Quitação
Para STJ, parcelamento de débito tributário suspende pretensão punitiva e prescrição
A contribuinte, que vinha sendo investigada por suspeita de crime tributário, obteve parcelamento do débito na Secretaria da RF, de acordo com o art. 9º da lei 10.684/03 (clique aqui). Diante disso, o MP opinou pela suspensão da pretensão punitiva do Estado e também pela suspensão do prazo de prescrição do crime. Na primeira instância, o juízo da 12° vara Federal da seção judiciária do DF foi além e decidiu tornar extinta a punibilidade no caso.
O MP interpôs recurso para anular a decisão de primeira instância, sustentando que, durante o período em que a pessoa física estiver incluída no regime de parcelamento, tanto a pretensão punitiva quanto a prescrição devem ficar suspensas, porém não há motivo para a extinção da punibilidade, que só ocorrerá com o pagamento da última parcela do débito tributário.
O TRF da 1° região, ao julgar o recurso, determinou o regular andamento do procedimento investigatório e condicionou a eventual suspensão da pretensão punitiva à posterior propositura da ação penal. A defesa da contribuinte interpôs recurso no STJ, sustentando que não havia justa causa para a investigação, nem para a ação penal à qual ficou sujeita após o julgamento da segunda instância. Para a defesa, a decisão do TRF extrapolou o pedido do recurso, caracterizando julgamento extra petita.
A defesa pretendia impedir o prosseguimento do processo investigatório e suspender a pretensão punitiva, assim como o prazo de prescrição, alegando que o parcelamento firmado administrativamente estava sendo regularmente pago. Em seu parecer, o MP afirmou que, em casos similares, o Estado somente deve punir quando houver inadimplemento do contribuinte no refinanciamento da dívida.
A ministra Maria Thereza de Assis Moura, relatora, reconheceu que houve julgamento extra petita e que a posição adotada pelo TRF divergiu do entendimento do STJ. Segundo ela, com o parcelamento do débito tributário, devem ser suspensas a pretensão punitiva e a prescrição do crime, "pois o escopo maior da norma penal é o pagamento do tributo".
A ministra afirmou ainda que aguardar a decisão da administração tributária, à qual cabe fazer o lançamento definitivo, "não importa violação à independência das esferas administrativa e judiciária". Com a decisão unânime, o procedimento investigatório foi suspenso até a quitação do parcelamento do débito concedido administrativamente.
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Processo Relacionado : HC 100954 - clique aqui.
Veja abaixo a íntegra do acórdão.
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HABEAS CORPUS Nº 100.954 - DF (2008/0043574-3)
RELATORA : MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA
IMPETRANTE : CRISTIANE DE MOURA DIBE
IMPETRADO : TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1A REGIÃO
PACIENTE : R.B.C.
EMENTA
PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS . SONEGAÇÃO FISCAL. ART. 1º, I DA LEI Nº 8.137/1990. PARCELAMENTO DO DÉBITO. SUSPENSÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA E DA PRESCRIÇÃO. ORDEM CONCEDIDA.
1. Parcelado o débito fiscal, nos termos do art. 9º da Lei nº 10.684/2003, suspende-se também a pretensão punitiva e a prescrição, pois o escopo maior da norma penal é o pagamento do tributo.
2. Não importa violação à independência das esferas administrativa e judiciária o aguardo da decisão administrativa, a quem cabe efetuar o lançamento definitivo.
3. Ordem concedida para suspender o procedimento investigatório nº. 2006.34.00.031540-8, da 12.ª Vara Federal da Seção Judiciária do Distrito Federal, até o resultado definitivo do parcelamento do débito administrativamente concedido à ora paciente pela Receita Federal.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça: "A Turma, por unanimidade, concedeu a ordem de habeas corpus, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora." Os Srs. Ministros Og Fernandes, Sebastião Reis Júnior, Vasco Della Giustina (Desembargador convocado do TJ/RS) e Haroldo Rodrigues (Desembargador convocado do TJ/CE) votaram com a Sra. Ministra Relatora.
