Direito trabalhista
JT entende que função de diretor presidente da empresa é incompatível com a condição jurídica de empregado
Para a magistrada, "no período em que o autor desempenhou a função de diretor presidente da reclamada, não estavam presentes os pressupostos fático-jurídicos da relação de emprego, notadamente a subordinação jurídica (arts. 2º e 3º da CLT - clique aqui)."
A juíza verificou, do depoimento pessoal do autor da ação, que ele não tinha superior hierárquico e foi o responsável direto pelo projeto de fechamento da unidade brasileira da reclamada e venda de seus ativos, "exercendo pessoalmente a atividade de gerenciamento." Concluiu que cabia ao autor a tomada de decisões, apenas comunicando a matriz; definia os benefícios que receberia em função do cargo ocupado, bem como a política de benefícios de todos os empregados no Brasil; geria o orçamento anual da reclamada.
Assim, a magistrada concluiu que o autor, enquanto presidente nacional, caracterizava-se como verdadeiro empresário, assumindo os riscos da atividade econômica. "Houve efetiva incompatibilidade entre a relação de emprego e a condição de diretor presidente", sentenciou.
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Processo : 01706-2010-362-02-00-9
Veja abaixo a íntegra da sentença.
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PODER JUDICIÁRIO FEDERAL
Justiça do Trabalho - 2ª Região
2ª VARA DA JUSTIÇA DO TRABALHO DE MAUÁ
TERMO DE AUDIÊNCIA
PROCESSO Nº 01706-2010-362-02-00-9
Ao 1º dia, quarta-feira, do mês de junho, de dois mil e onze, às 16:30 horas, na sala de audiências desta Vara, sob a presidência da MMª Juíza Federal do Trabalho Substituta, Drª. Diana Marcondes Cesar Kambourakis, foram, por ordem da MMª Juíza, apregoados os litigantes: A. C., reclamante e Chevron Oronite Brasil Ltda., reclamada(s).
Ausentes as partes.
Conciliação prejudicada.
Submetido o processo a julgamento, proferiu a Vara a seguinte SENTENÇA
A. C., qualificado nos autos, ajuizou a presente demanda em face de CHEVRON ORONITE BRASIL LTDA., também qualificada, asseverando em síntese que foi admitido em 01.12.1980, exercendo função última de presidente nacional, sendo dispensado sem justa causa em 01.06.2010. Afirma, em suma, labor em condições perigosas, recebimento de salário “in natura” sem a devida integração para pagamento das demais verbas contratuais e verbas rescisórias, supressão de benefícios concedidos à esposa do autor, gozo irregular de férias. Juntou procuração e documentos. Fixou à causa o valor de R$50.000,00.
Em razão de todos os fatos historiados na petição inicial, formulou o rol de pedidos de fls. 16 a 18 dos autos.
Aditamento da petição inicial às fls. 111 e s.
Inconciliados, arguiu a reclamada prescrição, refutou as alegações autorais e requereu a improcedência da demanda. Juntou documentos e procuração.
Determinada a realização de perícia à fl. 94, com laudo às fls. 150 es.
Réplica às fls. 133 e s. Em audiência de instrução foram colhidos os depoimentos da parte autora e da ré, bem como procedida à oitiva de duas testemunha(s), encerrando-se a instrução processual.
Razões finais remissivas.
Inconciliados.
É o relatório.
DECIDE-SE
DO MÉRITO
DA PRESCRIÇÃO
Suscitada em defesa, por coerência lógica diante da tese defensiva, a matéria será analisada posteriormente.
DA SUSPENSÃO DO CONTRATO DE TRABALHO
Alega a reclamada, em contestação, a suspensão do contrato de trabalho a partir da assunção pelo autor do cargo de diretor presidente.
O julgamento de tal matéria precede aos demais, ante a relação de prejudicialidade existente.
Passo, assim, a analisar a relação jurídica mantida entre as partes.
Razão assiste à demandada.
O reclamante, no curso do contrato de trabalho, passou a ser sócio quotista da reclamada, como se verifica do documento de fl . 99, verso.
Com efeito, o autor passou a ostentar a condição de sócio da ré em 31.03.2000.
O documento de f l. 33 (página 47, da CTPS do autor) atesta que fora o reclamante promovido a diretor presidente em 01.04.2000.
No desempenho de tal cargo, conforme elementos de prova colhidos em instrução processual, conclui-se que efetivamente o autor, no período em que exerceu a função de diretor presidente da reclamada, não era seu empregado.
Vejamos.
Do depoimento pessoal do autor, verifica-se que ele não tinha superior hierárquico, reportando-se diretamente à empresa matriz sediada nos Estados Unidos, bem como que foi o responsável direto pelo projeto de fechamento da reclamada (unidade brasileira) e venda de seus ativos, exercendo pessoalmente a atividade de gerenciamento daquele. Chefiava e coordenava quase todos setores da reclamada (operação, manutenção, projetos, meio ambiente, segurança e área técnica).
