesma forma não seria o caso de aplicação da inversão do ônus da prova em relação aos danos morais, tendo em vista que não há nenhum óbice ou hipossuficiência a ser considerada no tocante à prova dos abalos psíquicos alegados. Ausentes, portanto, os pressupostos específicos para aplicação do instituto.

3) Do dano moral

A Lei Civil estatui que todo aquele que, por meio de conduta injurídica, causar dano a outrem deverá repará-lo, mesmo que esse dano seja apenas de ordem moral (art. 186 do CC). O Código Civil, entretanto, não traz o conceito de dano moral, deixando para a doutrina e jurisprudência fazê-lo.

Para RUI STOCO, quando inclusive cita a lição de SAVATIER, o dano moral pode ser conceituado como sendo:

"Colocando a questão em termos de maior amplitude, Savatier oferece uma definição de dano moral como qualquer sofrimento humano que não é causado por uma perda pecuniária, e abrange todo atentado à reputação da vítima, à sua autoridade legítima, ao seu pudor, à sua segurança e tranqüilidade, ao seu amor-próprio estético, à integridade de sua inteligência, a suas afeições etc.". (Traité de la Responsabilité Civile, v. II, n. 525).

E continua:

"De tudo se conclui que, ou aceitamos a idéia de que a ofensa moral se traduz em dano efetivo, embora não patrimonial, atingindo valores internos e anímicos da pessoa, ou haveremos de concluir que a indenização tem mero caráter de pena, como punição ao ofensor e não como reparação ou compensação ao ofendido". (RUI STOCO, Responsabilidade Civil e sua Interpretação Jurisprudencial, 2ª ed., p. 458).

Assim, o dano moral se concretiza quando uma das partes imputa à outra um dano de ordem íntima, quando a vítima sofrer afronta a seus direitos da personalidade, ou ter diminuída sua condição de segurança, tranqüilidade e estima própria.

O dano moral em si é subjetivo e varia em cada caso, especialmente porque nem todos nós podemos suportar as mesmas situações. Daí porque imperioso analisar cada caso dentro de suas particularidades. Mas não significa dizer que o dano moral existe sempre que uma das partes o alegar, caso contrário o Judiciário transformar-se-ia em um instrumento de enriquecimento, porquanto qualquer aborrecimento ou inconveniente seria ensejador do dever indenizatório.

Vem a calhar como uma luva, na hipótese, a prelação do douto CARVALHO DE MENDONÇA, quando ensina:

"... a parte que tiver cumprido a sua prestação pode exigir a da outra. É uma das alternativas que tem o credor adimplente, nos bilaterais: fazer executar o contrato. Entretanto, a parte prejudicada pelo não-cumprimento do contrato pode também requerer a sua rescisão com perdas e danos". (grifamos, Doutrina e Prática das Obrigações, v. 2, p. =327 e 328).

Assim, o direito obrigacional prevê de acordo com os seus princípios os modos de compensar o contraente pelo inadimplemento, seja através das arras, seja através das perdas e danos.

Há, ainda, os danos morais, que no período em que vivemos está sendo tão valorizado, para amenizar as drásticas conseqüências de um atendimento mecanizado ou eletronizado, que acaba deixando os consumidores à mercê de máquinas ou mesmo de atendentes insensíveis, que em vez de reduzir as aflições e pressões do mundo moderno as tornam mais acirradas, formando uma verdadeira luta contra o cansaço em que, não raro, abatido pelos desumanos atendimentos que repetem exigências inusitadas e não necessárias, levam o consumidor ao desespero, muitas vezes de modo a induzi-lo a desistir da reclamação, devolução ou troca do produto.

Neste caso essa coação moral não se travestiu, não se escondeu, não se mascarou. A demora nos atendimentos, a ausência de resposta e a omissão em resolver as questões assim o demonstram.