Presidiu o julgamento a Sra. Ministra Maria Thereza de Assis Moura.
Brasília, 14 de junho de 2011(Data do Julgamento)
Ministra Maria Thereza de Assis Moura
Relatora
RELATÓRIO
MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA:
Trata-se de habeas corpus, com pedido liminar, impetrado em favor de R.B.C., apontando como autoridade coatora a Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da Primeira Região, que, por unanimidade, deu parcial provimento a recurso em sentido estrito interposto pelo Ministério Público Federal.
Consta dos autos que a paciente, após firmar parcelamento de débito tributário junto à Secretaria da Receita Federal (fls. 21), obteve do parquet federal, no seio de procedimento investigatório, pronunciamento favorável à suspensão da pretensão punitiva e do curso do prazo prescricional, em razão da prática, em tese, do crime previsto no art. 1.° da Lei n. 8.137/90 (fls. 15-16).
Sucedeu que o juízo da 12.ª Vara da Seção Judiciária do Distrito Federal, após se afastar das razões apresentadas pelo i. Procurador da Republica, reconheceu por extinta a punibilidade da paciente, nos termos do artigo 34 da Lei n.º 9.249/95, combinado com o artigo 61 do CPP (fls. 22-23).
Insurgindo-se contra essa decisão, o Ministério Público Federal interpôs recurso em sentido estrito (fls. 25-35), no qual pugnou pela anulação da decisão aludida, bem como reiterou o pedido de suspensão da pretensão punitiva e do curso do prazo prescricional, na forma do artigo 9.° da Lei n.° 10.684/03.
Observou-se, contudo, que desse julgamento a autoridade apontada como coatora teria, além de acolhido o pedido de reforma da decisão combatida, determinado o regular andamento do procedimento investigatório contra a paciente, assim como condicionado a suspensão da pretensão punitiva à posterior propositura da ação penal (fls. 40-44).
É contra esse acórdão que ora se insurge a impetrante.
Sustenta, em síntese, que a autoridade indicada como coatora, a par de proceder a julgamento extra petita, submetera a paciente, sem justa causa, a procedimento investigatório e a ver contra si instaurada ação penal por crime tributário cuja dívida encontra-se parcelada e regularmente adimplida, na conformidade do processo de parcelamento n.º 14041.000625/2005-12 (fls. 50).
Dessa maneira, pretende, liminarmente, obstar o formal prosseguimento do procedimento investigatório em desfavor da paciente, e, no mérito, a suspensão da pretensão punitiva e do curso do prazo prescricional, segundo dispõe o artigo 9.° da Lei n.° 10.684/03.
Deferida a liminar para suspender o inquérito até o julgamento deste writ (fls. 59/62), foram prestadas informações (fls. 68/72), opinando o Ministério Público Federal pela concessão da ordem (fls. 74/77).
É o relatório.
VOTO
MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA(Relatora):
Na espécie, o juiz federal determinou o trancamento do inquérito, em face do parcelamento do débito, porque entendeu ausente o jus puniendi .
Confira-se os termos da decisão:
"O Ministério Público Federal requer a suspensão do feito durante o período em que a pessoa física estiver incluída no regime de parcelamento de crédito (fls. 03/07).
Debruçado sobre a quaestio juris, verifico restar extinta a punibilidade e, por conseguinte, inexistir justa causa para a eternização das investigações.
É que os docs. de fls. 97/105 comprovam o parcelamento do débito tributário atribuído à contribuinte, ainda durante as investigações preliminares.
Nesse sentido, a correta inteligência do disposto no art. 15, caput da Lei nº 9.964, de 10.04.2000 e art. 9º, caput e §2º da Lei nº 10.684, de 30.05.2003, aponta para a conclusão de que, enquanto perdurar a inclusão do contribuinte no PAES/REFIS, ou qualquer outra forma de parcelamento administrativo do débito tributário, com o consequente adimplemento de suas obrigações, não há que se cogitar da existência de pretensão punitiva.
