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STJ - Uso do nome Sorinan não ofende a lei de propriedade industrial

A empresa Pharmascience Laboratórios Ltda. poderá continuar produzindo e vendendo o descongestionante nasal Sorinan. A marca vinha sendo contestada pela Aché Laboratórios Farmacêuticos S/A, que produz o Sorine, mas a Terceira Turma do STJ entendeu que o uso do nome Sorinan não ofende a lei de propriedade industrial (9.279/96).

3/6/2011


Propriedade

STJ - Uso do nome Sorinan não ofende a lei de propriedade industrial

A empresa Pharmascience Laboratórios Ltda. poderá continuar produzindo e vendendo o descongestionante nasal Sorinan. A marca vinha sendo contestada pela Aché Laboratórios Farmacêuticos S/A, que produz o Sorine, mas a 3ª turma do STJ entendeu que o uso do nome Sorinan não ofende a lei de propriedade industrial (9.279/96 - clique aqui).

A Aché ingressou na Justiça de MG com ação em que pedia que a outra empresa fosse proibida de vender o medicamento Sorinan e ainda lhe pagasse indenização por prejuízos materiais e morais. Segundo a autora, a adoção de nome parecido caracterizaria concorrência desleal por parte da Pharmascience, que estaria se aproveitando do sucesso do Sorine – marca registrada previamente no INPI - Instituto Nacional de Propriedade Industrial – e causando confusão entre os consumidores.

De fato, o registro do Sorinan no INPI só veio a ser concedido durante o curso do processo judicial. Ainda assim, o juiz da 1ª vara Cível de Betim negou os pedidos formulados pela Aché, decisão confirmada depois pelo TJ/MG. Para a corte estadual, "a similitude das marcas de produto farmacêutico em razão da utilização de radical indicativo do princípio ativo do medicamento não configura concorrência desleal".

Ao analisar recurso da Aché no STJ, a ministra Nancy Andrighi concordou com o entendimento do tribunal mineiro, observando que o radical "sor", presente nas duas marcas, é uma referência ao princípio ativo do medicamento (cloreto de sódio). Segundo ela, esse radical "guarda especificidade direta e imediatamente vinculada ao produto que identifica, qual seja, solução isotônica de cloreto de sódio, popularmente conhecida como soro".

A ministra acrescentou que na indústria farmacêutica "a evocação de radicais, prefixos e sufixos que definem o princípio ativo do remédio, bem como que se referem ao órgão ou parte do corpo humano em que terá atuação, é situação habitual". Como exemplo, ela citou os radicais "amoxi", "flox", "rino" e "card", presentes em grande número de rótulos encontrados nas farmácias.

Nancy Andrighi afirmou que não se deve tratar com excessivo rigor a questão de marcas parecidas no mercado de medicamentos. Afinal, completou, o consumidor está acostumado a essas situações e cria vínculos "com outros elementos além da marca nominativa, principalmente com o laboratório produtor e o preço". Na opinião da ministra, após a criação dos medicamentos genéricos ficou ainda mais visível a preocupação do consumidor com esses dois fatores extramarca: de um lado, o preço menor; de outro, a tradição do laboratório produtor.

A relatora assinalou que a lei de propriedade industrial, em seu artigo 124, não permite que se registre como marca "sinal de caráter genérico, necessário, comum, vulgar ou simplesmente descritivo, quando tiver relação com o produto ou serviço a distinguir, ou aquele empregado comumente para designar uma característica do produto ou serviço, quanto à natureza, nacionalidade, peso, valor, qualidade e época de produção ou de prestação do serviço, salvo quando revestidos de suficiente forma distintiva".

Segundo a ministra Nancy Andrighi, "admitir a exclusividade no uso do radical evocativo "sor", isoladamente, assemelha-se a assegurar verdadeiro monopólio ao titular do registro mais antigo para utilizar em sua marca a referência à substância principal do produto". Ela ressaltou que o registro de marcas tem o objetivo de evitar a usurpação e também de proteger o consumidor contra confusões sobre a origem do produto, mas disse que a lei, "para além da repressão à concorrência desleal, objetiva tutelar a livre concorrência".

