Indenização
Justiça de SP julga procedente pedido de indenização do promotor de Justiça Thales Schoedl contra Editora Abril
O promotor alega que a revista Veja publicou na edição de setembro de 2007 matéria intitulada "A lógica do deboche", na qual o articulista referiu-se a ele por seis vezes como "assassino". E que em janeiro de 2008, no site da revista, foi publicada uma notícia com falsa declaração dele. Também em 2008, o autor afirma que em edição de dezembro a revista Veja fez descrição equivocada a respeito da sua absolvição.
A Editora Abril, em sua defesa, alega que somente publicou uma crítica ao MP/SP, uma crítica à sociedade brasileira e ao corporativismo que existe no país, ou seja, limitada à exposição de uma opinião, e informou a respeito da absolvição do requerente.
Para o juiz Márcio Teixeira, "tem a imprensa o poder/dever de informar, protegido constitucionalmente. Também é garantida a liberdade de expressão, direito fundamental em um Estado Democrático de Direito. Porém, não são permitidos abusos, pois ainda que verdadeira a notícia e legítima a opinião exposta, não pode caracterizar exagero, afronta ou se mostrar tendenciosa."
A Advocacia Rocha Barros Sandoval & Costa, Ronaldo Marzagão e Abrahão Issa Neto Advogados Associados patrocinou a causa.
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Processo : 583.00.2010.176924-1 - clique aqui.
Veja abaixo a íntegra da sentença.
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583.00.2010.176924-1/000000-000
nº ordem 1591/2010
Procedimento Ordinário (em geral)
THALES FERRI SCHOEDL X EDITORA ABRIL S/A - V I S T O S.
THALES FERRI SCHOEDL, qualificado nos autos, ajuizou a presente ação de indenização contra EDITORA ABRIL S/A, alegando, em síntese, ter sido julgado, no C. Órgão Especial do E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, e absolvido da imputação de homicídio, por unanimidade de votos, decisão, entretanto, ainda não transitada em julgado.
Acontece que a requerida publicou na edição da revista VEJA de 05 de setembro de 2.007, na página 88, a matéria intitulada "A lógica do deboche", na qual o articulista, por ocasião do vitaliciamento do autor no cargo de Promotor de Justiça, afirmou que o requerente "saía de uma festa com a namorada em Bertioga, no litoral paulista, e, diz ele, foi provocado por um grupo de rapazes, Disparou onze tiros. Matou Diego Modanez, 20 anos, e feriu com quatro tiros Felipe Siqueira Cunha de Souza, hoje com 23 anos". Agindo assim, o requerido partiu da premissa de que o autor era culpado pelo crime de homicídio, concluindo que a decisão era "cega e burra, cruel e estúpida, ainda que tecnicamente perfeita" e que era "um insulto a toda a sociedade, ao sentimento de justiça e humanidade que todo o país precisa cultivar para manter-se minimamente agregado".
Sustenta o autor que o réu o injuriou, referindo-se a ele, desnecessariamente, por seis vezes, como assassino. Ademais, após a absolvição do autor, o réu publicou em 26 de janeiro de 2.008, no sítio da revista VEJA na rede mundial, a seguinte notícia, falsamente se referindo a declaração que não foi realizada pelo requerente: “os magistrados aceitaram a defesa de Schoedl que alegou ter atirado em legítima defesa. O promotor afirma que na saída de uma festa na praia houve uma discussão com um grupo de rapazes que o teriam cercado. Ele diz ter disparado dois tiros de advertência com sua pistola semiautomática calibre 380 e, vendo que os agressores ainda avançavam, teria fechado os olhos e disparado cerca de dez tiros, sendo que dois deles mataram Modanez”. Finalmente, em 03 de dezembro de 2.008, na sessão panorama da revista VEJA, em nota a respeito da absolvição do autor, fez a ré descrição equivocada dos fatos: "absolvido o promotor Thales Ferri Schoedl, que matou a tiros Diego Modanez, de 20 anos, e feriu Felipe Siqueira Cunha de Souza. O episódio ocorreu em dezembro de 2.004, no litoral paulista. Schoedl brigou com a dupla e reagiu com onze tiros. Os 23 desembargadores do Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo julgaram que ele agiu em legítima defesa."