O jus puniendi do Estado, em casos que tais, somente surgirá na hipótese de eventual inadimplemento pelo contribuinte das obrigações assumidas quando da concessão do refinanciamento/parcelamento de sua dívida para com a Receita Federal.
Unicamente em tal hipótese é que se poderá ter por realizado o crime contra a ordem tributária da Lei nº 8.137, de 27.12.90, eis que, in casu, a época própria para o recolhimento das contribuições previdenciárias é aquela estipulada no programa de refinanciamento/parcelamento e não mais a originariamente prevista para o pagamento.
Em verdade, a adesão ao PAES/REFIS ou parcelamento adiministrativo, consubstancia autêntica novação (Código Civil art. 360, I), por isso que o devedor contrai com o Fisco nova dívida para substituir a anterior (aquela referida na rpresentação fiscal).
Obtempere-se, por oportuno, que, conforme proclama a jurisprudência, o mesmo raciocínio aplica-se ao parcelamento administrativo concedido aos contribuintes pessoas físicas, mesmo porque o pagamento do débito pelo requerido revela a inexistência do dolo necessário à caracterização do ilícito noticiado na representação fiscal, a saber, ter determinado sua conduta com vontade livre e conscientemente dirigida a não recolher aos cofres do Tesouro Nacional os impostos devidos.
Ex positis, com esteio nos arts. 34 da Lei nº 9.249/95 e 61 do Código de Processo Penal, DECLARO EXTINTA A PUNIBILIDADE." (fls. 23/24)
Contra essa decisão, o Ministério Público Federal, coerente com que já havia pronunciado no processo, fez interpor recurso em sentido estrito, pedindo ao Tribunal que apenas suspendesse a pretensão punitiva e a prescrição, enquanto estivesse pendente de pagamento as parcelas do débito tributário.
O acórdão atacado, ao dar provimento ao recurso ministerial, determinou o restabelecimento da marcha do procedimento investigatório, providência esta não pleiteada na insurgência.
Colhe-se do julgado:
"(...)
Aduz o Ministério Público Federal em seu recurso que o parcelamento dos débitos é causa de suspensão da pretensão punitiva e da prescrição, e não da extinção da punibilidade – que só ocorrerá com o pagamento integral do débito (fls. 134/143).
(...)
Esta egrégia Turma já pacificou entendimento no sentido de que a extinção da punibilidade somente poderá ser decretada se o débito em causa for integralmente extinto pela satisfação, o que não ocorre antes de solvida a última parcela do pagamento fracionado, uma vez que, tendo o agente incorrido nas penas do art. 1º, inciso I, da Lei 8.137/90, promoveu apenas o parcelamento do seu débito, e não a quitação.
(...)
Saliento, contudo, que o art. 9º, caput e §§ 1º e 2º, da Lei 10.684/2003 relativo a parcelamento de débitos junto à Secretaria da Receita Federal, dispõe que, sendo o débito parcelado, a pretensão punitiva do Estado, enquanto não ocorrer o pagamento integral, é apenas suspensa, de forma que o parcelamento, por si só, não enseja a extinção da punibilidade, o que só ocorre depois do pagamento da última parcela, não havendo, até então, que se extinguir a punibilidade.
Ante o exposto, dou parcial provimento ao recurso, a fim de se reformar a decisão para permitir o regular andamento do procedimento investigatório, sendo certo que eventual suspensão somente poderá ser analisada se oportunamente, for instaurada ação penal." (fls. 40-42).
Ao assim decidir, demonstra ter extrapolado os limites recursais, julgando extra petita e ainda divergindo do entendimento desta Corte sobre a matéria, que é justamente no mesmo sentido defendido pelo Ministério Público Federal.
