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TJ/SP - Cooperativa de médicos não deve pautar a admissão de novos cooperados pelas regras de mercado

A 9ª câmara de Direito Privado do TJ/SP nega recurso da Unimed Campinas - Cooperativa de Trabalho em ação sobre admissibilidade de médico em cooperativa. Seguindo o entendimento do princípio da porta aberta, os desembargadores decidiram que a limitação da admissão não pode olvidar a possibilidade de ingresso de profissionais que preencham os requisitos estatutários.

8/7/2011


Cooperativa

TJ/SP - Cooperativa de médicos não deve pautar a admissão de novos cooperados pelas regras de mercado

A 9ª câmara de Direito Privado do TJ/SP negou recurso da Unimed Campinas - Cooperativa de Trabalho em ação sobre admissibilidade de médico em cooperativa. Seguindo o entendimento do princípio da "porta aberta", os desembargadores decidiram que a limitação da admissão não pode olvidar a possibilidade de ingresso de profissionais que preencham os requisitos estatutários.

A ação foi ajuizada por R.L.A. para ter assegurada sua participação no curso de cooperativismo e ingresso no quadro de associados. Com exceção do certificado de conclusão do Curso de Cooperativismo, o médico alegou que possuía os demais requisitos para ingresso.

A Unimed Campinas sustentou que a restrição ao ingresso apenas adequa a entrada de novos médicos a atividade fim da cooperativa, que busca manter seu padrão de qualidade. Além disso, "a restrição de ingresso na cooperativa pode ser pautada pela 'impossibilidade técnica na prestação do serviço' (lei 5.764/71 - clique aqui), não havendo violação ao princípio da "porta aberta" e que "tanto o nanismo como gigantismo pode inviabilizar o funcionamento da sociedade cooperativa, uma vez que o número excessivo de cooperados, desproporcional ao de usuários, aumenta custos e prejudica o rateio."

Lembrando o princípio de uma cooperativa, enquanto sociedade civil, o desembargador Grava Brazil, relator, afirmou que o "ingresso de pessoa interessada somente pode ser barrado caso inviabilize tecnicamente a prestação do serviço que fundamenta a existência da cooperativa ou caso o interessado não preencha os requisitos fixados no estatuto", de acordo com o CC.

De acordo com o magistrado, à exceção do curso, sendo que este "dependia da própria apelante", R.L.A. preenchia os demais requisitos da cooperativa. Quanto aos argumentos da Unimed Campinas, entende o relator que esta não pode "utilizar de uma equação econômico-financeira, lastrada no custeio ou no número de cooperados ou de clientes, subvertendo o sentido de capacitação técnica, para, em última análise, preservar a distribuição de renda entre os cooperados."

Continua o desembargador: "É evidente que o médico, como qualquer profissional, pode e deve almejar sucesso financeiro ou patrimonial com o exercício de sua profissão, mas se busca fazê-lo por meio de uma cooperativa, sua porta haverá de estar aberta para todos os médicos que, preenchendo os requisitos estatutários, reclamem ingresso."

No caso em análise, de acordo com a 9ª câmara, para todos os efeitos, "proporcionada a realização do curso sobre cooperativismo, não demonstrado o deficiente aproveitamento, a restrição não se sustenta." Com base nesse entendimento, os desembargadores negaram provimento ao recurso da cooperativa.

A ação foi patrocinada pelos advogados Fabio Gindler de Oliveira e Paulo Augusto Rolim de Moura, do escritório Advocacia Hamilton de Oliveira.

Veja abaixo a íntegra do acórdão.

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ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos do Apelação nº 0019750-25.2009.8.26.0114, da Comarca de Campinas, em que é apelante UNIMED CAMPINAS COOPERATIVA DE TRABALHO MEDICO sendo apelado R.L.A.

ACORDAM,em 9ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Negaram provimento ao recurso. V. U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores GRAVA BRAZIL (Presidente), PIVA RODRIGUES E GALDINO TOLEDO JÚNIOR.

São Paulo, 28 de junho de 2011.

GRAVA BRAZIL

RELATOR

ASSINATURA ELETRÔNICA

APELAÇÃO Nº: 0019750-25.2009.8.26.0114

APELANTE: UNIMED CAMPINAS - COOPERATIVA DE TRABALHO MÉDICO

APELADO: R.L.A.

