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STJ – 3ª turma assegura livre concorrência no mercado de charutos cubanos

A Corporación Habanos, estatal que controla a fabricação de charutos em Cuba, não conseguiu impedir que seus produtos sejam comercializados no Brasil à margem dos contratos que mantém com distribuidores exclusivos. Em decisão unânime, a 3ª turma do STJ rejeitou recurso em que a empresa cubana e duas distribuidoras pretendiam impedir a venda dos charutos por uma tabacaria de SP.

26/4/2011


Concorrência

STJ – 3ª turma assegura livre concorrência no mercado de charutos cubanos

A Corporación Habanos, estatal que controla a fabricação de charutos em Cuba, não conseguiu impedir que seus produtos sejam comercializados no Brasil à margem dos contratos que mantém com distribuidores exclusivos. Em decisão unânime, a 3ª turma do STJ rejeitou recurso em que a empresa cubana e duas distribuidoras pretendiam impedir a venda dos charutos por uma tabacaria de SP.

O processo começou quando três empresas – Habanos, Cemi e Puro Cigar de Habana – ajuizaram ação contra a Nobres Tabacos alegando que esta, proprietária de uma sofisticada tabacaria, estaria vendendo charutos de forma ilícita, em desrespeito ao regime de exclusividade pactuado entre elas. A exclusividade de distribuição dos produtos da Habanos no mercado brasileiro havia sido contratada inicialmente entre a fabricante e a Cemi, a qual depois cedeu os direitos de distribuição à Puro Cigar.

As três autoras da ação também acusaram a outra empresa de trabalhar com produtos falsificados, o que não ficou provado na perícia técnica realizada durante o processo. A sentença considerou que não havia nenhuma ilegalidade na conduta da ré, posição reafirmada pelo TJ/SP. Para a corte Estadual, a lei não exige que as empresas brasileiras só comprem charutos cubanos de distribuidora autorizada pela fabricante.

Recurso

Em recurso ao STJ, a Habanos e suas distribuidoras sustentaram que, mesmo os produtos sendo legítimos, não poderiam ser comercializados no Brasil sem sua autorização. Disseram que os charutos ingressaram no território brasileiro sem a anuência do detentor da marca, o que teria violado o direito de exclusividade conferido pelos contratos que assinaram entre si.

Em seu voto contrário ao recurso das empresas, o relator do caso, ministro Sidnei Beneti, disse que "o contrato de distribuição exclusiva, por si só, não anula a incidência dos princípios que fundamentam a ordem econômica", entre eles o da livre concorrência. Segundo o ministro, "a dominação de mercado é prática vedada, de modo que, em regra, a nenhuma pessoa empresária toca o direito de operar no mercado com exclusividade sobre determinado bem".

O relator comentou que são esses mesmos princípios constitucionais da ordem econômica, baseados na livre iniciativa, que "asseguram ao fabricante ou, mais especificamente, ao titular de direitos sobre a marca, o direito de negociar livremente com outras pessoas o privilégio de distribuição exclusiva de seu produto". No entanto, acrescentou, não é vedada a comercialização do produto por terceiros alheios a essas relações contratuais de exclusividade.

Ao analisar o caso concreto, o ministro Beneti disse que não ficou provado no processo que a empresa dona da tabacaria tenha feito, ela própria, a introdução dos produtos no território nacional. A sentença afirmou haver documentação comprovando que a empresa fez seguidas compras de charutos da Habanos por intermédio de outras importadoras, razão pela qual, segundo o relator, "não está delineada hipótese de ofensa ao contrato de distribuição exclusiva".

"Operou-se então a exaustão do direito sobre a marca, que vem a ser a impossibilidade de o titular da marca impedir a circulação do produto após esta haver sido introduzida no mercado nacional", declarou o ministro. Devido a essa exaustão, concluiu Sidnei Beneti, a Habanos e suas distribuidoras "não podem se opor às vendas ulteriores e sucessivas, sob pena de ofensa aos princípios que regem a ordem econômica".

Veja abaixo a íntegra do acórdão.