Do depoimento da testemunha convidada pela reclamada, é possível concluir que incumbia ao autor a tomada de decisões, sendo que apenas comunicava a matriz do deliberado, bem como que o próprio autor é quem definia os benefícios que receberia em função do cargo ocupado e a política de benefícios de todos os empregados no Bras l. Ainda, afirmou a testemunha referida que era o reclamante quem geria o orçamento anual da reclamada, de vultosa quantia (sessenta/setenta milhões de reais).
Saliento que o juízo desconsidera o depoimento da testemunha convidada pelo reclamante, para fins de formação do convencimento, tendo em vista o certificado à fl . 265. Com fundamento no art. 131, do CPC, seu depoimento se torna esvaziado de valor probante.
Do exposto, concluo que no período em que o autor desempenhou a função de diretor presidente da reclamada, não estavam presentes os pressupostos fático-jurídicos da relação de emprego, notadamente a subordinação jurídica (CLT, arts. 2º e 3º). Aplica-se ao caso concreto, por analogia, o disposto na Súmula 269, do C. TST.
Isso porque, como acima visto, cabia ao autor a livre administração da reclamada, reunindo tão amplos poderes que se confundia com ela. Houve efetiva incompatibilidade entre a relação de emprego e a condição de diretor presidente. O autor era presidente nacional, caracterizando-se como verdadeiro empresário, assumindo os riscos da atividade econômica.
Sal isento, renovando o já exposto, que é incompatível com a condição jurídica de empregado a direção de forma soberana da atividade econômica, com definição, inclusive, da própria contraprestação.
No trabalho subordinado, com efeito, o trabalhador se submete ao poder de direção do empregador, cabendo a este controlar os fatores de produção. Eis justamente a atividade desempenhada pelo autor. O autor não devia obediência a qualquer pessoa ou órgão da reclamada, razão pela qual não há como sustentar a sua situação de empregado.
Pondero que as anotações na CTPS geram tão somente presunção relativa de veracidade, pelo que a robusta prova produzida nos autos é capaz de elidi-la (Súmula 12, do C. TST).
No caso vertente, imperiosa a aplicação do princípio da primazia da realidade, que norteia o Direito do Trabalho, merecendo aplicação ainda que em desfavor do trabalhador, na medida em que a realidade dos fatos há de prevalecer sempre, em detrimento do assentado em documentos. Portanto, a inexistência de subordinação prevalece sobre o registro na CTPS do reclamante.
Suspenso o contrato de trabalho, porque suspensa a subordinação jurídica, passando o autor a comandar a ré, não tem ele qualquer direito trabalhista, em sentido estrito.
Assim, julgo improcedentes os pedidos formulados no feito (adicional de periculosidade, salário “in natura”, pagamento em dobro de férias e multa do art. 477, da CLT).
Diante da improcedência da reclamação trabalhista, prejudicado o julgamento da prescrição.
DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS
Os honorários advocatícios na Justiça do Trabalho não decorrem da mera sucumbência, devendo restar preenchidos dois requisitos:
assistência sindical e concessão dos benefícios da justiça gratuita (art. 14, Lei 5.584/70). Não estando estes concomitantemente adimplidos, bem como ante a sucumbência da parte autora, indefiro o pedido (TST, Súmulas 219 e 329 e OJ 305 da SDI-1).
DOS HONORÁRIOS PERICIAIS
Honorários periciais fixados em R$ 3.000,00, a cargo do reclamante, eis que sucumbente no objeto da perícia (art. 790-B, CLT), nos termos do julgamento supra. O deferimento do pedido de adicional de periculosidade depende, necessariamente, de ser o autor empregado.
DOS OFÍCIOS
Diante do certificado à fl . 265, oficie-se ao Ministério Público Federal, para fins de apuração de eventual conduta ilegal do autor e de sua testemunha convidada (art . 40 do CPP), após o trânsito em julgado da decisão.
DA CONCLUSÃO
Ante o exposto e considerando o que mais dos autos consta e o direito aplicável , a 2ª Vara do Trabalho de Mauá decide julgar IMPROCEDENTE a reclamatória trabalhista ajuizada por A. C., em face de Chevron Oroni te Brasil Ltda., para nos termos da fundamentação, absolver a reclamada dos pedidos deduzidos.
Honorários periciais fixados em R$3.000,00, a serem suportados pelo reclamante.
Diante do certificado à fl . 265, oficie-se ao Ministério Público Federal, para fins de apuração de eventual conduta ilegal do autor e de sua testemunha convidada, após o trânsito em julgado da decisão, remetendo-se cópia dos autos, observando-se art . 27-A do Provimento GP/CR n° 23/2006.
Deverá ser expedido alvará em favor da reclamada, para levantamento dos honorários periciais prévios depositados à fl . 137, verso.
Custas processuais pelo reclamante, calculadas sobre o valor de R$50.000,00, arbitrado como valor da causa, no importe de R$1.000,00.
Cumpra-se após o trânsito em julgado.
Intimem-se as partes e a União.
NADA MAIS.
Diana Marcondes Cesar Kambourakis
Juíza do Trabalho Substituta
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