Confiram-se os seguintes julgados:
HABEAS CORPUS. DIREITO PENAL. CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. LEI Nº 10.684/03. IPI. PARCELAMENTO DOS DÉBITOS TRIBUTÁRIOS. SUSPENSÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA DO ESTADO. INQUÉRITO POLICIAL. ALCANCE. ORDEM CONCEDIDA.
1. A adesão ao Programa de Recuperação Fiscal - REFIS, com o parcelamento de débitos oriundos da falta de recolhimento de Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI, suspende a punibilidade do crime tipificado no artigo 2º da Lei nº 8.137/90 (Lei nº 10.684/03, artigo 9º, caput).
2. A suspensão da pretensão punitiva do Estado, enquanto efeito da inclusão da pessoa jurídica ao regime de parcelamento - REFIS, atribuído pelas Leis nº 9.964/00 e 10.684/03, alcança a própria fase procedimental-administrativa da persecutio criminis, até porque produz também a suspensão do prazo prescricional.
3. Ordem concedida.
(HC 29.745/SP, Rel. Ministro HAMILTON CARVALHIDO, SEXTA TURMA, julgado em 19/04/2005, DJ 06/02/2006, p. 328)RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. APROPRIAÇÃO INDÉBITA DE CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS DESCONTADAS DOS TRABALHADORES. PARCELAMENTO DO DÉBITO. SUSPENSÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA.
1 - A concessão, pela autoridade administrativa, do parcelamento do débito relativo às contribuições previdenciárias descontadas dos trabalhadores, impõe, a teor do que dispõe o artigo 9º da Lei nº 10.684/2003, a suspensão da pretensão punitiva relativa ao crime de apropriação indébita.
2 - Não contendo os autos, todavia, elementos suficientes para que se afirme, com segurança, que o débito tributário foi objeto de parcelamento, não se mostra possível suspender o curso do inquérito.
3 - Recurso parcialmente provido.
(RHC 16.218/SP, Rel. Ministro NILSON NAVES, Rel. p/ Acórdão Ministro PAULO GALLOTTI, SEXTA TURMA, julgado em 27/10/2005, DJe 12/08/2008)PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. ART. 1º, INCISO I, DA LEI Nº 8.137/90. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. ART. 34 DA LEI Nº 9.249/95. PARCELAMENTO DO DÉBITO ANTES DO RECEBIMENTO DA DENÚNCIA QUANDO JÁ EM VIGOR A LEI Nº 10.684/2003. INCIDÊNCIA DO DISPOSTO NO ART. 9º DA REFERIDA LEI. POSSIBILIDADE DE INCLUSÃO NO PROGRAMA DE PARCELAMENTO DE DÉBITOS RELACIONADOS À PESSOAS FÍSICAS. SUSPENSÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA. REQUISITOS COMPROVADOS.
I - Evidenciado ter sido o parcelamento do débito tributário deferido já na vigência da Lei nº 10.684/2005, aplica-se ao caso o disposto em seu art. 9º e §§, afastando-se, assim, a incidência da Lei nº 9.249/95 (Precedentes).
II - Embora o art. 9º, caput, da Lei nº 10.684/2003 ao tratar da suspensão da pretensão punitiva do Estado em razão do parcelamento do crédito tributário faça referência apenas a pessoa jurídica, é fato que já no art. 1º, § 3º, inciso III do mesmo diploma legal há clara menção ao tratamento a ser dispensado em se tratando de pessoa física, razão pela qual é de se reconhecer, inclusive em relação à esta, os efeitos penais do parcelamento do débito (Precedentes).
III - Comprovado, a partir de prova inequívoca, a inserção do débito tributário no programa de parcelamento (ainda que se trate de débito atribuído à pessoa física), torna-se possível a suspensão da pretensão punitiva estatal nos exatos termos do art. 9º, caput, da Lei nº 10.684/2003.
Habeas corpus parcialmente concedido.