___________

RECURSO ESPECIAL Nº 930.491 - SP (2007/0045740-0)

RELATOR : MINISTRO SIDNEI BENETI

RECORRENTE : CORPORACIÓN HABANOS S/A E OUTROS

ADVOGADO : JEFERSON WADY SABBAG E OUTRO(S)

RECORRIDO : NOBRES TABACOS LTDA

ADVOGADO : JOSÉ ROBERTO D'AFFONSECA GUSMÃO E OUTRO(S)

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO SIDNEI BENETI:

1.- Trata-se de Recurso Especial interposto por CORPORACIÓN HABANOS S/A, CEMI LTDA e PURO CIGAR DE HABANA LTDA com fundamento nas alíneas “a” e “c” do art. 105, III, da Constituição Federal, contra NOBRES TABACOS LTDA.

2.- Consta dos autos que a primeira recorrente, CORPORACIÓN HABANOS S/A, celebrou com a segunda, CEMI LTDA, contrato de distribuição exclusiva de seus produtos no Brasil. Esta, por sua vez, cedeu seus direitos de distribuição à terceira recorrente, PURO CIGAR DE HABANA LTDA.

As recorrentes ajuizaram contra a recorrida ação com pedidos de preceito cominatório e indenização. Alegaram que o produtos de marca da primeira recorrente era comercializado ilicitamente pela demandada, seja porque eram resultado de contrafação, seja porque eram distribuídos em desrespeito ao contrato de exclusividade firmado com a terceira recorrente.

A Sentença foi pelo julgamento de improcedência dos pedidos (fls.1297/1303).

As recorrentes interpuseram Apelação, à qual a Quarta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Rel. Des. ENIO ZULIANI, negou provimento, nos termos da seguinte ementa (fl. 1371):

Concorrência desleal – Charutos cubanos – Para que os fabricantes submetidos a um concentrado sistema de distribuição possam atuar contra os comerciantes brasileiros que revendem os produtos, é mister que se prove a contrafação, o que não ocorre com aquele que importa, de forma regular e permitida, mercadorias estrangeiras, pois o fato de não ceder ao monopólio da distribuição exclusiva direcionado no território brasileiro, não pressupõe que haja contrabando ou pirataria – Não incidência do art. 132, III, da Lei 9279/96 – Precedentes do Tribunal no caso da vodca Wyborowa e do vinho Bolla – Não provimento.

3.- As recorrentes entendem que o Acórdão viola o art. 132, III, da Lei 9.279/96 (Lei de Propriedade Industrial). Argumentam o seguinte (fl. 1422):

A Ré/Recorrida alega que seus estoques foram sempre abastecidos por importadoras legalmente estabelecidas no Brasil, como Havana Cigars Comércio, Importação e Exportação Ltda., Havanosul Importadora Ltda. e, mais recentemente, Cubalse do Brasil Ltda., e que esta última, ainda segundo a Recorrida, vem suprindo o mercado nacional com produtos de legítima procedência e legalmente importado.

Ocorre que essas empresas não estão autorizadas pela 1ª Recorrente (produtora dos charutos cubanos e detentora das marcas em questão) a internar ou comercializar no Brasil os referidos produtos – fato que também é incontroverso.

Entendem que, ainda que os produtos não tenham sido considerados falsificados, não podem ser comercializados em território nacional sem sua autorização, alegando que os produtos entraram no país sem anuência do detentor da marca, violando o direito de exclusividade conferido pelos contratos firmados entre as recorrentes.

Procuram demonstrar dissídio jurisprudencial. Alegam que, enquanto o Tribunal de origem entendeu que a lei não obriga que as empresas brasileiras adquiram os charutos cubanos da distribuidora autorizada pela Corporation Habanos S/A (ora 1ª Autora/Recorrente), o que constituiria violação ao princípio da livre concorrência, os acórdãos paradigma proferidos pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro entenderam, ao contrário, que a aquisição de mercadoria que não respeita contrato de distribuição exclusiva viola os direitos das partes autoras envolvidas, inexistindo afronta ao princípio da livre concorrência, senão apenas garantia do direito decorrente da distribuição exclusiva.

4.- A recorrida apresentou as contrarrazões de fls. 1474/1486. Nestas argumenta que a pretensão recursal viola a livre iniciativa e livre concorrência. Alega que o Recurso atrai o óbice da Súmula STJ/7, pois a verificação do dissídio impõe o reexame de provas, bem como da Súmula STF/284, porquanto não comprovada a similitude fática dos casos confrontados.

É o relatório.

RECURSO ESPECIAL Nº 930.491 - SP (2007/0045740-0)

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO SIDNEI BENETI(RELATOR):

5.- Em que pesem os esforçados argumentos das recorrentes, o Recurso não merece provimento.