Não mais há que se dizer que mero inadimplemento não dá lugar a danos morais, pois é público e notório que as grandes empresas, de maior poderio econômico, muitas vezes são as primeiras a ignorar o direito do consumidor ás informações e ao atendimento mais rápido de seus problemas, derivados dos produtos. Por isso vemos normas sendo editadas proibindo atendimentos que se prolongam em demasia no telefone para obter informações ou apresentar reclamações, normas que derivaram precisamente dos abusos existentes. E o que é abusivo deve ser ressarcido, sob pena de prevalecer o poder econômico sobre o legitimo direito a um atendimento eficaz e mais célere, que minimize os transtornos.

No presente caso os transtornos ficaram evidentes, pois hoje não mais se usa do telefone fixo como produto usual, o habitual é o celular, que se tornou obrigatório até para o pessoal de baixa renda, substituindo o telefone fixo em muitos lares.

O uso do celular é que permite no seio social os contatos, a fala com parentes e amigos, a combinação de lazer, enfim, é um instrumento de uma vida agradável e saudável. Não se pode deixar de reconhecer que isso foi negado aos reclamantes, que experimentaram o dissabor de ficar sem esse meio de comunicação por muito mais de um mês, prazo máximo que o CODECON possibilita ao fabricante para a reposição - de maneira até liberal.

Não se pode olvidar que esse prazo máximo é cercado de horas de tentativas sem soluções, de tentativa de contatos ou contatos sem respostas, que são prometidas e não vêm, o que sequer precisa de comprovação, pela obviedade e pelo prazo decorrido sem solução. Isso sem falar nas aflições de contatos perdidos, silêncios incompreendidos e a falta que o aparelho fez no dia a dia, afligindo quem dele necessita nos afazeres do dia a dia, sempre aliviados com o uso do celular. Não se trata de mero aborrecimento. Quem dele precisa que o diga.

Apenas o dano moral pode fazer com que a sentença atenda a regra de que "O juiz adotará em cada caso a decisão que reputar mais justa e equânime, atendendo aos fins sociais da Lei e às exigências do bem comum."

Além disso, a experiência comum tem mostrado - e isto está espelhado nas noticias nos jornais e na jurisprudência pátria - que essa negligencia na assistência aos consumidores e a atenção no atendimento geral aos adquirentes dos produtos tem sido assídua e que a demora no atendimento não se origina de dificuldades técnicas, mas em desídia no atendimento, seja na assistência, na troca ou no ressarcimento pelos defeitos dos produtos.

A jurisprudência citada por Theotônio Negrão o demonstra:

"O Juiz não pode desprezar as regras de experiência comum ao proferir a sentença. Vale dizer, o juiz deve valorizar e apreciar as provas dos autos, mas ao fazê-lo pode e deve servir-se da sua experiência e do que comumente acontece". (JTA 121/391 - in, Código de Processo Civil Theotônio Negrão, notas ao artigo 335).

O Código de Defesa do Consumidor dispõe o seguinte acerca das conseqüências do prazo para que o vício apresentado pelo produto seja sanado:

"Art. 18 (...):

§ 1º Não sendo o vício sanado no prazo máximo de trinta dias, pode o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha:

I - a substituição do produto por outro da mesma espécie, em perfeitas condições de uso;

II - a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos;

III - o abatimento proporcional do preço."

Isto não significa que esse prazo é razoável, o CODECON apenas estipulou esse prazo como o máximo possível, em decorrência de dificuldades que em alguns casos podem existir, inerentes à reposição ou conserto do produto. E essa opção se refere ao produto, sem excluir a hipótese do dano moral.

Deve porém o fabricante ou responsável tentar resolver o vício em prazo inferior, quando possível, amenizando as conseqüências do defeito. E nesse caso, convenhamos, nada foi feito, o que é comprovado pelo grande número de insatisfeitos, que não obtiveram a solução de seus problemas com o produto adquirido.