COMARCA:CAMPINAS

JUIZ PROLATOR: FÁBIO HENRIQUE PRADO DE TOLEDO

Obrigação de fazer - Discussão sobre admissibilidade de médico em cooperativa de médicos (UNIMED) Procedência Inconformismo Não acolhimento Princípio da porta aberta Limitação da admissão que não pode olvidar a possibilidade de ingresso de profissionais que preencham os requisitos estatutários Impossibilidade de fixação de condições não acessíveis aos médicos em geral Inteligência do que se entende por impossibilidade técnica Natureza do cooperativismo Impossibilidade da cooperativa pautar a admissão de novos cooperados pelas regras de mercado, com vista a ganhos financeiros Sentença confirmada Recurso desprovido.

VOTO Nº 11063

I - Trata-se de sentença que, em ação obrigação de fazer, proposta por R.L.A. contra UNIMED CAMPINAS - COOPERATIVA DE TRABALHO MÉDICO, julgou a demanda procedente em parte, para assegurar ao autor a participação no curso de cooperativismo e ingresso no quado de associados, em condições que especifica, sob pena de multa. Confira-se fls. 538/543.

Inconformada, apela a ré (fls. 572/587), sustentando que, para ingresso na cooperativa, exige-se: (1) aprovação em exame de conhecimento técnico; (2) são ministrados cursos em parceria com a Fundação UNIMED, com turmas de 50 pessoas; (3) na especialidade do autor havia uma única vaga, para 16 médicos, sendo que no exame prestado o autor ficou na 13ª posição, com nota 4,40; (4) a restrição ao ingresso apenas adequa a entrada de novos médicos a atividade fim da cooperativa; (5) que busca manter seu padrão de qualidade; (6) que a restrição de ingresso na cooperativa pode ser pautada pela "impossibilidade técnica na prestação do serviço" (Lei n. 5.764/71, art. 4°, I), não havendo violação ao princípio da porta aberta; e (7) diz que tanto o nanismo como gigantismo pode inviabilizar o funcionamento da sociedade cooperativa, uma vez que o número excessivo de cooperados, desproporcional ao de usuários, aumenta custos e prejudica o rateio. Fala, ainda, em julgamento extra petita, no que tange ao reconhecimento da nulidade do art. 8°de seu Estatuto, que não foi objeto do pedido.

O preparo foi recolhido (fls. 627/629) e o recurso recebido (fls. 642).

Foram oferecidas as contrarrazões (fls. 649/664), oportunidade em que o autor pugnou pelo não conhecimento do recurso, arguindo ausência de pedido de reforma da sentença, inovação nas teses recursais e ausência de impugnação especificada, limitando-se a apelação a reiterar argumentos anteriormente expostos. Invocou-se o disposto nos arts. 514, III, 460 e 517, do CPC, e foi postulada a confirmação do julgamento monocrático.

É o relatório, adotado, quanto ao mais, o da sentença apelada.

II - O apelo comporta conhecimento, não obstante a inépcia recursal invocada pelo apelado.

Em que pese a conclusão recursal não tenha adotado a melhor técnica, a formulação de pedido de reforma da tutela, no contexto das razões recursais, pode ser compreendida como pretensão de inversão do julgamento.

Com relação à inovação, alegação pouco clara na contrariedade, essa não é reconhecida, estando o inconformismo, de um modo geral, centrado na discussão do cabimento ou não do ingresso de médico como cooperado, circunstância suficiente a possibilitar seu exame no mérito.

Por fim, a reiteração dos argumentos, conquanto concorra para certa perda de objetividade do recurso, na forma como realizada, não tem maiores implicações, visto que a discussão situa-se no plano do direito e permite que as teses jurídicas sejam deduzidas relacionando o plano teórico com a situação concreta.

De qualquer forma, possível deduzir que a sentença foi combatida e que o apelado compreendeu os motivos da apelante, tanto que esses foram amplamente rebatidos.

Com isso, afasta-se a alegação de inépcia e o apelo é conhecido.

III - O ponto central da controvérsia diz com a admissibilidade do apelado como cooperado.

Ora, a cooperativa, enquanto sociedade civil, sem fins lucrativos, é constituída por determinada classe de pessoas, mediante a conjugação de esforços pessoais, voltados aos associados, prestando-lhes serviços ou auxiliando na produção de bens ou serviços, com o fim melhorar as condições econômicas individuais ou facilitar a exercício de determinada atividade ou profissão Sem necessidade de discutir a disciplina jurídica das cooperativas, que encontra regras normativas no âmbito do Código Civil e da legislação especial, pode-se afirmar que o princípio porta aberta ou portas abertas constitui imposição legal, que não pode ser afastada pela vontade dos associados ou dos administradores da cooperativa.