__________

Superior Tribunal de Justiça

RECURSO ESPECIAL Nº 1.105.422 - MG (2008/0261426-3)

RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI

RECORRENTE : ACHÉ LABORATÓRIOS FARMACÊUTICOS S/A

ADVOGADO : CLÁUDIO MAURÍCIO BOSCHI PIGATTI E OUTRO(S)

RECORRIDO : PHARMASCIENCE LABORATÓRIOS LTDA

ADVOGADO : GUILHERME O CRUZ E OUTRO(S)

EMENTA

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. PROPRIEDADE INDUSTRIAL. AÇÃO DE ABSTENÇÃO DE USO DE MARCA CUMULADA COM PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS. UTILIZAÇÃO DE TERMO DESIGNATIVO DO COMPONENTE PRINCIPAL DO MEDICAMENTO. COEXISTÊNCIA. POSSIBILIDADE. CONCORRÊNCIA DESLEAL. INEXISTÊNCIA.

1. A ausência de decisão acerca dos dispositivos legais indicados como violados impede o conhecimento do recurso especial.

2. O art. 330 do CPC permite ao magistrado julgar antecipadamente a lide se esta versar unicamente acerca de questões de direito ou, sendo de direito e de fato, não houver necessidade de produzir prova em audiência. O deferimento do pedido de produção de provas está vinculado à livre convicção do magistrado de primeiro grau de jurisdição. Assim, firmada a conclusão adotada pelo Tribunal a quo na suficiência de elementos para julgar o mérito da causa, não pode esta Corte revê-la sem incursionar nas provas dos autos, providência vedada pela Súmula 07/STJ.

3. O art. 18, II, da Lei 9.279/96, também chamada de Lei da Propriedade Industrial (LPI) dirige-se ao procedimento de requerimento de patente, não sendo aplicável em hipóteses em que se discute a possibilidade de utilização de marca semelhante a outra já registrada no órgão competente.

4. A finalidade da proteção ao uso das marcas – garantida pelo disposto no art. 5º, XXIX, da CF/88 e regulamentada pelo art. 129 da LPI – é dupla: por um lado protegê-la contra usurpação, proveito econômico parasitário e o desvio desleal de clientela alheia e, por outro, evitar que o consumidor seja confundido quanto à procedência do produto (art.4º, VI, do CDC).

5. Nas hipóteses previstas no art. 124, VI, da LPI não se pode falar em colidância, haja vista que, em regra, inexiste a possibilidade de uso exclusivo de elementos genéricos por qualquer empresa.

6. O radical “SOR”, que compõem a marca SORINE, não é apropriável, uma vez que é designativo do componente principal do produto farmacológico que se pretende assinalar, prática comum na indústria farmacêutica. Do contrário, gerar-se-ia situação incoerente com a essência da LPI, que, para além da repressão à concorrência desleal, objetiva, por meio das cláusulas de irregistrabilidade, tutelar a livre concorrência.

7. Afastada a identidade entre as referidas marcas apta a ensejar confusão e captação indevida de consumidores, não há se falar em ofensa ao art. 195, III da LPI.

8. Recurso especial não provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Massami Uyeda, Sidnei Beneti e Paulo de Tarso Sanseverino votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Brasília (DF), 10 de maio de 2011(Data do Julgamento)

MINISTRA NANCY ANDRIGHI

RELATÓRIO

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relatora):