Sequer comprovou a requerida que o prazo não foi atendido por impossibilidade técnica, nem comprovou que teve, pelo menos, boa vontade em resolver os problemas. É insofismável que a empresa reclamada deveria ter comprovado que deu todo o apoio e empenho para resolver imediatamente os problemas, fazendo jus ao seu nome, o que não foi feito.

O dano moral, aqui, é mais que presumido, chega a ser evidente, lembrando as palavras de nosso grande processualista e consagrado jurista SÁLVIO DE FIGUEIREDO:

"Dispensa-se a prova de prejuízo para demonstrar ofensa ao moral humano, já que o dano moral, tido como lesão a personalidade, ao âmago e a honra da pessoa, por vezes é de difícil constatação, haja vista os reflexos atingirem parte muito própria do individuo - o seu interior". (RESP 85.019/RJ, 4ª Turma, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJU 18.12.98, p. 358).

O valor do arbitramento da indenização por dano moral mostrou-se, assim, até tímido, perante os dissabores que lhe são inerentes, a falta de atenção da requerida e a repercussão social do dano, estando, além disso, muito aquém da situação econômica da causadora do dano.

Há que se considerar ainda o sentido pedagógico na decisão, para que o responsável por milhares de celulares que se encontram na rua tenha uma reflexão sobre a sua responsabilidade, sobre as conseqüências de sua negligencia no trato com os consumidores e trate de treinar melhor seus subalternos, técnicos e atendentes, para que atendam de forma mais eficaz e célere aqueles que confiam em adquirir os seus produtos.

Sabe-se que a natureza do ressarcimento moral é dúplice. "A indenização por dano moral deve ser arbitrada mediante estimativa prudencial que leve em conta a necessidade de, com a quantia, satisfazer a dor da vítima e dissuadir, de igual e novo atentado, o autor da ofensa (RT 706/67).

Apenas o respeito ao consumidor pode tornar a sua vida menos estressante e reduzir os impactos nocivos de tais experiências - para que se possa pensar em uma vida cercada de dignidade e respeito humano.

A vida moderna não mais suporta o descaso no trato negocial, a humilhação da omissão com apoio no poder econômico, nem pode permitir fatos que levem continuamente a irritações e dissabores, como se fossem fatos corriqueiros e que o homem fosse para ser tratado normalmente assim.

A indenização por danos morais deve, pois, ser mantida.

4) Da eficácia erga omnes

O efeito erga omnes pretendido pelo órgão municipal encontra expressa previsão no CDC, em seu art. 103. Confira-se:

"Art. 103. Nas ações coletivas de que trata este código, a sentença fará coisa julgada:

(...)

III - erga omnes, apenas no caso de procedência do pedido, para beneficiar todas as vítimas e seus sucessores, na hipótese do inciso III do parágrafo único do art. 81."

Depreende-se do dispositivo trasladado que a sentença dada em ação coletiva que verse sobre interesses ou direitos individuais homogêneos que, como visto, é o caso dos autos, fará coisa julgada com eficácia erga omnes no caso de procedência do pedido, beneficiando todas as vítimas e seus sucessores.

E mais: não era o caso de delimitar o dispositivo da sentença aos consumidores trazidos à colação quando da petição inicial, pois como cediço, nas ações coletivas, no caso de procedência do pedido, a condenação será genérica, fixando a responsabilidade do réu pelos danos causados (CDC, art. 95).

É que, com o advento do Código de Defesa do Consumidor, nosso ordenamento jurídico foi contemplado com uma disciplina específica para a ação coletiva, na qual a coisa julgada se forma em beneficio de todos aqueles lesados ligados pelo liame da homogeneidade dos direitos individuais. Trata-se de disciplina especial consentânea com os propósitos da ação coletiva, evitando demandas inúteis e repetitivas para promoção de um devido processo legal tempestivo, mais célere.

Entendimento diverso aniquilaria a utilidade da ação coletiva para tutelar interesses individuais homogêneos, pois a ação coletiva seria reduzida a mero litisconsórcio ativo.