O princípio é reconhecido pela doutrina:

O número máximo de sócios é ilimitado. Trata-se do conhecido princípio da 'porta aberta'. Tal decorre da própria natureza social-altruísta da cooperativa, q ue se nã o pode deixar sobrepujar pelo sentimento particularista-excludente. Como bem observa MIGUEL REALE, a sociedade cooperativa é uma sociedade de pessoas, sim, 'mas nã o de pessoas determinadas, exatamente em virtude de serem de número ilimitado de sócios, cujo ingresso ou recesso nã o importa em alteraç ã o no Estatuto q ue as rege...

Segundo esse princípio normativo, a adesão voluntária tem em conta um número ilimitado de associados (CC de 2002, art. 1094, II, e Lei n. 5 .764/71, art. 4º, I).

A partir dessa concepção, o ingresso de pessoa interessada somente pode ser barrado caso inviabilize tecnicamente a prestação do serviço que fundamenta a existência da cooperativa ou caso o interessado não preencha os requisitos fixados no estatuto (CC art. 1094, I, in fine Lei n. 5764/71, art. 4º, I, in fine, e arts. 21, II, e 29, caput e § 1º).

A propósito dispõe o Estatuto da apelante:

"O número de médicos cooperados será ilimitado, q uanto ao máximo, salvo impossibilidade técnica de prestação de serviços, nã o podendo ser inferior a 20 (vinte) na pessoa física." (art. 6° - p. 74)

Evidentemente, ainda que possa não estar presente no estatuto, se a cooperativa busca facilitar o exercício de determinada profissão ou a prestação de determinado serviço especializado, apenas o profissional habilitado a esse serviço pode ser admitido na cooperativa, sob pena de desvio de finalidade da sociedade.

No caso, por exemplo, sendo uma cooperativa de trabalho médico, que atua no campo do atendimento à saúde ou de prestação de serviço de saúde, somente os médicos estarão habilitados ao ingresso.

Assim, continuando o exame das limitações ao princípio das portas abertas, havendo que se garantir um mínimo objetivo comum ou um animus que se aproxime da affectio societatis, embora este último mais se amolde à sociedade comercial ou com fim lucrativo, o estatuto da cooperativa pode estabelecer determinados requisitos para a admissão do associado, no entanto, esses requisitos não podem ser de tal ordem que, dificultando ou criando barreiras para o ingresso do interessado, inviabilizem a própria aplicação do princípio.

Com essas colocações, tornando os olhos para o caso concreto, tem-se que a apelante é uma cooperativa voltada "a congregação dos integrantes da profissã o de médica, para a sua defesa econô mico-social promovendo-lhes condições para o exercício de suas atividades e aprimoramento do serviço de assistê ncia médica" (Estatuto - art. 4°), ou seja, está voltada aos médicos com área de atuação especificada (Campinas - Artur Nogueira - Cosmópolis - Holambra - Hortolândia - Indaiatuba - Jaguariúna - Monte Mór - Paulínea - Santo Antonio da Posse - Sumaré - Valinhos - Vinhedo), o que equivale a dizer, por tudo quanto já dito, que, preenchidos os requisitos estatutários, a cooperativa não pode barrar o ingresso de um médico.

No caso concreto, estabelece o estatuto da apelante (art. 8°), a necessidade de apresentação de cópia do respectivo curriculum vitae (primeiro requisito); título de especialista, com registro no Conselho Federal de Medicina, fornecido por Associação Médica Brasileira ou Certificado de Residência reconhecido pela autoridade pública competente ou outro órgão capacitado (segundo requisito); duas cartas de apresentação assinadas por médicos cooperados operantes (terceiro requisito); e certificado de conclusão do Curso de Cooperativismo (quarto requisito).

Acontece que o apelado, à exceção do último, preenchia os demais requisitos, sendo que o curso dependia da própria apelante.

Nada obstante, é evidente que o ingresso pode ser vedado caso implique na impossibilidade técnica da prestação do serviço.

Ocorre que essa impossibilidade técnica, como requisito de admissibilidade do ingresso de cooperado, só se admite em relação à incapacidade técnica do médico, diz com a capacitação para o exercício da profissão.

