Crime
Apropriação indébita de contribuição previdenciária até R$ 10 mil é crime de bagatela
Dois réus foram denunciados por apropriação indébita de dez contribuições previdenciárias descontadas de seus empregados, entre os anos de 2002 e 2004, totalizando pouco mais de R$ 12 mil. Um dos réus foi absolvido e outro foi condenado à pena de dois anos e quatro meses de reclusão, em regime aberto, e multa. Posteriormente, a pena de reclusão foi substituída por prestação de serviços comunitários e prestação pecuniária.
O MPF e o réu condenado apelaram ao TRF, o primeiro pedindo também a condenação do corréu absolvido, o segundo defendendo a própria absolvição. O Tribunal Regional considerou que o valor remanescente da sonegação, que ainda não havia prescrito, somava cerca de R$ 6.800. Isso permitiria a aplicação do princípio da insignificância, com a consequente exclusão da tipicidade do delito – razão pela qual o TRF determinou a absolvição do réu anteriormente condenado.
No recurso ao STJ, o MPF afirmou que o artigo 168-A do CP (clique aqui), que trata do crime de apropriação indébita previdenciária, não estabelece valores mínimos, e que o fato de o Estado não promover a cobrança de débitos inferiores a R$ 2.500 não significa que não tenha interesse no recebimento dessas quantias. Além disso, mesmo que o limite para a aplicação do princípio da insignificância fosse de R$ 10 mil, as parcelas prescritas elevariam o valor apropriado indevidamente a mais de R$ 12 mil.
Entretanto, o ministro Gilson Dipp, relator do recurso, considerou que a jurisprudência já é pacífica no sentido de que o princípio da insignificância se aplica a situações em que os débitos tributários envolvidos não passem de R$ 10 mil. No caso, apontou, considera-se a hipótese do crime de bagatela, em decorrência do art. 20 da lei 10.522/02 (clique aqui), conforme ficou decidido pela 3ª seção do STJ ao julgar o REsp 1.112.748, no regime dos recursos repetitivos.
O magistrado disse ainda que, com a lei 11.457/07 (clique aqui), que incluiu os débitos relativos à contribuição previdenciária na dívida ativa da União, o mesmo raciocínio aplicado ao delito de descaminho, quanto à incidência do princípio da insignificância, deve ser adotado para o crime de não recolhimento das contribuições para a previdência social. Com essa fundamentação, o ministro Dipp negou o recurso do MPF.
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RECURSO ESPECIAL Nº 1.171.199 - RS (2009/0237201-4)
RELATOR : MINISTRO GILSON DIPP
RECORRENTE : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
RECORRIDO : A.L.O.
RECORRIDO : V.R.B.O.
ADVOGADO : FABRÍCIO VON MENGDEN CAMPEZATTO - DEFENSOR PÚBLICO DA UNIÃO
EMENTA
CRIMINAL. RESP. APROPRIAÇÃO INDÉBITA DE CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. ART. 20 DA LEI 10.522/2002. APLICABILIDADE. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.
I.Nos termos do julgamento, pela Terceira Seção, do Recurso Especial Repetitivo n.º 1.112.748/TO, pacificou-se o entendimento no sentido de que o princípio da insignificância no crime de descaminho incide quando o débito tributário não ultrapassar o valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), nos termos do disposto no art. 20 da Lei 10.522/2002.II.Considerando-se que a Lei nº 11.457/2007 considerou como dívida ativa da União os débitos decorrentes das contribuições previdenciárias, estende-se a aplicação do princípio da insignificância também ao crime de apropriação indébita previdenciária, sempre que o valor do débito não for superior a R$ 10.000,00 (dez mil reais). Precedente.
III. Recurso especial conhecido e desprovido, nos termos do voto do relator.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da QUINTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça. "A Turma, por unanimidade, conheceu do recurso, mas lhe negou provimento."Os Srs. Ministros Napoleão Nunes Maia Filho, Jorge Mussi e Adilson Vieira Macabu (Desembargador convocado do TJ/RJ) votaram com o Sr. Ministro Relator.
Ausente, justificadamente, a Sra. Ministra Laurita Vaz.