Em virtude do exposto, o autor afirma ter suportado danos imateriais e, por conseguinte, requer a condenação da ré no pagamento de indenização, no valor de R$ 150.000,00, e na publicação, na revista VEJA e o sítio desta na rede mundial de computadores, a resposta do autor. Com a petição inicial vieram os documentos de fls. 21/434. Citado, a ré apresentou contestação (fls. 467/487) na qual impugna a responsabilidade civil sustentada pelo autor. Alega que somente publicou uma crítica ao Ministério Público do Estado de São Paulo, uma crítica à sociedade brasileira e ao corporativismo que existe no país, ou seja, limitada à exposição de uma opinião, e informou a respeito da absolvição do requerente. Impugna a indenização pedida e sustenta o não cabimento da publicação da resposta. Acostou os documentos de fls. 488/490. Réplica a fls. 493/495.
É o relatório.
D E C I D O.
Julgo o feito antecipadamente porque desnecessária a produção de provas em audiência, nos termos do artigo 330, inciso I, do C.P.C. O pedido procede. Volta-se o requerente contra o artigo publicado na revista VEJA, de 05 de setembro de 2.007, com o título "A lógica do debate", e as notas informativas publicadas no sítio da revista VEJA da rede mundial de computadores em 26 de novembro de 2.008 e na revista impressa de 03 de dezembro do mesmo ano. Pois bem, sustenta o requerente que a nota informativa na rede mundial de computadores impôs a ele declaração jamais proferida, ou seja, de que disparou dez tiros, de olhos fechados contra as vítimas.
Quanto à edição da revista VEJA de 26 de dezembro de 2.008, o requerente sustenta que os fatos foram equivocadamente descritos, de forma deliberada, para questionar a decisão do E. Tribunal de Justiça, isto é, que o requerente brigou com as vítimas e reagiu com onze tiros. A prova documental acostada comprova o desacerto das publicações mencionadas, como sustentado pelo requerente. O fato foi descrito equivocadamente e o requerente, ao menos nos autos do processo crime, jamais declarou ter, de olhos fechados, disparado dez tiros contra as vítimas.
Tal circunstância efetivamente não traduz o melhor jornalismo, na medida em que cabe à imprensa agir com diligência em suas matérias, confirmando a veracidade dos fatos antes de publicá-los. Logo, descrevendo fatos equivocados e publicando declaração não realizada pelo requerente, não cumpre o órgão de imprensa satisfatoriamente o seu dever de informação.
Entretanto, os equívocos descritos não têm a lesividade sustentada pelo requerente. Respeitado o entendimento contrário, imputar ao requerente três, seis, onze ou treze disparos de arma de fogo, de olhos fechados ou abertos, não tem a relevância exposta na petição inicial. Não identifico, em tais matérias e nos erros cometidos, qualquer conseqüência danosa ao direito de personalidade do autor, pois não teve, em virtude do desacerto das notas informativas, sua imagem, nome ou honra maculados. Contudo, o mesmo não ocorreu com a publicação do artigo "A lógica do deboche", na revista impressa VEJA de 05 de setembro de 2.007, de autoria de André Petry. Em tal texto, o articulista realiza severa crítica contra o Ministério Público do Estado de São Paulo pelo vitaliciamento do autor, que então era acusado da prática de dois homicídios, um tentado e outro consumado, e sua provável atuação como Promotor de Justiça em Jales, aonde a família da vítima Diego residiu por determinado tempo.
Tem a imprensa o poder/dever de informar, protegido constitucionalmente. Também é garantida a liberdade de expressão, direito fundamental em um Estado Democrático de Direito. Porém, não são permitidos abusos, pois ainda que verdadeira a notícia e legítima a opinião exposta, não pode caracterizar exagero, afronta ou se mostrar tendenciosa.
Indubitavelmente as pessoas públicas merecem proteção ao seu direito de personalidade, inclusive em sua honra, decoro e dignidade. O que ocorre é que tal proteção, comparativamente à pessoa comum, é mitigada diante da atividade pública exercida e pelo prestígio, pois o destaque social tem por contrapartida maior exposição, notadamente na mídia, e, assim, sujeitam-se às conseqüentes críticas.