6.- As recorrentes ajuizaram ação para impedir que produtos de sua marca fossem comercializados pela recorrida. Alegaram, inicialmente, contrafação e desrespeito a contrato de exclusividade, segundo o qual uma das recorrentes, PURO CIGAR DE HABANA LTDA, teria o direito exclusivo de distribuir, no Brasil, os charutos cubanos fabricados pela outra recorrente CORPORACIÓN HABANOS S/A.

7.- A Sentença foi desfavorável às recorrentes. Consideraram-se insuficientes as provas da contrafação. O Acórdão recorrido negou provimento à Apelação e manteve a sentença. A par de considerar inexistentes, no caso, contrabando e "pirataria", o Tribunal ponderou que a Constituição Federal proíbe a dominação do mercado e a eliminação da concorrência, afinal, consagra como fundamento da ordem econômica o princípio da livre iniciativa (art. 170).

8.- O Acórdão ora recorrido, lançado com a mão de mestre do E. Des. ENIO SANTARELLI ZULIANI, bem realça esses pontos, como segue:

A r. sentença deve subsistir. A perícia concluiu que a Tabacaria Ranieri, nome fantasia da loja da apelada, vende charutos cubanos legítimos, com regularidade documental e fiscal [importação]. Não se confirmou contratação de charutos cubanos, devido a não ter sido possível realizar a perícia nos produtos apreendidos pela atuação policial precedente, por desídia na conservação do material estocado em condições impróprias. Ademais, a atuação da Policia, no episódio da antiga apreensão de charutos, sofreu sérios e graves questionamentos, com suspeita de favorecimento para as empresas interessadas em constatar vestígios de concorrência desleal. Está, pois, justificada a limitação da perícia, centralizada no material exposto à venda na tabacaria.

A Constituição Federal estabelece que há liberdade de iniciativa [art. 170], estimulando a prática de atividades comercial [parágrafo único, do art. 170]. E a própria Carta proíbe a dominação de mercado e a eliminação da concorrência [§ 4º, do art. 173]. Esses dois dispositivos permitem afirmar que os poderes econômicos privados, quando unificados como mecanismo de política de exclusão de concorrentes, contrariam a livre iniciativa. O Estado e o judiciário devem atuar para impedir que comportamentos e ideologias dominem o mercado e prejudiquem o comerciante de praticar atos que lei não proíbe [art. 5º, II, da CF].

Apesar da impossibilidade de tipificar a conduta das apelantes em algum dos dispositivos da Lei Antitruste [arts. 21 e 20, da Lei 8884/94], está nítido que, por detrás da proposta de restringir a venda de charutos nas prateleiras da loja apelada, está escondida a intenção de romper as estruturas do livre mercado.

Existem precedentes desse Tribunal contra a tese defendida na apelação. Isso ocorreu também na venda da vodca “Wyborowa” [Ap. 90.538-3, da Terceira Câmara de Direito Privado, relator o Desembargador CARLOS ROBERTO GONÇALVES, integrando a Turma os Desembargadores Flávio Pinheiro e Ênio Zuliani, in JTJ-Lex 229/136] e do vinho italiano “Bolla” [Ap 75.002-1, Desembargador LUIS DE MACEDO, in RJTJSP 106/135], tendo, nesse último aresto, anotado:

“É verdade que, segundo consta, a apelada é representante exclusiva dos vinhos “Bolla” no Brasil; mas tal exclusividade não pode ser oposta a terceiros, tanto mais que a apelante não importou o produto diretamente junto aos fabricantes, mas de empresa distribuidora. E, se importou os vinhos, em atividade evidentemente lícita, é claro que o fez com vistas à sua venda no Brasil, o que não se reveste de atividade violadora ou de contrafação à referida marca”.

Nada obsta que as lojas de tabacaria do País exportam, para venda, charuto cubanos que são adquiridos legalmente, pelo regime de importação, porque a lei do comércio não obriga a que as empresas do ramo adquiram essas mercadorias da distribuidora autorizada pela Corporación Habanos S/A., pois o que se admitem, como estratégia da defesa da origem consagrada do produto, são mecanismos contra a contrafação. A luta que se dignifica nesse setor visa proteger não somente os interesses dos fabricantes, mas, especialmente, assegurar o consumo seguro e honesto aos clientes, exatamente porque a prática criminosa de adulteração de mercadorias é sempre acompanhada de contrabando e falsidade, um trio que lesa o comércio, a marca notória e o gosto dos consumidores.