Não pode a apelante utilizar de uma equação econômico-financeira, lastrada no custeio ou no número de cooperados ou de clientes, subvertendo o sentido de capacitação técnica, para, em última análise, preservar a distribuição de renda entre os cooperados.

Nesse caso, fosse isso possível e a apelante teria a roupagem de cooperativa, com os benefícios daí decorrentes, mas com objetivo societário próprio da empresa que se forma visando o lucro de seus associados.

É evidente que o médico, como qualquer profissional, pode e deve almejar sucesso financeiro ou patrimonial com o exercício de sua profissão, mas se busca fazê-lo por meio de uma cooperativa, sua porta haverá de estar aberta para todos os médicos que, preenchendo os requisitos estatutários, reclamem ingresso.

Nem por isso, entretanto, a cooperativa está impedida de estabelecer restrições técnicas para o ingresso, como fez, exigindo, por exemplo, o título de especialista, ou mesmo que exista um princípio de affectio societatis, como a exigência de apresentação por dois cooperados mostra-se plausível ou de bom senso.

Desde que as exigências se apresentam a todos os médicos e/ou a todos os cooperados, o princípio da porta aberta não é afrontado, nem a restrição técnica pode ser questionada.

Logo, tornando à hipótese dos autos, para todos os efeitos, proporcionada a realização do curso sobre cooperativismo, não demonstrado o deficiente aproveitamento, a restrição não se sustenta.

Vale lembrar, ainda, a existência, como requisito de ingresso, embora estatutariamente elencado como dever do associado, da subscrição e realização das quotaspartes do capital (arts. 73 e 74, do Estatuto), o que poderá, no devido tempo, ser exigido, mas que acaba sendo mais um indicativo de que o ingresso é livre, ainda que o novo cooperado, para formalizar sua admissão, tenha que integralizar o preço da quota, socializando a valorização do trabalho desenvolvido pelo conjunto dos cooperados.

Quanto ao mais, despiciendo repisar os bem lançados fundamento do juízo de origem, aqui, também, acolhidos como razão de decidir, como autoriza o art. 252, do Regimento Interno desta Corte, com destaque, no entanto, para o seguinte excerto:

"Com relação às sociedades cooperativas, aplicase o princípio port aberta q ue norteia o cooperativismo. S egundo esse princípio, a limitaç ã o ao ingresso de novos cooperados somente pode ser feito por motivo de impossibilidade técnica de prestaç ã o dos serviç os, nos termos do artigo 4 ° , inciso I, da Lei F ederal n. 5 .6 74 /71. E por impossibilidade técnica nã o pode ser tida a simples inconveniê ncia q ue possa resultar para os q ue já integram o q uadro de cooperados....

No caso, tenho que a ré está se valendo de expedientes para simplesmente limitar o acesso de novos cooperados, numa forma velada de reserva de mercado.

A exigência de realização de um processo seletivo prévio à admissã o de novos médicos, um avez instituídos pelas formas prevista no Estatuto, é uma medida válida e legítima, tanto mais se considerado, como apontado pela ré, q ue vem solidificando a responsabilidade solidária da operadora do Plano de S aúde pelo erro médico.
Contudo, isso deve ser feito de forma harmônica com o aludido princípio da porta aberta.

No caso presente ocorre exatamente o contrário.
Ou seja, a ré nã o avalia os conhecimentos médicos do candidato a aser admitido, mas simplesmente limita o número de vagas a serem oferecidas anualmente em funç ã o do número de clientes q ue procurou pela respectiva especialidade nos doze meses antecedentes, conforme se infere do disposto no art. 4 ° , § 3 ° , inciso I do aludido Ato N ormativo n. 8/2.008 , do Conselho de Administração da ré (fls. 4 3 ).

Assim, a seleção públicas... Não busca aferir os conhecimentos técnicos do candidato, mas tã osomente estabelece um critério para admitir novos médicos... Com base no comportamento do mercado, levando-se em conta o número de clientes e as necessidades regionais relativas a cada especialidade médica... Ora, isso viola frontalmente o princípio da porta aberta." (fls. 539/540).

Concluindo, o inconformismo é desacolhido, confirmando-se a bem lançada sentença de primeiro grau.

V - Ante o exposto, nega-se provimento ao recurso. É o voto.

DES. GRAVA BRAZIL - Relator

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