É certo que a extensão do efeito da eficácia erga omnes da coisa julgada, decorrente da sentença de procedência em ações coletivas, não é matéria pacífica na doutrina e nem na jurisprudência. Isso decorre do fato de que o art. 16 da Lei da Ação Civil Pública restringe a coisa julgada aos limites da competência territorial do órgão prolator, ao passo que o Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 90, dispõe que se aplicam às ações coletivas as normas do Código de Processo Civil e da Lei n° 7.347, de 24 de julho de 1985.

O dispositivo, em que pesem as renomadas posições acerca da sua inconstitucionalidade por frustrar, em algumas situações, o próprio propósito da ação coletiva e ferir o princípio da isonomia ao não amparar os lesados que se encontram na mesma situação discutida no feito, há a tese defendida pelos Tribunais pátrios pela sua aplicabilidade, por efetivamente controlar o poder do magistrado, evitando situações que, segundo defendem, revelam absurdidade. Seria o caso retratado nos autos, no qual a decisão de um juiz de uma comarca do interior poderia repercutir em todo território nacional, de maneira que poderíamos nos deparar com a imposição de que os Tribunais Superiores ficassem subordinados aos efeitos da coisa julgada oriunda da decisão proferida de um Juízo monocrático.

A par dessas considerações, há, basicamente, três posições acerca da extensão dos efeitos da coisa julgada em ações coletivas: a) a que entende que a eficácia da sentença fica restrita à comarca onde a sentença foi proferida; b) a que entende que a eficácia erga omnes circuscreve-se aos limites da jurisdição do tribunal competente para julgar o recurso ordinário; c) e, por fim, a que entende que a eficácia abrangeria todo território nacional.

Em nosso Tribunal, não há posição sobejadamente majoritária que revele a teoria adotada. Há mesmo a consagração das duas primeiras teorias, trazidas nas seguintes decisões respectivamente:

"EMENTA: AÇÃO CIVIL PÚBLICA - MINISTÉRIO PÚBLICO - LEGITIMIDADE - VALOR DA CAUSA - IMPUGNAÇÃO - CERCEAMENTO DE DEFESA - SEGURO DE VIDA EM GRUPO - INTERESSE INDIVIDUAL HOMOGÊNEO -- CDC - APLICAÇÃO - CLÁUSULAS ABUSIVAS - DANO MORAL - CONDENAÇÃO GENÉRICA - POSSIBILIDADE - PENA COMINATÓRIA - CRITÉRIOS DE FIXAÇÃO - VENDA CASADA - VEDAÇÃO - DEVOLUÇÃO DOS VALORES INDEVIDOS - FORMA SIMPLES - HONORÁRIOS - CONDENAÇÃO - RECOLHIMENTO AO ESTADO - EFEITOS DA SENTENÇA - LIMITES - COMARCA DO PROLATOR.

(...) Os efeitos da sentença, em ação coletiva, são restritos à área de competência territorial de seu prolator." (Processo nº. 2.0000.00.481550-1/000. Rel. Guilherme Luciano Baeta Antunes. DJ: 09/09/2005).