Cuida-se de recurso especial interposto por ACHÉLABORATÓRIOS FARMACÊUTICOS S/A, com fundamento na alínea “a” do permissivo constitucional, contra acórdão proferido pelo TJ/MG. Ação (e- STJ fls. 06/20): de preceito cominatório de abstenção de uso de marca, com pedido de antecipação dos efeitos da tutela, cumulada com indenização por danos materiais e compensação por danos morais, proposta pela recorrente em face de PHARMASCIENCE LABORATÓRIOS LTDA. Na inicial, a autora relata que é titular do registro da marca nominativa “SORINE”, medicamento indicado para descongestão nasal. Contudo, a autora teve conhecimento que a empresa ré vem produzindo medicamento com denominação similar a sua, o “SORINAN”, com mesma indicação farmacológica. Alega que essa situação, “além de provocar colidência de marcas, expressamente vedada pela legislação em vigor, em notório aproveitamento da marca de propriedade do Autor, vem, também, proporcionando confusão entre os consumidores”, razão pela qual objetiva a condenação da ré ao pagamento de compensação por danos morais e indenização pelos danos materiais. Requer, por fim, a concessão de liminar para a imediata abstenção do uso da marca similar denominada “SORINAN” ou qualquer outra que se assemelhe à sua marca e a retirada “de todo o mercado consumidor o produto referido sob pena de multa diária de R$ 7.000,00”.

Indeferimento da liminar (e-STJ fls. 46/47): o Juízo de Direito da 1ª Vara Cível de Betim-MG indeferiu o pedido de antecipação dos efeitos da tutela.

Contestação (e-STJ 56/68):

a empresa ré suscita, preliminarmente, a incompetência absoluta da Justiça Comum e no mérito, sustenta, em síntese, que o medicamento “SORINAN” está totalmente regular junto ao INPI, órgão perante o qual protocolizou o pedido de registro. Alega ainda que a utilização de marcas de produtos farmacológicos derivativas de sua composição é procedimento rotineiro na indústria farmacêutica.

Ação declaratória incidental (e-STJ fls. 173/174): interposta pela ACHÉ, questionando o registro da marca “SORINAN”, ao argumento de que a demandada “possui apenas pedido de registro da referida marca junto ao INPI, ou seja, tem tão somente uma expectativa de um direito e não a propriedade que se consubstancia no competente certificado”.

Decisão interlocutória acerca da ação incidental (e-STJ fl. 184): após a manifestação da empresa ré, o Juízo de origem decidiu o incidente, declarando aquilo que o próprio réu já admitira, que não detinha o registro definitivo da marca “SORINAN”, mas apenas o pedido devidamente formalizado perante o órgão competente.

Sentença (e-STJ fls. 711/720): o Juízo da 1ª Vara Cível de Betin-MG julgou improcedentes os pedidos da inicial. Por oportuno, ressalta-se que foi consignado na sentença que “as duas marcas obtiveram, depois de procedimento próprio e regular, o registro no INPI, sendo que, às fls. 471 noticia-se o deferimento pelo referido Instituto, quanto à marca Sorinan, o que se deu no curso deste processo”.

Acórdão (e-STJ fls. 814/829): inconformada, a recorrente interpôs recurso de apelação (e-STJ fls. 762/784), ao qual o TJ/MG negou provimento, nos termos do acórdão assim ementado:

Superior Tribunal de Justiça

APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO ORDINÁRIA – MARCA – COLIDÊNCIA – CONCORRÊNCIA DESLEAL – NÃO-CONFIGURAÇÃO –IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO – DECISÃO QUE SE MANTÉM. O direito à proteção da marca constitui garantia constitucional, nos termos do artigo 5º, inciso XXIX, sendo ainda assegurado pela Lei 9.279/96 e tem por finalidade resguardar os direitos do consumidor bem como a clientela da empresa. Entende-se por marca o sinal ou expressão destinados a individualizar produtos ou serviços. A similitude das marcas de produto farmacêutico em razão da utilização de radical indicativo do princípio ativo do medicamento não configura concorrência desleal.