(HC 68.407/SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 06/02/2007, DJ 26/03/2007, p. 269)O writ veio bem instruído, trazendo prova clara tanto da existência da representação fiscal para fins penais da Secretaria da Receita Federal, quanto da existência de processo administrativo em curso questionando o débito, tendo sido deferido o seu parcelamento, com pagamento das prestações.
É o que se constata da leitura da promoção do Ministério Público Federal que originou toda a celeuma:
"O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, por intermédio do Procurador da República infra-assinado, vem, perante esse ínclito Juízo Federal, no uso de suas atribuições legais, nos autos do procedimento administrativo em epígrafe alegar e requerer o seguinte:
1. Cuida-se de representação fiscal para fins penais encaminhada ao MPF pela Secretaria da Receita Federal, por meio da qual se noticia ao dominus litis a prática de possível crime tipificado no art. 1º, I, da Lei nº 8.137/1990, por parte da contribuinte pessoa física R.B.C. em face da redução do imposto de renda relativo aos anos-calendário de 2003, mediante a prestação de informações falsas às autoridades fiscais ao emitir a informação de ganhos de capital na alienação de bens e direitos adquiridos em reais (fl. 05).
2. Da forma como se apresentam estes autos, caberia ao MPF, de ordinário, formular sua opinio delicti, oferecendo a denúncia pelo crime federal ou requisitando diligências à Polícia Federal, em sede de inquérito policial.
3. Entretanto, em virtude da informação de fl. 99 a respeito do deferimento, em favor da contribuinte, de parcelamento do débito tributário, e a informação de fls. 111/113, de que a contribuinte vem pagando o débito regularmente, deve-se cogitar da aplicação à espécei do art. 9º da Lei nº 10.684/2003, cujo dispositivo, liberalizante, vem assim redigido, in verbis :
"Art. 9º. É suspensa a pretensão punitiva do Estado, referente aos crimes previstos nos arts. 1º e 2º da Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e nos arts. 168A e 337A do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, durante o período em que a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no regime de parcelamento.
§1º. A prescrição criminal não corre durante o período de suspensão da pretensão punitiva.
§2º. Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos neste artigo quando a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios."
4. Em um primeiro momento, entendemos ser inaplicável o dispositivo transcrito aos crimes praticados por pessoas físicas, eis que estas não podem ser beneficiadas pelo regime de parcelamento especial previsto na Lei 10.684/2003. Entretanto, invocando o princípio da isonomia, a jurisprudência passou a reconhecer a aplicabilidade da suspensão da pretensão punitiva estatal em favor das pessoas físicas quando concedidos parcelamentos do débito tributário, ainda que não fundados na Lei 10.684/2003, como ocorre in casu.
(...)
7. Em suma, com a aplicação necessária ao caso do princípio da isonomia, a novel construção jurisprudencial, determina que, uma vez comprovado o parcelamento e o regular pagamento do débito tributário pelo contribuinte - mesmo se se tratar de pessoa física - suspensa está a pretensão punitiva do Estado. Este órgão ministerial, diante da inovação na jurisprudência, curva-se, a fim de reconhecer a aplicabilidade do art. 9º da Lei 10.684/2003 aos contribuintes pessoas físicas.
8. De tal forma, não há dúvidas de que a suspensão da pretensão punitiva estatal engendrada pelo art. 9º anteriormente transcrito aplica-se aos possíveis delitos aqui apurados, impedindo o oferecimento da denúncia ou a requisição de inquérito policial, que decorrem, exatamente, da pretensão punitiva estatal, in casu suspensa.
9. Segundo o entendimento deste órgão do parquet, cabe ao Poder Judiciário, a quem incumbe o mais, que é declarar a extinção da punibilidade, o menos, que é declarar a suspensão da pretensão punitiva, nova modalidade de concretização de política criminal engendrada pela Lei nº 10.684/2003. É nesses termos que o parcelamento do débito tributário em tese oriundo de crime de sonegação fiscal é de ensejar a declaração judicial da suspensão da punibilidade, bem como, e principalmente, do prazo prescricional." (fls. 15/18)
Nesse sentido, em caso análogo, referente ao art. 168-A do Código Penal, e usando raciocínio referente ao crime aqui tratado, fixei no HC nº 120.984/RS:
De início, para o deslinde da questão, faz-se necessário fixar qual é o bem jurídico tutelado pela norma prevista no artigo 168-A do Código Penal.