O célebre caso da exposição à venda dos “Pós de Rogé” em vidros, invólucros e emblemas iguais aos do fabricante francês, conduziu os Tribunais ao reconhecimento de que a contrafação consiste em vender produtos semelhantes em frascos iguais ao do fabricante que detém a exclusividade da marca [DIDIMO DA VEIGA, Marcas de fábrica, Garnier, RJ, 1887, p. 24]. O Brasil possui jurisprudência histórica no sentido de considerar ilícita a venda, sem a devida licença, de produtos de marca alheia, ou contrafeitos; sempre se exigiu para condenar o acusado, que existisse prova de ter ele ciência de que os produtos que oferecia à venda eram contrafeitos, como o licor Chartreuse, acondicionados nas garrafas originais [AFFONSO CELSO, Marcas industriaes e nome commercial, Imprensa Nacional, RJ, 1888. p. 162].

Charutos cubanos são objetos de desejo e contam com a confiança dos aficionados, o que atrai o interesse dos comerciantes que comercializam produtos de tabacaria e outros, aproveitando ocasiões e locais apropriados para comercializar esse tipo de mercadoria. Não é incomum, por exemplo, encontrar charutos em lojas de vinhos, para se dar um exemplo indicado da impropriedade de os apelantes pretenderem, com base no art. 132, III, da Lei 9279/96, impedir essa prática tradicional e enraizada em nossos costumes, a pretexto de salvaguardar o conceito idôneo do produto da ilha que exporta charutos de ótima qualidade. Ou será que as autoras estão querendo que todas as vendas de charutos cubanos, no Brasil, ocorram com expressão autorização delas?

A insistência mais parece uma tentativa exagerada de controle de nosso sistema de importação ou de averiguação da venda de consumo de produtos estrangeiros, como se as apelantes pretendessem fiscalizar e restringir, em todo território nacional, a venda e comercialização de charutos cubanos legítimos. O que se permite, com razão, já se declarou, é que as apelantes ajam contra a contrafação, evitando que a pirataria ou a imitação prejudiquem a credibilidade da marca única dos produtos cubanos. No caso dos autos, porém, não há prova de que a requerida exponha à venda charutos fabricados em outros locais ou países, com a marca dos produtos cubanos, o que impede que o Judiciário intervenha para proibir que o comerciante exerça o seu comércio, um direito constitucional [art. 170, da CF].

O processo se findou sem prova de o apelado ter cometido ilícito comercial ou ter se comportado de má-fé. Não caberia, portanto, restringir seus direitos, com impedimento do comércio de charutos cubanos que importa de forma regular ou obrigá-lo a reparar danos, se prejuízos não se confirmaram. Deve, portanto, subsistir a r. sentença.

Corroborando o voto do Relator, o Voto Vencedor, proferido pelo Des. TEIXEIRA LEITE aponta:

DECLARAÇÃO DE VOTO VENCEDOR. Examinados os autos após o voto do eminente relator, Des. Ênio Zuliani, a primeira reflexão foi da semelhança com hipótese com que me deparei nos idos de 1990, em rápida passagem por uma vara criminal desta capital.

No caso, decidindo a respeito da culpabilidade da alguns presos da Casa de Detenção, surpreendidos com "maconha" no interior de suas celas, com isso já surgindo uma dúvida porquanto, por óbvio, os detentos não tinham como adquiri-la fora do estabelecimento prisional.

Alertado e orientado pelos colegas mais antigos e experientes que não se deixavam seduzir pela confissão, uma regra provavelmente ditada por determinação do preso mais antigo, mesmo que sempre acompanhada dos testemunhos dos agentes penitenciários responsáveis pela apreensão, preponderou, para a absolvição, não só aquele questionamento, como um outro, o de que esses mesmos agentes também eram responsáveis pela igilância que tinha falhado, daí possibilitando esse comércio que se encerrava no destino final, o consumidor.

Pois bem, com a certeza de que a hipótese em análise não guarda semelhança no que permite a questão de estado enquanto responsável direto pelo sistema carcerário e pela repreensão ao tráfico e uso de entorpecentes, e nem mesmo o que se fuma pode ser comparado, é certo que a apelada é, no dizer das próprias apelantes, empresa estabelecida há muitos anos em local nobre desta cidade e que atende prestigiada clientela no segmento de charutos, inclusive na forma "delivery" (cf. revista juntada aos autos), fornecendo várias marcas, inclusive nacionais.