"EMENTA: AÇÃO CIVIL COLETIVA - MPMG - OBRIGAÇÃO DE FAZER - LEGITIMIDADE - OFENSA AOS PRINCÍPIOS DA INFORMAÇÃO E TRANSPARÊNCIA -- EFEITOS TERRITORIAIS DA SENTENÇA - MULTA DIÁRIA. (...) Tratando-se de ação coletiva protetiva de direitos do consumidor, inaplicável o art. 16 da Lei n. 7347/85, com a redação determinada pela Lei n. 9494/97. (...) Restou decidido na sentença objurgada que "os efeitos da coisa julgada se restringem ao limite da competência territorial do órgão prolator da decisão, qual seja, TJMG que tem jurisdição no Estado de Minas Gerais" (...) tenho que referido artigo não se aplica às ações que versam sobre direitos individuais homogêneos dos consumidores, caso dos autos, pois a sua própria definição não comporta a limitação territorial inserida na referida norma. Caso a Lei n. 9.494/97 fosse aplicável ao CDC, a restrição dos efeitos erga omnes de uma sentença coletiva infringiria os mais importantes dispositivos da Lei Consumerista, dificultando a defesa dos consumidores coletivamente considerados, maculando os princípios da vulnerabilidade do consumidor e da repressão eficiente aos abusos praticados ao mercado de consumo, além de afrontar os direitos básicos do consumidor, constantes no artigo 6º do CDC. Saliento ainda que a limitação feita pelo art. 16 da Lei nº 7.347/85 afronta o princípio da economia processual, já que seriam necessárias tantas ações quantas fossem as localidades atingidas pelo dano, o que geraria a proliferação de processos a serem julgados, contrariando os objetivos da tutela coletiva. (...)" (Processo nº. 1.0024.06.058117-0/001. Rel. Valdez Leite Machado. DJ: 27/09/2007).

Por sua vez, o Colendo STJ pontificou recentemente o entendimento da terceira teoria apontada:

"Processo civil e direito do consumidor. Ação civil pública. Correção monetária dos expurgos inflacionários nas cardenetas de poupança. Ação proposta por entidade com abrangência nacional, discutindo direitos individuais homogênios. Eficácia da sentença. Ausência de limitação. Distinção entre os conceitos de eficácia da sentença e de coisa julgada. Recurso especial provido. - A Lei da Ação Civil Pública, originariamente, foi criada para regular a defesa em juízo de direitos difusos e coletivos. A figura dos direitos individuais homogênios surgiu a partir do Código de Defesa do Consumidor, como uma terceira categoria equiparada aos primeiros, porém ontologicamente diversa. - A distinção, defendida inicialmente por Liebman, entre os conceitos de eficácia e de autoridade da sentença, torna inóqua a limitação territorial dos efeitos da coisa julgada estabelecida pelo art. 16 da LAP. A coisa julgada é meramente a imutabilidade dos efeitos da sentença. Mesmo limitada aquela, os efeitos da sentença produzem-se erga omnes, para além dos limites da competência territorial do órgão julgador. - O procedimento regulado pela Ação Civil Pública pode ser utilizado para a defesa dos direitos do consumidor em juízo, porém somente no que não contrariar as regras do CDC, que contem, em seu art. 103, uma disciplina exaustiva para regular a produção de efeitos pela sentença que decide uma relação de consumo. Assim, não é possível a aplicação do art. 16 da LAP para essas hipóteses. Recurso especial conhecido e provido." (REsp 411.529/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 24/06/2008, DJe 05/08/2008)

De ressaltar, entretanto, que a decisão não foi unânime, de modo que o Ministro Ari Pargendler e o Ministro Humberto Gomes de Barros defenderam a tese de que os efeitos da sentença ficam restritos aos limites da jurisdição do tribunal competente para julgar o recurso ordinário. Os argumentos expendidos, em que pesem o teor de grande saber jurídico, a meu ver, não devem ser aplicados nas hipóteses de direitos individuais homogêneos.

A ilustre Ministra relatora do acórdão, Nancy Andrighi, traçou uma inegável distinção entre a tutela dos interesses difusos e coletivos de um lado e a tutela dos interesses individuais homogêneos de outro, asseverando, neste ponto, que na defesa destes, diferentemente do que ocorre na defesa daqueles, é absolutamente necessário que cada titular do direito lesado seja ressarcido, não se podendo conceber, como fez originariamente a Lei da Ação Civil Pública, uma reparação destinada a um fundo comum, como para os direitos difusos e coletivos. Seguindo esse raciocínio, conclui a i. Ministra

"(...) que o ordenamento jurídico brasileiro contém: (i) uma disciplina geral, a ser aplicada para a tutela dos interesses relativos ao meio ambiente, bens e direitos de valor artístico, estético e afins, infração à ordem econômica ou urbanística e demais interesses difusos ou coletivos (Lei nº 7.347/85, art. 1º e seus incisos, excetuado o inciso II); (ii) uma disciplina específica para a tutela de direitos e interesses difusos e coletivos ligados a relações de consumo, cuja regulação se dá pelos arts. 81 a 90 do CDC e, subsidiariamente, pelos dispositivos da LACP; (iii) uma disciplina ainda mais específica, contida nos arts. 91 a 100 do CDC, aplicável somente aos direitos individuais homogêneos."