Recurso especial (e-STJ fls. 832/846): a ACHÉ, recorrente, alega que o acórdão recorrido violou os seguintes dispositivos de lei: (i) arts. 2º, V, 130, 195, III e V e 189, I da Lei 9.279/96; (ii) art. 10 do Decreto-Lei 75.512/75; (iii) art. 4º, VI, do CDC; (iv) art. 330, I, do CPC. Sustenta, outrossim, que a decisão hostilizada interpretou de maneira equivocada os arts. 18, II, e 124, VI da Lei de Propriedade Industrial (Lei 9.279/96).

Recurso extraordinário (e-STJ fls. 849/862): interposto pela ACHÉ, não foi admitido na origem.

Juízo prévio de admissibilidade (e-STJ fls. 892/893): apresentada as contrarrazões às fls. 868/878 (e-STJ), o recurso especial não foi admitido na origem. Dei, no entanto, provimento ao agravo de instrumento (Ag. 1.044.827/MG), para melhor análise da controvérsia (e-STJ fl. 920).

É o relatório.

VOTO

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relatora):

I – Da delimitação da controvérsia

O cerne da questão está em determinar se o registro anterior da marca com a utilização de um termo que remete ao princípio ativo do medicamento, qual seja “SOR” (cloreto de sódio, popularmente conhecido como soro), garante o direito de uso exclusivo dessa expressão em favor do laboratório recorrente, o que impediria a utilização do mesmo radical “SOR” na marca da recorrida.

O TJ/MG manteve a sentença proferida, afastando a configuração da concorrência desleal, com base em dois argumentos: (i) que “o art. 18, II, da Lei 9.279/96 dispõe não serem patenteáveis as substâncias, materiais, misturas, elementos ou produtos de qualquer espécie” (e-STJ fl. 825); e (ii) o seguinte: o radical “SOR” utilizado nas marcas “SORINE” e “SORINAN” refere-se ao princípio ativo do medicamento (cloreto de sódio, vulgarmente conhecido como SORO), podendo desta forma ser utilizado por todas as empresas que dele se utilizam, mesmo porque o art. 124, VI da Lei 9.279/96 não autoriza o registro como marca de “sinal de caráter genérico, necessário, comum, vulgar ou simplesmente descritivo, quando tiver relação com o produto ou serviço a distinguir, ou aquele empregado comumente para designar uma característica do produto ou serviço, quanto à natureza, nacionalidade, peso, valor, qualidade e época de produção ou de prestação do serviço, salvo quando revestidos de suficiente forma distintiva.

II – Do prequestionamento

Inicialmente, verifica-se que não houve o prequestionamento dos arts. 2º, V, 130, 189 e 195, V, da Lei 9.279/96 (LPI), art. 10 do Decreto 75.512/75 e art. 4º, VI, do CDC, circunstância que inviabiliza a análise dos recursos especiais à luz desses dispositivos legais, nos termos da Súmula 282/STF.

III – Do indeferimento de produção de outros meios de prova (Violação do art. 330, I, do CPC)

Não configura cerceamento de defesa o julgamento da causa sem a produção de prova testemunhal, quando o tribunal de origem entender que o feito foi corretamente instruído, declarando a existência de provas suficientes para o seu convencimento. Da mesma forma, a antecipação do julgamento da lide, torna dispensável a realização da audiência de conciliação, mormente quando, pelo teor das contestações ofertadas, indica a sua inocuidade.

Ressalta-se, por outro lado, que o deferimento do pedido de produção de provas está vinculado à livre convicção do magistrado de primeiro grau de jurisdição, na medida em que incumbe ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias à instrução do processo, indeferindo as diligências inúteis ou meramente protelatórias, podendo julgar antecipadamente a lide quando não houver necessidade de produzir prova em audiência, conforme o disposto nos arts. 130 e 330 do CPC.