Aliás, somente por isso é que também se associa ao preço desses charutos, já se pode concluir por uma natural censura a produtos que não corresponda às expectativas destes restritos consumidores, criando-se assim um constante e aprimorado controle de qualidade e, atividade comercial da apelada.

As apelantes, a seu turno, conjuntamente, são responsáveis pela produção e comercialização de produtos derivados do tabaco cubano, ou, as únicas empresas a isso autorizadas, razão pela qual atribuem à apelada que vende vários charutos dessa procedência, uma conduta vedada, ou porque associada a contrabando, ou porque relacionada à falsificação, e, de qualquer maneira, evidentemente em prejuízo de sua marca e exclusividade, e daí essa ação com tese e argumentos não acolhidos pelo MM. Juiz e o nobre Des. Relator, ainda que esse comércio tenha sido admitido pela apelada. Prevaleceu o entendimento de que tudo não ultrapassou o campo da presunção, não se determinando tais violações enquanto fatos, e esses, estabelecidos por provas, o que já foi suficientemente analisado e porque coerente com o que consta dos autos, se aceita.

Todavia, entendi razoável registrar algumas questões, o que faço sem a pretensão de acrescer o voto de Sua Excelência, mas movido pela matéria e pelo excelente trabalho dos combativos advogados das partes, o que verifiquei nos memoriais recebidos antes do julgamento e, confirmei por esse adiamento, examinando os autos na qualidade de Terceiro Juiz.

Com efeito, ao reiterar a proteção do artigo 132 III da Lei 9279/66, as apelantes invocam a ausência de consentimento a esse proceder da apelada, deixando claro que havia esse seu conhecimento desde 1999, quando notificaram sobre essa marca e seus reflexos, aliás, notificação essa que foi respondida ela apelada e que, mesmo assim, foi desrespeitada consoante se observa também de publicidade em Internet (fls. 159/166) a respeito do constante e atual comércio desses charutos.

Diante desse problema e necessitando prestigiar seus interesses, uma linha de conduta noticiada na reportagem juntada às fls. 175 - "cubanos de origem controlada", preocupou-se com o que denominou também pela imprensa, "cubanos legítimos, porém ilegais" (fls. 176). Aliás, as apelantes seguem um "roteiro" das autoridades cubanas objetivando reprimir tais condutas (cf. ação cautelar, em apenso), o que é legítimo e, salutar.

Todavia, nesse passo, sabe-se que "na realidade, na maioria dos casos, o comprador exige uma marca determinada e não se preocupa com a sua procedência, ou, com a empresa que fabrica esse produto. No nosso país, é bem comum o comprador dirigir-se ao barman solicitando uma cerveja pela sua marca, ou ao farmacêutico um medicamento pelo seu nome de fantasia.

O que se pede, portanto, é o produto de tal marca, e não o produto de tal fabricante. A marca, portanto, "atua como um veículo de divulgação, formando nas pessoas o hábito de consumir um determinado bem material, induzindo preferências através de estímulo ocasionado por uma denominação, palavra, emblema, figura, símbolo ou outro sinal distintivo. É, efetivamente, o agente individualizador de um produto, de uma mercadoria ou de um serviço, proporcionando à clientela uma garantia de identificação do produto ou serviço de sua preferência." (Pierangeli, José Henrique. Crimes contra a propriedade industrial e crimes de concorrência desleal. SP:RT, 2003, pág. 63/64).

Portanto, são necessários alguns registros no diz respeito a busca dessa proteção no Judiciário, mesmo porque colocados como precedentes em abono desse objetivo que é fazer cessar essa atividade de adquirir, expor e vender charutos cubanos não adquiridos das apelantes, indenizando-as pelos prejuízos até agora experimentados pela violação dos direitos conexos a suas marcas e registros.

Em Curitiba, em idêntica hipótese e ação, o MM. Juiz bem observou que não pode prevalecer uma "relação de que os produtos manufaturados por cidadãos cubanos à margem do sistema oficial, sejam, indistintamente, produtos de qualidade inferior" (fls 502), e, se isso foi revertido no sentido aqui também pretendido pelas apelantes quando do exame de seu recurso, importa destacar que, naquele caso, o vendedor era antigo franqueado das apelantes (fls. 752), logo, uma outra e peculiar situação no que se refere à proteção marcária que foi associada a concorrência desleal que se praticava a partir dessa origem de relação comercial.