Isso porque, em análise até mesmo perfunctória, o Código de Defesa do consumidor apenas sofreria influência da Lei de Ação Civil Pública naquilo que não houvesse incompatibilidade. Nesse sentido é imperativo que seja frisado que o CDC não limita em nenhum momento a eficácia da sentença nas ações coletivas em que são discutidos direitos individuais homogêneos. E mais: não poderíamos dizer que os Tribunais Superiores ficariam vinculados à decisão, tendo em vista que se o art. 16 da LACP fez alguma limitação, essa consistiu apenas na indiscutibilidade das sentenças, o que resolveria a questão. Assim, assevera a Ministra:

"Assim, ainda que o objetivo do legislador, ao criar o art. 16 da LACP, fosse ode efetivamente limitar a eficácia da sentença ao território em que seria competente o juiz que a prolatou, esse escopo não foi atingido pela norma da forma como ela restou redigida . Ao dizer que "a sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos limites da competência territorial do órgão prolator" , tudo o que o legislador logrou êxito em fazer foi definir que a sentença, em que pese estender seus efeitos a todo o território nacional, não poderá ser questionada em nenhuma demanda futura a ser decidida dentro da base territorial mencionada na lei. Nada mais que isso."

Não acredito, data venia, que o efeito erga omnes estendido ao âmbito territorial criaria ofensa ao pacto federativo. É cediço que a eficácia, em que pese abranger todo território nacional, fica restrita à relação jurídica tratada nos autos, fazendo-se necessária a revelação do necessário liame subjetivo do direito individual homogêneo tratado. A solução busca evitar distorções injurídicas, nas quais uma pessoa de uma comarca próxima, ainda que de estado diferente, tenha seu direito tolhido, apenas porque a eficácia da decisão não lhe alcançou. Isso não pode ser admitido, pela própria peculiaridade do direito tratado nos autos.

Sendo assim, no caso específico de tutela aos direitos individuais homogêneos, não há como afastar a conclusão do eminente Ministro Castro Filho:

"Em assim sendo, é de se entender que o comando do artigo 16 da Lei da Ação Civil Pública - mesmo com a alteração procedida pela Lei nº 9.494/97 -, limitando os efeitos da coisa julgada à competência territorial do órgão prolator, não se aplica aos direitos individuais homogêneos, mas, apenas, e quando muito, às demandas instauradas em defesa de interesses difusos e coletivos."

No entanto, o caso concreto não recomenda a eficácia erga omnes além da competência territorial, em face das circunstâncias demonstradas e das partes envolvidas, não se podendo ampliar de tal modo os efeitos desta ação, até pela dificuldade na eventual execução.

Desta feita, deve ser dado provimento ao recurso para estender a eficácia da sentença, no tocante à rescisão contratual e restituição do valor pago devidamente atualizado, mediante a entrega dos aparelhos, a todos os consumidores clientes da mesma empresa de aparelhos celulares que se encontrem na situação prevista na sentença, observada a competência territorial. No caso em tela, beneficiando todos aqueles que se viram lesados com a compra neste Estado dos aparelhos da empresa-ré, das marcas e modelos apresentados nos autos, comprovados os defeitos mediante entrega na assistência técnica autorizada.

