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Justiça paulista condena rapaz por discriminação racial na internet

Justiça paulista condena rapaz por discriminação racial na internet

4/5/2011

Internet

Justiça paulista condena rapaz por discriminação racial na internet

A Promotoria de Justiça Criminal da capital SP obteve a condenação de L.V.S., acusado de promover manifestações discriminatórias por meio de uma página de relacionamentos da internet. Ele fazia parte de diversas comunidades que pregavam o racismo e a ideologia nazista.

De acordo com o promotor Christiano Jorge dos Santos, L.V.S. era membro de comunidades virtuais com títulos como "Sou Racista", "Força Branca" e "Adolf Hitler Lovers", todas com tópicos de discussão que visavam a denegrir os negros e os judeus e a trocar informações sobre literatura racista.

L.V.S. foi condenado à pena de dois anos e quatro meses de prisão em regime aberto. Entretanto, por ser réu primário, ele teve a pena substituída por prestação de serviços à comunidade e pagamento de um salário mínimo à entidade assistencial. A denúncia foi oferecida em maio de 2008 pela promotora de Justiça Ana Lúcia de Biazzi Pereira e a sentença foi proferida pela juíza Maria Isabel Rebello Pinho Dias, da 16ª vara Criminal da capital.

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Vistos.

L.V.S., qualificado nos autos, foi denunciado perante este Juízo como incurso nos art. 20, caput, c.c. o disposto no § 2º, da Lei nº 7.716/89, por quatro vezes, na forma do art. 69, do Código Penal, porque em 7 de abril de 2005, às 7h51, por meio da Rede Mundial de Computadores, denominada Internet, pelo site de relacionamento denominado “Orkut”, praticou, induziu e incitou a discriminação e o preconceito de raça (negra ou preta) e cor (negra ou preta), cometendo-os por intermédio do referido meio de comunicação social.

Consta, também, que no dia 29 de maio de 2005, às 9h57, também através da Internet, por meio do site de relacionamento denominado “Orkut”, o réu praticou, induziu e incitou a discriminação e o preconceito de raça (preta ou negra) e cor (preta ou negra), cometendo-os por intermédio do referido meio de comunicação social.

Consta, ainda, que no dia 26 de junho de 2005, às 16h39, o réu, disposto a propagar seu ódio racial e os ideais nazistas, teceu comentário preconceituoso contra integrantes da religião judaica, afirmando que o holocausto é uma mentira.

Consta, por fim, que no dia 27 de junho de 2005, por volta das 18 horas, no GAECO, situado na rua Minas Gerais, nº 316, Higienópolis, nesta Capital, o réu praticou a discriminação e o preconceito contra integrantes da religião judaica.

Recebida a denúncia (fls. 217). O réu apresentou defesa prévia a fls. 234/234 vº. Não houve absolvição sumária (fls. 240/241). O acusado foi pessoalmente citado.

Durante a instrução, ouviram-se três testemunhas de acusação (fls. 292/294, 295/296, 356106/107) e uma testemunha de defesa (fls. 373). Ao final, o réu foi interrogado (fls. 375/377).

Encerrada a instrução, as partes apresentaram memoriais, quando o Ministério Público pleiteou a condenação do acusado, por entender que ficaram suficientemente comprovadas a materialidade e autoria, com a fixação de regime aberto (fls. 380/382). Por seu turno, a Defesa (fls. 384/409) pugnou pela absolvição do acusado, nos termos do art. 386, inciso III e VII, do Código de Processo Penal. Ressaltou que a liberdade de expressão prepondera no caso concreto, de modo que eventual conduta configura exercício regular de direito ou fato atípico. Subsidiariamente, requereu: a) fixação da pena no mínimo legal; b) reconhecimento da menoridade relativa; c) reconhecimento da causa de diminuição decorrente de erro de proibição evitável; d) fixação de regime aberto; e) direito de apelar em liberdade.

É, em síntese, o relatório.

DECIDO

A ação é procedente em parte, com exceção do delito praticado em 27 de junho de 2005, o qual deve ser considerado fato atípico.

Em que pese o entendimento exposto pela Douta Defesa e na esteira do entendimento exposto do Dr. Promotor de Justiça, a condenação do acusado é de rigor.