No Rio de Janeiro, ao contrário, mas com a noticia restrita à primeira instância, o MM. Juiz fundamentou sua decisão no argumento de que a vendedora é que deveria comprovar a impossibilidade de se ter ciência do direito de exclusividade de negociação dessas marcas (fls. 774), o que, apesar de forte enquanto argumento, não aproveita para o caso em análise por uma peculiaridade.

A apelada, ciente dessa exclusividade das apelantes até porque com anterioridade nesse comércio (aliás, o que é incontroverso), ao saber da constituição da terceira apelante, a empresa Puro Cigar de Habanos Ltda., tentou “insistentemente”, dela adquirir charutos cubanos(fls. 406, 234/235), mas, não obteve sucesso, mesmo se propondo ao pagamento à vista.

Logo, surgiu uma outra situação e que também diz respeito à legalidade pois, relacionada às próprias atividades da apelada, mesmo porque, nesse segmento de charutos, esses, das apelantes, inegavelmente são o melhor produto, restando-lhe, assim, a opção de abastecer seu estoque por outras importadoras, o que vem ocorrendo.

E, legalidade porque “a constituição de 1988 e a Lei nº 8.884 de 1994 dão conta dessa tendência, elaborando um verdadeiro código de conduta para os detentores de posição dominante.

Assim é que a Constituição tem como ilícito concorrencial central o abuso de posição dominante (art. 173, § 4º CF). A lei, por outro lado, estabelece uma série de deveres de comportamento para o detentor de posição dominante, que vão desde a proibição da prática de preços abusivos até a proibição da recusa injustificada de contratar e da interrupção injustificada de produção (arts. 20 e 21). (Salomão Fº, Calixto. Regulação e Concorrência-Estudos e Pareceres, SP: Malheiros, 2002, pág. 143).

Sobre isso, importante o destaque de que aqui não se aceitou os efeitos “Erga omnes” dos contratos celebrados apenas entre as apelantes e voltados para essa exclusividade, tal como se infere da apelação mencionada no voto condutor (90.538-3 – 3ª Câmara, TJSP), e outros, mencionados pela apelada.

E se assim é, é porque não há como se impedir o livre comércio e, menos ainda, se os produtos já foram colocados no mercado (exaustão de direitos), sendo certo que, apesar das apelantes negarem essa possibilidade, para nós e ao menos no que se refere aos autos, não se demonstrou se cuidar de atividade ilegal para aquele comerciante que apenas adquire charutos cubanos, importando-os de terceiros, além do que a circunstância da importância Cubalse estar sob investigação criminal (cf. réplica), não leva a uma outra e inversa conclusão.

Daí , o que se tem e também de acordo com a prova técnica (e tal como explicado pelo Relator, compreensíveis uma ou outra crítica porque razoavelmente justificadas) é que a apelada comercializa e não importa, charutos cubanos autênticos (fls. 1.132). Ademais, consta que o assistente técnico das apelantes informou que essa compra pode ocorrer de outros países (fls. 1.063)

Portanto, com essa restrita atividade da apelada, que é empresa voltada ao comércio, nada se altera pela dúvida do advogado das apelantes ao adquirir dois tipos de charutos não encontrados em algumas das notas fiscais que foram exibidas sem qualquer obrigação pela apelada, e da sua importadora (fls. 474, 594/595), até porque a perícia encontrou exemplares com datas anteriores à exclusividade reclamada pelas apelantes.

E porque os demais questionamentos das apelantes não abalaram a ideia de que “a marca possui uma outra função, ligada ao consumidor, contribuindo, decisivamente, para a garantia da legitimidade e origem do produto que se adquire.”(id.,IBID., pág. 79), pelo meu voto, nego provimento ao recurso.

9.- Impõe-se ressaltar que o contrato de distribuição exclusiva, por si só, não anula a incidência dos princípios que fundamentam a ordem econômica e não atenta contra a economia baseada na propriedade privada e na livre concorrência, sendo certo que a dominação de mercado é prática vedada, de modo que, em regra, a nenhuma pessoa empresária toca o direito de operar no mercado com exclusividade sobre determinado bem.