Brasília (DF), 28 de junho de 2011(Data do Julgamento)
MINISTRO GILSON DIPP
Relator
RELATÓRIO
EXMO. SR. MINISTRO GILSON DIPP (Relator):
Trata-se de recurso especial interposto pelo Ministério Público Federal, com fulcro nas alíneas “a” e “c” do permissivo constitucional, em face de acórdão proferido pela Oitava Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que absolveu os recorridos, nos termos da seguinte ementa (fl. 459 e-STJ):
"PENAL. APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA.INSIGNIFICÂNCIA. Aplica-se o princípio da insignificância jurídica, como excludente da tipicidade do delito de apropriação indébita previdenciária (CP, art. 168-A), quando o valor dos atributos iludidos é inferior a R$ 10.000,00 (dez mil reais), montante estabelecido pela Administração com sendo o mínimo para o ajuizamento de suas execuções fiscais. Precedentes do Supremo Tribunal Federal e desta Corte.”
Consta dos autos que o recorrido foi denunciado pela prática do delito previsto no art. 168-A, § 1.º, inc. I, c/c o art. 71, ambos do Código Penal, porque teria deixado de recolher à Previdência Social, no prazo legal, as contribuições previdenciárias descontadas de seus empregados nos meses de fevereiro2002, abril/2002, maio/2002, novembro/2002, agosto/2003, outubro/2003 a fevereiro/2004, abril/2004 a junho/2004, 13.º/2003, totalizando valor de R$ 12.090,73 (doze mil e noventa reais e setenta e três centavos).
Após instrução sobreveio sentença que absolveu a recorrida V.R.B.O. e condenou o recorrido A.L.O. à pena de 02 (dois) anos, 04 (quatro) meses e 24 (vinte e quatro) dias de reclusão, em regime inicial aberto, e à pena de multa de 48 (quarenta e oito) dias-multa, no valor unitário de 1/20 do salário mínimo.
A pena privativa de liberdade foi substituída por prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária.
O Ministério Público apelou da sentença, pretendendo a condenação de V.R.B.O., Apelou, também, o ora recorrido, pugnando pela absolvição. O Tribunal a quo – afastando as competências prescritas - considerando o valor remanescente de R$ 6.860,67 (seis mil, oitocentos e sessenta reais e sessenta e sete centavos), aplicou o princípio da insignificância e determinou a absolvição do ora recorrido.
No presente recurso especial, o Órgão Ministerial aponta negativa de vigência ao art. 168-A, § 1.º, inc. I e § 3.º, inc. II do Código Penal, além de divergência jurisprudencial.
Argumenta que o patamar considerado para a aplicação do princípio da insignificância não pode ser o de R$ 10.000,00 (dez mil reais), considerando-se que o art. 168-A não estabelece valores, que o fato de o Estado não promover a cobrança dos débitos com valores inferiores a R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais) não significa falta de interesse da união em receber as quantias e ainda que, no caso, considerando-se as parcelas prescritas, o débito ultrapassava R$ 12.000,00 (doze mil reais).
Foram apresentadas contrarrazões (fls. 491/506 e-STJ).
Admitido o recurso (fls. 508/509 e-STJ), a Subprocuradoria-Geral da República opinou pelo seu provimento (fls. 523/528 e-STJ).
É o relatório.
VOTO
EXMO. SR. MINISTRO GILSON DIPP (Relator):
Trata-se de recurso especial interposto pelo Ministério Público Federal, com fulcro nas alíneas “a” e “c” do permissivo constitucional, em face de acórdão proferido pela Oitava Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que absolveu os recorridos.
Consta dos autos que o recorrido foi denunciado pela prática do delito previsto no art. 168-A, § 1.º, inc. I, c/c o art. 71, ambos do Código Penal, porque teria deixado de recolher à Previdência Social, no prazo legal, as contribuições previdenciárias descontadas de seus empregados nos meses de fevereiro2002, abril/2002, maio/2002, novembro/2002, agosto/2003, outubro/2003 a fevereiro/2004, abril/2004 a junho/2004, 13.º/2003, totalizando valor de R$ 12.090,73 (doze mil e noventa reais e setenta e três centavos)
Após instrução sobreveio sentença que absolveu a recorrida V.R.B.O. e condenou o recorrido A.L.O. à pena de 02 (dois) anos, 04 (quatro) meses e 24 (vinte e quatro) dias de reclusão, em regime inicial aberto, e à pena de multa de 48 (quarenta e oito) dias-multa, no valor unitário de 1/20 do salário mínimo.
A pena privativa de liberdade foi substituída por prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária.
O Ministério Público apelou da sentença, pretendendo a condenação de V.R.B.O., Apelou, também, o ora recorrido, pugnando pela absolvição. O Tribunal a quo – afastando as competências prescritas - considerando o valor remanescente de R$ 6.860,67 (seis mil, oitocentos e sessenta reais e sessenta e sete centavos), aplicou o princípio da insignificância e determinou a absolvição do ora recorrido.