Na fase policial (fls. 92/93) o réu admitiu ter adicionado no seu perfil do “Orkut” as comunidades: “coisasqueodeio: preto e racista”, “Adolf Hitler Lovers”, “sou racista” e “Racista NÃO, Higiênico!”. Confirmou ter inserido na comunidade “sou racista” o conteúdo de fls. 28. Também confirmou ter sido o autor dos depoimentos de fls. 30 e 31. Afirmou não ter preconceito. Contou que adquiriu os livros apreendidos em um sebo.

Em Juízo (fls. 370/371) o réu falou que integrou algumas comunidades mencionadas na denúncia, “mas os comentários que fazia eram apenas conversas e brincadeiras”. Admitiu que participou de debate no “Orkut” sobre o nazismo, porém, apenas discutiu o que havia lido nos livros “Holocausto” e “Segunda Edição da Segunda Guerra Mundial”. Salientou que há negros na sua família e não teria motivo para ser racista. Reconheceu que fez comentários infelizes, mas na época não pensava sobre as suas consequências. Confirmou que escreveu no “Orkut” “é só olhar para minha cor e ver a diferença, se eu ficar sem tomar banho por dois dias eu fico fedido, já os pretos ficam podres, e sou racista mesmo...”. Negou ter dito “também acho que deve voltar a ser escravo de novo, essas porras aí”. Não se recordou de ter dito as frases sobre o nazismo no dia 26 de junho de 2005. Contou que esteve no GAECO e conversou com o Promotor de Justiça sobre o que havia lido no livro Holocausto, mas não manifestou a sua opinião sobre tal tema. Comentou que somente confirmou os fatos ao citado Promotor porque ele lhe disse que “os fatos contra eles estavam provados e se ele não confirmasse iria preso”. Admitiu que integrava apenas as comunidades “Racista não, higiênico”, “Coisas que odeio: preto e racista”, “Orgulho Branco”, “Nazismo Debates”. Mencionou que não incentivou seu amigo que estava em poder do livro “Holocausto” a acreditar no que estava escrito em tal livro.

Em que pese o réu ter admitido apenas parcialmente a autoria das frases constantes na denúncia, apurou-se que ele praticou os crimes ocorridos nos dias 7 de abril, 29 de maio e 26 de junho do ano de 2005. Vejamos.

No que toca ao crime praticado no dia 7 de abril, o documento de fls. 32 evidenciou que o acusado, usando o seu perfil (fls. 23), fez comentários de cunho racista ao revelar os motivos da sua entrada na comunidade “Racista Não, Higiênico”: “e soh olha pra minha cor e ver a diferença, se eu fika sem toma banho por 2 dias eu fiko fedido, jah os pretos fikam podres, e sou racista msm...”, isto é, “é só olhar para a minha cor e ver a diferença, se eu ficar sem tomar banho por dois dias eu fico fedido, já os pretos ficam podres, e sou racista mesmo...”. Tal fato foi admitido pelo réu tanto na fase policial quanto em Juízo.

Quanto ao crime praticado no dia 29 de maio de 2005, o documento de fls. 28 confirmou que o réu, usando o seu perfil (fls. 23), publicou na comunidade “Eu sou racista memu” do site de relacionamento “Orkut” a frase de cunho racista “Tb acho, tem q vita a c escravo d novo essas porras aí”, ou seja, “também acho que devem voltar a ser escravos, de novo, essas porras aí”. Logo, a despeito de o acusado, na fase judicial, ter negado a autoria de tal manifestação, a confissão na fase policial restou corroborada.

Evidente que o acusado agiu com a intenção de praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito da raça e cor negra, pois as suas manifestações – realizadas em comunidades racistas -evidenciam a sua intenção de menosprezar e inferiorizar a raça negra, exaltando época em que vigorava o repugnante sistema da escravidão em que pessoas eram submetidas a outras como se objetos fossem pelo só fato de possuírem a coloração da pele negra.

Em que pese o acusado sustentar que apenas fez comentários infelizes, com intenção de brincadeira e discussão, tal alegação deve ser rechaçada, pois não é admissível que a livre manifestação de pensamento seja usada como subterfúgio para condutas abusivas e lesivas a um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, qual seja, a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (art. 3º, IV, da Constituição Federal).