Embora o artigo se encontre topograficamente posicionado dentro do Título que trata dos crimes contra o patrimônio, e suceda diretamente o crime de apropriação indébita simples, o bem jurídico tutelado não é o patrimônio do contribuinte, mas o patrimônio da seguridade social. Veja-se, neste sentido, a melhor doutrina:
"A posição topográfica do tipo do art. 168-A logo abaixo do art. 168 do Código Penal não permite, por outro lado, que os elementos de composição de um tipo se extrapolem para o outro. (...) A inserção do art. 168-A no Código Penal não o transforma, por uma passe de mágica legislativa, em crime de apropriação indébita, nem faz perder sua condição de delito relativo à arrecadação de contribuições previdenciárias. Se a apropriação indébita previdenciária não passasse, em verdade, de mais uma hipótese de apropriação indébita, o bom senso e a lógica levariam à sua inserção num dos parágrafos da própria figura do art. 168, dispensando-se, portanto, a criação de um tipo autônomo.
Por outro lado, não parece adequado afirmar-se que o 'escopo último' do novo tipo penal consista 'em proibir a atividade de se apropriar de valores que devem se transferidos para a previdência social ou para o segurado' (Luiz Flávio Gomes, ob. cit.), apresentando-se o ato de apropriação como o núcleo da figura criminosa. Tal entendimento, antes de tudo, põe à mostra o emprego de um tipo penal construído para a tutela do patrimônio individual a fim de analisar uma hipótese em que se punem condutas que lesionam interesses econômicos coletivos, gerais ou difusos. Apropriar-se significa 'tomar como próprio', 'tornar seu', 'apoderar-se' (Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, Novo Aurélio - O Dicionário da Língua Portuguesa - Século XXI, 3. ed., Rio de Janeiro, Editora Nova Fronteira, 1999, p. 173), em resumo assenhorar-se de coisa alheia móvel de que tem posse ou a detenção. O tipo do art. 168 do Código Penal exige, para sua configuração típica, que o agente tenha a posse ou a detenção, lícita evidentemente, de alguma coisa móvel (mesmo coisa fungível, como o dinheiro) e que, em seguida, torna tal coisa sua através de um ato apropriatório. Ora, na hipótese da denominada apropriação indébita previdenciária, o empresário não recebe do trabalhador a contribuição social destinada à previdência, posto que o empresário, quando paga o salário, já desconta aquela contribuição, dela não tendo o trabalhador disponibilidade. Isto significa que o importe dessa contribuição social permanece sempre em poder do empresário e, portanto, quando efetua sua transferência para a previdência, o valor da contribuição sai do próprio ativo da empresa. Destarte, se o empresário não perde a propriedade do dinheiro destinado à contribuição previdenciária, não há cogitar da aplicabilidade, no caso, de um delito patrimonial clássico, como a apropriação indébita. (...) O tipo do art. 168-A do Código Penal retrata, no caput, a conduta de quem deixa de repassar contribuições destinadas à previdência social; nos dois primeiros incisos do §1º, quem deixa de recolher ; e, no último inciso do mesmo parágrafo, quem deixa de pagar benefício. É evidente que todas estas condutas têm, por pressuposto material, não a apropriação da contribuição social, mas sim a real e concreta retenção da contribuição social destinada à seguridade social. (Alberto Silva Franco, in Alberto Silva Franco e Rui Stoco, Código Penal e sua interpretação jurisprudencial , São Paulo, Revista dos Tribunais, 2001, p. 2.779/2.780)".