Por outro lado, saber se a prova cuja produção fora requerida pela parte é ou não indispensável à solução da controvérsia, de modo a se permitir ou não o julgamento antecipado da lide, é questão que exige o revolvimento do contexto fático-probatório dos autos. Dessa forma, fincada a conclusão adotada pelo Tribunal a quo na suficiência de elementos para julgar o mérito da causa, não pode esta Corte revê-la sem incursionar nas provas dos autos, providência vedada pela Súmula 07/STJ. Nesse sentido, vejam-se os seguintes precedentes: AgRg no Ag 825.129/PR, 5ª Turma, Rel. Min. Felix Fischer, DJ de 21/05/2007; REsp 638.658/MG, 2ª Turma, Rel. Min. Castro Meira, DJ de 02/06/2006; AgRg no Ag 677417 / MG, Ministro Barros Monteiro, DJ de 19/12/2005; REsp 785.807/PB, 4ª Turma, Rel. Min. Jorge Scartezzini, DJ de 10/04/2006; AgRg no Ag 660.787/RS, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, DJ de 10/10/2005 e REsp 215.011/BA, 2ª Turma, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJ de 05/09/2005. Assim, não há que se falar em violação do art. 330, I, do CPC.

IV – Da alegação de ofensa ao art. 18, II, da Lei 9.279/96

O art. 18, II, da Lei 9.279/96, também chamada de Lei da Propriedade Industrial (LPI), determina que “não são patenteáveis: (...) as substâncias, matérias, misturas, elementos ou produtos de qualquer espécie, bem como a modificação de suas propriedades físico-químicas e os respectivos processos de obtenção ou modificação, quando resultantes de transformação do núcleo atômico”.

Como pode se depreender pela leitura da norma, essa disposição se dirige ao procedimento de requerimento de patente. Na presente demanda, porém, se discute a possibilidade de utilização pela recorrida de marca semelhante à da recorrente. Com razão, portanto, o recorrente ao sustentar que esse dispositivo não regula a hipótese dos autos.

Contudo, como mencionado, o acórdão recorrido apoiou-se em dois fundamentos, cada qual suficiente para manter suas conclusões. Necessário, portanto, perquirir se assiste razão à recorrente ao sustentar que a decisão hostilizada também teria violado o art. 124, VI, da Lei 9.279/96, de modo a afastar a conclusão adotada pelo TJ/MG.

IV – Da colidência entre marcas.

Termo que remete à composição do medicamento. Inexistência de direito ao uso exclusivo da expressão “SOR” na marca (Violação do art. 124, VI, da Lei 9.279/96)

Como relatado, trata-se de recurso especial originário de ação mediante a qual a autora objetiva, além da reparação por supostos prejuízos materiais e morais, a retirada do mercado do medicamento “SORINAN”, ao argumento de que esse colide com a marca “SORINE” de sua propriedade e devidamente registrada junto ao INPI, haja vista que ambas utilizam o radical “SOR”.

A marca comercial pode ser definida como “o sinal distintivo que identifica e distingue mercadorias, produtos e serviços de outros idênticos ou assemelhados de origem diversa, bem como certifica a conformidade dos mesmos com determinadas normas ou especificações técnicas” (DOMINGUES, Douglas Gabriel. Comentários à Lei de Propriedade Industrial. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 400). Seu titular, por sua vez, possui a prerrogativa de utilizá-la, com exclusividade, no âmbito dessa especialidade, em todo o território nacional pelo prazo de duração do registro no INPI.

A finalidade da proteção ao uso das marcas é dupla: por um lado protegê-la contra usurpação, proveito econômico parasitário e o desvio desleal de clientela alheia e, por outro, evitar que o consumidor seja confundido quanto à procedência do produto (art.4º, VI, do CDC). No tocante a esse último aspecto, o que se vê é que a marca confere uma imagem aos produtos e serviços prestados pelo empresário, agregando, com o tempo, elementos para a aferição da origem do produto e do serviço.