O depoimento da testemunha de defesa William Nunes Chaves (fls. 373), tio do acusado, que disse que ser negro e que o réu nunca foi racista com ele em nada o beneficia, pois possuindo pessoas do seu círculo familiar da raça negra o réu deveria dar o exemplo, abstendo-se de colocações racistas, há tanto tempo combatidas na nossa sociedade.

Também se apurou que o acusado no dia 26 de junho do mesmo ano, teceu comentários preconceituosos contra integrantes da religião judaica, afirmando que o holocausto é uma mentira: “Seu idealismo é bem estruturado...jah leou o livro o ‘holocausto, verdades e mentiras sobre judeus e alemães”?...q tem uma frase nele... “Vc pode enganar uma pessoa varias vezes, muitos uma vez, mauis ñ todos a vida inteira, eh o q acho o q eles falam...”, ou seja, “Seu idealismo é bem estruturado...já leu o livro “O Holocausto, verdades e mentiras sobre judeus e alemães”?...o qual tem uma frase nele...” Você pode enganar uma pessoa várias vezes, muitos uma vez, mas não todos a vida inteira, é o que eles falam sobre a Alemanha, o nazismo e Hitler, no futuro serão provadas todas as mentiras que eles falam”.

A circunstância de o livro “O Holocausto, verdades e mentiras sobre judeus e alemães” – que o réu admitiu ser de sua propriedade - ter sido apreendido por indicação dele na casa de um vizinho, confirma que os comentários preconceituosos de fato foram por ele realizados, bem como que tinha a intenção de incitar outras pessoas contra o povo judeu.

Induvidoso o dolo do acusado de praticar o racismo contra os judeus, pois ao sustentar lastreado na pretensão de inferioridade e desqualificação do povo judeu que não houve o Holocausto – fato histórico incontroverso - incitou à discriminação contra o povo judeu.

Nessa linha o depoimento de Mauricio Caseiro Iacozzilli (fls. 356), estagiário do GAECO na época dos fatos, o qual comentou que realizaram investigações de racismo via internet e localizaram Leonardo Viana, que fazia comentários racistas e perseguia pessoas de cor negra na internet. Acrescentou que o réu também praticava racismo contra judeus. Willliam Henrique Lima de Araujo (fls. 295/296), outro estagiário do GAECO na época do ocorrido, contou que ligou para o réu, o qual confirmou a autoria da página de fls. 22/33.

No mesmo sentido o relato de Christiano Jorge Santos (fls. 292/294), Promotor de Justiça, o qual contou que realizou investigações de crimes de racismo na Internet e chegaram à página do acusado no “Orkut”, na qual ele se identificava pelo nome e com o apelido “Serra”. Na sua foto estava com apenas o dedo médio estendido e havia várias frases de cunho racista, atacando diretamente negros. Também havia manifestações do réu em página de outros usuários do “Orkut”, com o mesmo cunho racista. Seu estagiário William conseguiu entrar em contato com o réu, o qual atendeu ao chamado do GAECO e admitiu o teor das frases lançadas em sua página no Orkut como sendo dele. Comentou que não gostava de judeu e que não teria ocorrido o holocausto, inclusive relatando que estava tentando convencer um vizinho disto. Contou que foi apreendido o livro “Holocausto, a mentira do século” na casa do vizinho do acusado por indicação dele. Ressaltou que o réu dizia que os judeus eram vírus que iriam contaminar a Alemanha e os nazistas fizeram muito bem em defender seu país. O acusado confirmou não só o teor que lançou na sua página do “Orkut”, mas também os scraps que enviava a outros usuários. Falou que qualquer usuário do “Orkut” podia acessar os conteúdos escritos pelo réu, pois se trata de página aberta. Mencionou que, segundo informação do Google havia mais de um milhão de brasileiros cadastrados no “Orkut” naquela época.

Os delitos ocorreram na forma qualificada, pois cometidos por meio de comunicação social, ou seja, pela internet.

Inviável o acolhimento da tese da Defesa de que o réu agiu em erro de proibição. Isto porque evidente que ele tinha conhecimento da ilicitude de suas condutas, pois o combate ao racismo é um dos pilares do nosso Estado de Direito Democrático, amplamente divulgado como, por exemplo, mediante ações afirmativas para inclusão dos negros, bem como pela condenação pública ao Holocausto.