Ressalto, por fim, o bem lançado parecer do ilustre Procurador de Justiça Dr. Antonio Joaquim Fernandes Neto, que com a propriedade que lhe é peculiar relaciona à fl. 615 os documentos fiscais que instruíram as reclamações no PROCON, as fichas de reclamação que comprovam que os aparelhos eram levados à assistência técnica e lá permaneciam por mais de 30 dias sem solução, sobressaindo a essencialidade do telefone móvel nos dias atuais. Demonstra, ainda, citando o art. 18, § 3º, do CODECON, que a lei consumerista flexibiliza esse prazo de 30 dias, quando se trata de produto considerado essencial. A conclusão que consta no final de seu judicioso parecer é suficiente para concluir pela existência de danos morais, além dos materiais. Ressalta, também com propriedade, que a sentença deve atingir todos os que sofreram o mesmo prejuízo .

5) Da litigância de má-fé

Quanto à litigância de má-fé alegada pela apelante adesiva, para a aplicação da multa é necessária a presença do elemento subjetivo, que não ocorre.

A penalidade ou o ressarcimento pela litigância de má-fé não constitui sanção de índole objetiva, o que levaria à condenação de todo aquele que ficasse vencido em sua pretensão. Se assim o quisesse o legislador processual o diria. O ressarcimento depende de fato subjetivo, consubstanciado na má-fé processual, na forma temerária de litigar, seja por parte do vencedor, seja por parte do vencido. Deve, portanto, estar comprovado nos autos a prática de ato temerário ou evidenciada a má-fé processual, sem o que não há de se aplicar os arts. 17 e 18 do CPC.

Nesse sentido, o professor HUMBERTO THEODORO JÚNIOR preleciona:

"Na repressão à litigância de má-fé não importa que o 'improbus litigator" seja titular do direito controvertido e que mereça a vitória no pleito judicial. O que não se tolera é que alguém, maliciosamente, se valha do processo para acarretar a outrem um prejuízo desnecessário e injusto".

Daí, completa:

"Por isso, se a parte vitoriosa empregou, em alguma diligência processual, o dolo, a malícia, a fraude, para fazer prevalecer sua posição jurídica sobre o adversário, acarretando-lhe injustos prejuízos, passível estará de ser enquadrada na figura de litigante temerário ou de má-fé, para suportar toda a responsabilidade daí resultante".

E explica:

"Aqui incide o elemento psicológico ou moral que é a má-fé do litigante, pelo que a sujeição à sanção legal do litigante de má-fé ocorre, ainda quando a parte seja, no mérito, vitoriosa. Daí anotar CARNELUTTI que a repressão à má-fé processual acarreta 'la responsabilidade de la parte que haya ocasionado al contrario daño com actor opuestos a la probidad o a la lealtad, aunque sea victoriosa" (n. 240, p. 364). (O Princípio da Probidade e a Repressão à Litigância de Má-fé, "in" COAD - Seleções Jurídicas - ADV - 11/90, p. 17/25).

Não há evidência de demanda temerária nos autos. E mais: não há que se falar em ação temerária ou litigância de má-fé quando se ingressa com ação em defesa de interesses legítimos e consagrados constitucionalmente.

6) Conclusão

Diante de todo o exposto e de tudo mais que nos autos consta, rejeito às preliminares e DOU PROVIMENTO à apelação principal para conferir à sentença a eficácia erga omnes, de modo a estender os efeitos da sentença a todos os que se situam na mesma situação dos autores, com aparelhos celulares defeituosos dos mesmos tipos dos autores substituídos, sem solução e que apresentaram reclamação perante o PROCON até a data da sentença, proferida em 19/09/2005, observada a competência territorial, nos termos deste voto. NEGO PROVIMENTO à apelação adesiva.

Custas recursais pelo requerido.

Votaram de acordo com o(a) Relator(a) os Desembargador(es): ARMANDO FREIRE e ALBERTO VILAS BOAS.

SÚMULA : REJEITARAM AS PRELIMINARES, DERAM PROVIMENTO AO RECURSO PRINCIPAL E NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO ADESIVO.

__________

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