Deve-se observar, ainda, que esses mesmos princípios da ordem econômica asseguram ao fabricante ou, mais especificamente, o titular de direitos sobre a marca, o direito de negociar livremente com outras pessoas o privilégio de distribuição exclusiva de seu produto.

Pode o produtor preparar os bens para serem introduzidos no mercado e, ulteriormente, desistir de fazê-lo, retendo ou até destruindo os produtos, desde que respeitada a função social da propriedade e arcando com eventuais consequências contratuais para com o seu contratado, mas não sendo vedado o fato da comercialização por terceiros, alheios as relações contratuais entre o produto e outros comerciantes.

De igual forma, pode celebrar contrato para que outra pessoa faça a distribuição exclusiva, com o zelo necessário a preservar a respeitabilidade da marca.

10.- No caso concreto, não se verifica desrespeito aos princípios da ordem econômica. E também não está nem mesmo delineada hipótese de ofensa ao contrato de distribuição exclusiva.

Isso porque não está provado seja a recorrida quem tenha feito a introdução, no território nacional, do produto fabricado pelas recorrentes. Embora o Acórdão recorrido centraliza-se na ausência de contrafação e na ofensa aos princípios do livre mercado, a sentença deixa claro que há nos autos documentação que comprova que a recorrida fez aquisições contínuas dos charutos das recorrentes por intermédio de outras importadoras.

Os documentos, ainda segundo a sentença, fizeram prova eficiente da origem dos produtos, que foram vendidos pelos produtores e, posteriormente, importados pelas pessoas jurídicas que, só então, os venderam à recorrida.

Ou seja, não foi demonstrado que tenha sido a recorrida quem introduziu os produtos no território nacional, patenteando-se apenas que os comprou de quem os importou.

É certo que o Acórdão substitui a sentença, mas não menos certo é que, a par de terem as duas peças processuais mantido a mesma solução da controvérsia, os fatos firmados pela sentença e mantidos intactos pelo Acórdão não podem ser controvertidos em Recurso Especial, dado o que dispõe a Súmula STJ/7.

11.- Operou-se, então, a exaustão do direito sobre a marca, que vem a ser a impossibilidade de o titular da marca impedir a circulação do produto após esta haver sido introduzida no mercado nacional.

Efetivamente, consoante os fatos registrados nestes autos, conforme postos pelas instâncias ordinárias e a respeito dos quais não se pode estabelecer controvérsia em Recurso Especial (Súmula STJ/7), os charutos em causa já tinham sido trazidos ao Brasil.

A recorrida promoveu a circulação dos bens e, agora sim, impõe-se ter em vista que as recorrentes, dada a exaustão do direito marcário, não podem se opor às vendas ulteriores e sucessivas, sob pena de ofensa aos princípios que regem a ordem econômica, não tendo o Acórdão recorrido violado nenhum dos dispositivos legais apresentados.

12.- Ante o exposto, nega-se provimento ao Recurso Especial.

Ministro SIDNEI BENETI

Relator

EMENTA

DIREITO MARCÁRIO. EXAUSTÃO CONFIGURADA. ALEGAÇÃO DE CONTRAFAÇÃO. CONTRATO DE DISTRIBUIÇÃO EXCLUSIVA. AUSÊNCIA DE PROVAS DA FALSIFICAÇÃO E DE OFENSA AO DIREITO DE EXCLUSIVIDADE. EXAUSTÃO DO DIREITO MARCÁRIO.

I - O contrato de distribuição exclusiva, por si só, não anula a liberdade de comercializar produtos, decorrentes dos princípios que fundamentam a ordem econômica, nem afasta as regras de economia baseada na propriedade privada e na livre concorrência.

II - Não comprovação, no caso, que a recorrida tenha feito a introdução, no território nacional, do produto fabricado pelas recorrentes. Importação operada por terceiros, dos quais a recorrida adquiriu os bens, cuja circulação no mercado foi por ela realizada. Uma vez já introduzido o bem no mercado, o produtor não pode se opor às ulteriores e sucessivas vendas.

III - Caso "Charutos Cubanos", distribuição exclusiva. Ausência

de prova de contrafação no caso de importação regular de mercadorias estrangeiras, não incide o art. 132, III da lei 9279/96.

Recurso Especial improvido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a).

Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Vasco Della Giustina (Desembargador convocado do TJ/RS), Nancy Andrighi e Massami Uyeda votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília, 12 de abril de 2011(Data do Julgamento)

MINISTRO SIDNEI BENETI

Relator

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