Constata-se, portanto, que o fim último desta norma penal é propiciar a arrecadação de um tributo, qual seja, a contribuição previdenciária, de forma a beneficiar uma coletividade, em nome do princípio da solidariedade, que rege toda a matéria previdenciária. Deixar de repassar é, aqui, portanto, axiologicamente, o mesmo que deixar de recolher . Tanto isso é verdade, que, a exemplo do que acontece com os crimes previstos na Lei nº 8.137/90, também se extingue a punibilidade com o pagamento da contribuição previdenciária, por força do artigo 9º da Lei nº 10.684/03. Confira-se, neste sentido:
"Nos exatos termos do texto legal, o acusado de apropriação indébita previdenciária em processo criminal tem opção de liquidar com a dívida apurada e furtar-se à aplicação da lei penal. Importante notar que o autor de pequeno furto não encontra nos diplomas normativos semelhante possibilidade.
Nota-se, assim, o caráter meramente arrecadatório da norma penal, que ameaça com a possibilidade de condenação criminal o indivíduo acusado da prática de crime contra a seguridade social. Verifica-se, portanto, que tal norma atua, exclusivamente, para incentivar o recolhimento do valor que se imputa apropriado, abandonado o pressuposto da justiça que deve reger, tanto quanto possível, a edição de normas jurídicas. Fica latente a influência da Law and Economics , já que a extinção da punibilidade será acompanhada do recolhimento dos valores indevidamente apropriados aos cofres públicos; acarretará, ainda, o fim do processo, e a diminuição dos custos gerados com as demandas judiciais" (Daniel Alberto Casagrande, "Apropriação indébita previdenciária: bem jurídico, causas de justificação, autoria e extinção da punibilidade à luz da law and economics ", in Davi de Paiva Costa Tangerino e Denise Nunes Garcia (coords.), Direito Penal Tributário , São Paulo, Quartier Latin, 2007, pp. 304-305).
Daí ser possível a analogia com os crimes previstos na Lei nº 8.137/90, aplicando-se, de igual modo, o entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal no habeas corpus nº 81.611/DF, de que falta justa causa enquanto não haja decisão definitiva do processo administrativo, diante da ausência de crédito tributário, certo e líquido. Só é possível repassar à previdência social a contribuição social no prazo legal, quando esta há que ser recolhida. Trata-se de um pressuposto lógico: somente deverá ser repassado o tributo quando houver a certeza da existência, do valor e da exigibilidade desta contribuição, o que só será possível após a sua declaração, por quem de direito. E somente cabe o lançamento definitivo à autoridade administrativa, nos termos do artigo 142 do Código Tributário Nacional.
Veja-se, a respeito, o seguinte aresto da Quinta Turma deste Superior Tribunal de Justiça:
"CRIMINAL. HC. APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. PENDÊNCIA DE PROCESSO ADMINISTRATIVO. DISCUSSÃO SOBRE O QUANTUM DEBEATUR DEVIDAMENTE COMPROVADA. ORDEM CONCEDIDA.
I. Hipótese em que os pacientes sustentam a ausência de justa causa para a ação penal contra eles instaurada, em razão da pendência de processo administrativo em que se discute o montante cobrado pela Autoridade Fiscal.
II. Devidamente comprovada por elementos constantes dos presentes autos a discussão sobre o quantum debeatur , a situação dos pacientes encontra guarida na nova orientação jurisprudencial da Suprema Corte, no sentido de que o processo criminal encontra obstáculos na esfera administrativa tão-somente quando se discute a existência do débito ou o quanto é devido.
III. Deve ser determinado o trancamento da ação penal instaurada contra os pacientes, suspendendo-se o prazo prescricional, até o julgamento final do processo administrativo.
IV. Ordem concedida, nos termos do voto do Relator." (HC nº 40.515/MT, Rel. Min. Gilso Dipp, DJ de 16.05.2005, p. 375).
Ademais, vejamos como se coloca a redação do artigo 168-A do Código Penal:
"Art. 168-A: Deixar de repassar à previdência social as contribuições recolhidas dos contribuintes, no prazo e forma legal ou convencional:
Pena - reclusão, de 2 a 5 anos, e multa.