Por essa razão, a propriedade das marcas registradas no INPI tem proteção garantida pelo disposto no art. 5º, XXIX, da CF/88, cujo dispositivo vale transcrever:

XXIX - a lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio temporário para sua utilização, bem como proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País;

Seguindo essa determinação contida na CF/88, o art. 129 da LPI determina que “a propriedade da marca adquire-se pelo registro validamente expedido, conforme as disposições desta Lei, sendo assegurado ao titular seu uso exclusivo em todo o território nacional”. Esse preceito de lei, portanto, dirige a terceiros um comando direto de proibição de utilização da marca que foi registrada pela parte.

Na hipótese em apreço, noticia-se nos autos que a recorrente registrou no INPI a marca nominativa simples “SORINE”, composta de radical designativo do componente principal do medicamento, qual seja, cloreto de sódio (popularmente conhecido como soro), acrescida do sufixo “INE”. A recorrente tem, portanto, exclusividade na utilização da marca “SORINE”, mas não a tem na utilização do radical considerado comum.

Com efeito, o art. 124, VI, da LPI não autoriza como marca “sinal de caráter genérico, necessário, comum, vulgar ou simplesmente descritivo, quando tiver relação com o produto ou serviço a distinguir, ou aquele empregado comumente para designar uma característica do produto ou serviço, quanto à natureza, nacionalidade, peso, valor, qualidade e época de produção ou de prestação do serviço, salvo quando revestidos de suficiente forma distintiva”.

Nesses casos, não se pode falar em colidência, porque, em regra, inexiste a possibilidade de uso exclusivo desse sinal por qualquer empresa. O radical “SOR” utilizado em ambas as marcas (“SORINE” e “SORINAN”) guarda especificidade direta e imediatamente vinculada ao produtoque identifica, qual seja, solução isotônica de cloreto de sódio, popularmente conhecida como “soro”. Na indústria farmacêutica a evocação de radicais, prefixos e sufixos que definam o princípio ativo do remédio, tal com ocorre na hipótese dos autos, bem como que se referem ao órgão ou parte do corpo humano terão atuação, é situação habitual, tanto que, sem maior esforço, rapidamente vem à mente diversos nomes que utilizam, a título exemplificativo, os radicais “amoxi”, “flox”, “rino”, “card”, etc.

Com razão o acórdão recorrido ao consignar que não se deve tratar com tanto rigor a questão da colidência em se tratando de medicamentos. Isso porque, além da situação acima descrita ser extremamente habitual, os consumidores de fármacos criam vínculos com outros elementos além da marca nominativa, principalmente com o laboratório produtor e o preço, mormente quando se considera o cenário do mercado consumidor brasileiro nesse ramo surgido com a entrada em vigência da Lei 9.787/99 (Lei dos Genéricos), que autorizou a comercialização, por qualquer laboratório, de medicamentos com patentes caducadas.

Pode-se afirmar que, enquanto parcela do mercado consumidor de medicamentos adquire o produto levando em conta o laboratório que o produziu, priorizando a aquisição de medicamentos provenientes dos mais antigos e tradicionais laboratórios, outra parcela significativa tem no preço o fator preponderante na hora de escolher o medicamento.

Admitir a exclusividade no uso do radical evocativo “SOR”, isoladamente, assemelha-se a assegurar verdadeiro monopólio ao titular do registro mais antigo a utilizar em sua marca a referência à substância principal do produto. Essa situação seria incoerente com a essência da LPI, que, para além da repressão à concorrência desleal, objetiva, por meio das cláusulas de irregistrabilidade, tutelar a livre concorrência. Dessa forma, nada a modificar no acórdão recorrido, que bem aplicou o dispositivo de lei em comento.

Por fim, não sendo possível vislumbrar identidade entre as referidas marcas apta a ensejar confusão e captação indevida de consumidores, não há se falar em ofensa ao art. 195, III da LPI, ante a inexistência de crime concorrência desleal.

Forte nesses razões, NEGO PROVIMENTO ao recurso especial.

É como voto.

MINISTRA NANCY ANDRIGHI

_________

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