Além disso, insustentável a alegação de que o réu agiu em exercício regular do seu direito à livre expressão. Ora, a liberdade de expressão não é garantia absoluta, pois não abriga, na sua abrangência, manifestações de conteúdo imoral que acarretam ilicitude penal. Logo, deve ser exercida de maneira harmônica, observados os limites definidos pela Constituição Federal .

Considerando que os três delitos foram praticados nas mesmas condições de tempo, lugar, modo de execução, de rigor o reconhecimento da continuidade delitiva, a teor do disposto no art. 71 do Código Penal.

Em contrapartida, não ocorreu delito no dia 27 de junho, pois o réu esteve no GAECO para esclarecer os fatos a ele atribuídos. Logo, ausente a intenção de discriminação, porquanto ele se manifestou no exercício da sua autodefesa, o que necessariamente implicava que ele falasse a respeito dos delitos e sustentasse as suas razões para justificar as suas condutas. Em suma, diante da falta de dolo, tal conduta deve ser considerada atípica.

Como se vê, plenamente delineadas três condutas de racismo qualificado em continuidade delitiva, de modo que a responsabilização criminal do acusado é de rigor.

Passo a individualizar-lhe a pena.

Atendendo às circunstâncias contidas no art. 59, "caput", do Código Penal, especialmente à primariedade do acusado, justifica-se a fixação da pena-base no mínimo legal para cada um dos delitos e, assim, estabeleço-as em (2) dois anos de reclusão e (10) dez dias-multa. Na segunda etapa, presente a atenuante da menoridade relativa, contudo, inviável a diminuição da reprimenda aquém do mínimo legal. Na última fase, não há causas de aumento ou de diminuição de pena, motivo pelo qual torno a reprimenda definitiva em 2 (dois) anos de reclusão e (10) dez dias-multa para cada crime.

Em razão da continuidade delitiva, a pena mais grave – (2) dois anos e (10) dez meses de reclusão – deve ser aumentada em 1/5 (um quinto), pois foram praticados três delitos. Assim sendo, a pena total aplicada aos réus será de (2) dois anos, (4) quatro meses e (24) vinte e quatro dias de reclusão.

As penas de multa devem ser somadas, a teor do que dispõe o art. 72, do Código Penal, perfazendo 30 (trinta) dias-multa, no valor unitário mínimo ausente notícia de fortuna do réu.

Presentes os requisitos e pressupostos do art. 44 do Código Penal, substituo a pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, consistente em prestação de serviços à comunidade durante o prazo da pena privativa de liberdade (dois anos, quatro meses e vinte e quatro dias), a ser especificada pelo Juízo das Execuções, e prestação pecuniária em favor de entidade assistencial, no valor de um salário mínimo, ausente notícia de fortuna do réu.

Em caso de revogação, o regime inicial de cumprimento de pena será o ABERTO, nos termos do art. 33, § 2º, “c”, do Código Penal.

Fixo o valor unitário do dia-multa no mínimo legal, na falta de informações sobre as condições financeiras do acusado.

Por tais fundamentos, julgo PROCEDENTE EM PARTE a presente ação penal para CONDENAR LEONARDO VIANA DA SILVA, qualificado nos autos, como incurso no art. 20, “caput”, c.c. o § 2º, da Lei nº 7716/89, por três vezes, na forma do art. 71, do Código Penal a (2) dois anos, (4) quatro meses e (24) vinte e quatro dias de reclusão, em regime inicial ABERTO, ficando a pena privativa de liberdade substituída por restritiva de direitos, consistente em prestação de serviços à comunidade, em local ou entidade a ser definida pelo Juízo das Execuções pelo mesmo prazo da pena privativa de liberdade, ou seja, dois anos, quatro meses e vinte e quatro dias, além do pagamento de prestação pecuniária em favor de entidade assistencial, no valor de 01 (um) salário mínimo, facultando-se ao Juízo das Execuções o parcelamento, além do pagamento de (30) trinta dias-multa, no valor unitário mínimo legal.

Após o trânsito em julgado, lance-se o nome do réu no rol dos culpados e oficie-se para suspensão dos direitos políticos, nos termos do art. 15, inciso III, da Constituição Federal.

Faculto ao réu apelar em liberdade, pois ele respondeu ao processo em liberdade.

Custas na forma da Lei.

P. R. I. e C.

São Paulo, 28 de fevereiro de 2011.

Maria Isabel Rebello Pinho Dias

Juíza de Direito

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