No presente recurso especial, o Órgão Ministerial aponta negativa de vigência ao art. 168-A, § 1.º, inc. I e § 3.º, inc. II do Código Penal, além de divergência jurisprudencial.
Argumenta que o patamar considerado para a aplicação do princípio da insignificância não pode ser o de R$ 10.000,00 (dez mil reais), considerando-se que o art. 168-A não estabelece valores, que o fato de o Estado não promover a cobrança dos débitos com valores inferiores a R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais) não significa falta de interesse da união em receber as quantias e ainda que, no caso, considerando-se as parcelas prescritas, o débito ultrapassava R$ 12.000,00 (doze mil reais).
Tempestivo o recurso e prequestionada a matéria, conheço do recurso.
A irresignação, no entanto, não merece prosperar.
A questão encontra-se pacificada pelo julgamento do RESP n.º 1.112.748/TO - representativo da controvérsia acerca do patamar para a aplicação do princípio da insignificância – no qual a 3.ª Seção decidiu que, cuidando-se de débitos tributários que não ultrapassem o valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), considera-se hipótese de crime de bagatela, em decorrência do art. 20 da Lei n.º 10.522/02:
“RECURSO ESPECIAL REPETITIVO REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. ART. 105, III, A E C DA CF/88. PENAL. ART. 334, § 1º, ALÍNEAS C E D, DO CÓDIGO PENAL. DESCAMINHO. TIPICIDADE. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA.
I - Segundo jurisprudência firmada no âmbito do Pretório Excelso - 1ª e 2ª Turmas - incide o princípio da insignificância aos débitos tributários que não ultrapassem o limite de R$ 10.000,00 (dez mil reais), a teor do disposto no art. 20 da Lei nº 10.522/02.
II - Muito embora esta não seja a orientação majoritária desta Corte (vide EREsp 966077/GO, 3ª Seção, Rel. Min. Laurita Vaz, DJe de 20/08/2009), mas em prol da otimização do sistema, e buscando evitar uma sucessiva interposição de recursos ao c. Supremo Tribunal Federal, em sintonia com os objetivos da Lei nº 11.672/08, é de ser seguido, na matéria, o escólio jurisprudencial da Suprema Corte.
Recurso especial desprovido.” (REsp 1112748/TO, Rel. Ministro FELIX FISCHER, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 09/09/2009, DJe 13/10/2009)
Com o advento da Lei 11.457/2007 – a qual estabeleceu que os débitos relativos à contribuição previdenciária incluem-se na dívida ativa da União-, estende-se o mesmo raciocínio aplicado ao delito de descaminho ao crime de omissão no recolhimento de contribuições previdenciárias, em relação à incidência do princípio da insignificância.
Assim tem decidido este Turma, conforme se depreende do seguinte precedente:
“PENAL E PROCESSUAL PENAL. APROPRIAÇÃO INDÉBITA DE CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS (ART. 168-A DO CÓDIGO PENAL). PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. ART. 20 DA LEI 10.522/2002. APLICABILIDADE.
1. Com o julgamento pela Terceira Seção do Recurso Especial Repetitivo n.º 1.112.748/TO (Relator Ministro Felix Fischer, DJe de 5/10/2009), restou pacificado nesta Corte o entendimento de que o princípio da insignificância no crime de descaminho incide quando o débito tributário não ultrapasse o valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), consoante o disposto no art. 20 da Lei 10.522/2002.
2. A Lei nº 11.457/2007 que criou a Secretaria da Receita Federal do Brasil considerou como dívida ativa da União os débitos decorrentes das contribuições previdenciárias. Diante disso, entende-se viável, sempre que o valor do débito não for superior a R$ 10.000,00 (dez mil reais), a aplicação do princípio da insignificância também no crime de apropriação indébita previdenciária.
3. In casu, verifica-se que o valor da contribuição previdenciária não recolhida é de R$ 1.799,87 (um mil, setecentos e noventa e nove reais e oitenta e sete centavos), razão pela qual está caracterizado na esfera penal a irrelevância da conduta.
4. Recurso especial a que se nega provimento.” (REsp 1125462/PR, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 07/12/2010, DJe 17/12/2010)
Diante disso, verifica-se que o acórdão recorrido encontra-se em consonância com o entendimento desta Corte e que não se verifica a apontada negativa de vigência ao dispositivo legal.
Ante o exposto, conheço do recurso, para negar-lhe provimento, nos termos da fundamentação acima.
É o voto.
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