§1º Nas mesmas penas incorre quem deixar de:
I - recolher, no prazo legal, contribuição ou outra importância destinada à previdência social que tenha sido descontada de pagamento efetuado a segurados, a terceiros ou arrecadada do público;
II - recolher contribuições devidas à previdência social que tenham integrado despesas contábeis ou custos relativos à venda de produtos ou à prestação de serviços;
III - pagar benefício devido a segurado, quando as respectivas cotas ou valores já tiverem sido reembolsados à empresa pela previdência social.
§2º É extinta a punibilidade se o agente, espontaneamente, declara, confessa e efetua o pagamento das contribuições, importâncias ou valores e presta as informações devidas à previdência social, na forma definida em lei ou regulamento, antes do início da ação fiscal.
§3º É facultado ao juiz deixar de aplicar a pena ou aplicar somente a de multa se o agente for primário e de bons antecedentes, desde que:
I - tenha promovido, após o início da ação fiscal e antes de oferecida a denúncia, o pagamento da contribuição social previdenciária, inclusive acessória; ou
II - o valor das contribuições devidas, inclusive acessórios, seja igual ou inferior àquele estabelecido pela previdência social, administrativamente, como sendo o mínimo para o ajuizamento de suas execuções fiscais".
Verifica-se que o conceito de "contribuições" é elemento normativo do tipo. Assim, para que possa existir a conduta de omissão no repasse de contribuição, imprescindível, logicamente, se faz, que exista contribuição devida, a ser recolhida.
O cerne da questão antecede qualquer discussão acerca da natureza do crime, se de resultado ou se de mera conduta. Mesmo no crime de mera conduta, há que se verificar a ocorrência de todos os elementos do tipo.
Não se trata aqui de nenhuma violação à independência das esferas administrativa e judicial. É uma questão de competência: só à autoridade administrativa cabe efetuar o lançamento definitivo do tributo.
Esse mesmo entendimento é esposado também pelo Supremo Tribunal Federal que, pelo seu órgão plenário, assim decidiu:
"APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA - CRIME – ESPÉCIE. A apropriação indébita disciplinada no artigo 168-A do Código Penal consubstancia crime omissivo material e não simplesmente formal.
INQUÉRITO - SONEGAÇÃO FISCAL - PROCESSO ADMINISTRATIVO. Estando em curso processo administrativo mediante o qual questionada a exigibilidade do tributo, ficam afastadas a persecução criminal e - ante o princípio da não-contradição, o princípio da razão suficiente - a manutenção de inquérito, ainda que sobrestado. (STF, Tribunal PLENO, Inq-AgR 2537/GO, Relator Min. MARCO AURÉLIO, j. 10/03/2008, DJ de 13/06/2008).
O writ veio bem instruído, trazendo prova clara tanto da existência do inquérito policial, quanto da existência de processo administrativo em curso questionando o débito.
Não é o caso, todavia, de trancamento do inquérito policial.
Referindo-se o processo administrativo à existência da contribuição social, deve-se aguardar o seu resultado para então verificar-se a existência de justa causa ou não. Dependendo do resultado do processo administrativo, continuidade poderá ser dada ao inquérito policial.
Ante o exposto, concedo a ordem, para suspender o inquérito policial até o resultado definitivo do processo administrativo em trâmite, suspendendo-se, outrossim, o prazo prescricional.
É como voto.
Verifica-se, assim, que o pedido deduzido encontra amparo no entendimento deste Sodalício.
Ante o exposto, concedo a ordem para suspender o curso do procedimento investigatório n. 2006.34.00.031540-8, da 12.ª Vara Federal da Seção Judiciária do Distrito Federal até o resultado definitivo do parcelamento do débito administrativamente concedido à ora paciente pela Receita Federal.
É como voto.
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