Não se pode perder de vista, contudo, a razoabilidade. Pois bem, na matéria mencionada o articulista por cinco vezes refere-se ao autor como "promotor assassino", uma delas reproduzida no destaque do texto, e ainda mencionada que o requerente iria oficiar na Comarca aonde residiu o "jovem que ele mesmo assassinou!". "Assassino S. m. 1. aquele que tira a vida a alguém, que assassina . . . adj 3. que produz o assassínio; mortífero". "Assassinar “V. t. d. 1. Matar traiçoeiramente. 2. Matar (ser humano)" (Aurélio Buarque de Holanda, "Novo Dicionário Aurélio, Editora Nova Fronteira, 14ª edição).
De modo deliberado, portanto, o autor do artigo prejulgou e condenou o autor pela prática de homicídio doloso, apesar do processo-crime ainda estar em curso (posteriormente, foi o autor absolvido). Ao se referir repetidamente ao "promotor assassino", o articulista e, conseqüentemente, a requerida, ofendeu a dignidade do requerente. A ré, pelo artigo descrito, injuriou o autor, cometendo verdadeiro excesso ao direito de livre manifestação do pensamento e ao direito/dever de informação.
"Não se pode, efetivamente, censurar publicações jornalísticas que visem favorecer o interesse da comunidade. E quem exerce cargo público, além de estar sujeito à fiscalização de seus superiores, submete-se à vigilância dos órgãos de imprensa no cumprimento do dever de informar; indiscutível, no entanto, que tal vigilância deve ser efetivada de forma sóbria, sem ferir susceptibilidades do cidadão, ou cidadã, envolvido, que tem também assegurado o respeito de que é merecedor" (TJSP - 8ª C. Dir. Privado - Ap. 54.329-4 -Rel. Yussef Cahali - j. 29.07.98).
Desta forma, constata-se a existência de ato ilícito, consistente na injúria dirigida pela ré ao autor. Constatasse ainda a existência de lesão ao direito de personalidade do autor, consistente na ofensa ao seu nome, honra e dignidade. O liame causal é evidente, na medida em que a ofensa sofrida pelo autor decorre da matéria publica na revista impressa da requerida. As ofensas sofridas pelo autor caracterizam danos morais por sua gravidade, na medida em que teve o autor seu direito de personalidade ofendido.
Destarte, cabível a sua compensação com uma vantagem patrimonial, como lenitivo. Atento ao princípio da proporcionalidade e considerando as circunstâncias do caso em testilha (publicação com amplitude nacional) e as partes envolvidas, razoável a fixação da indenização por danos morais, no valor equivalente a sessenta salários mínimos hoje vigentes. Quanto ao direito de resposta, a pretensão do autor tem fundamento no artigo 5º, inciso V, da Constituição da República.
Não se discute mais, neste ponto, a aplicação da Lei nº 5.250/67, após o E. Supremo Tribunal Federal, na Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 130, estabelecer a não-recepção da Lei de Imprensa. Logo, não há como sustentar que o direito de resposta, erigido a direito e garantia fundamental do cidadão na Constituição da República, seja uma sanção de natureza criminal. Basta se atentar à circunstância de que o artigo 5º, inciso V, da Constituição da República assegura "o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem" (grifo nosso), isto é, reparação civil dos danos.
Destarte, como corolário do acolhimento da pretensão indenizatória do autor, é de rigor garantir o seu direito de resposta. Contudo, tormentosas as questões do limite do exercício do direito de resposta, por falta de regramento específico.
A Constituição da República apenas ressalta a proporcionalidade da resposta ao ato ilícito e à lesão. No presente caso, não nos parece que haja proporcionalidade na publicação da resposta adrede preparada pelo autor, que acompanha a petição inicial. A resposta deve ser concisa, máxime no caso em testilha, no qual as ofensas foram dirigidas ao autor incidentalmente em texto cujo escopo maior era a crítica à decisão administrativa do Ministério Público, conforme exposto anteriormente.
Utilizo como parâmetro, pois, o recente Acórdão da 4ª Câmara de Direito Privado do E. Tribunal de Justiça, da lavra do Exmo. Desembargador Natan Zelinschi de Arruda: "Embargos declaratórios. Direito de resposta. Texto que deverá ser conciso, com exposição do que efetivamente aconteceu, sem conotação ofensiva ou referência a terceiros, cuja publicação deverá ocorrer uma só vez. Artigos 14 do Pacto de San Jose da Costa Rica e 58 da Lei 9.504/97 que deverão ser aplicados ao caso por analogia. Orientação do C. STJ a respeito" (Embargos de Declaração nº 994.08.040.434-8/50.000, de 09 de dezembro de 2.010).
No cumprimento do direito de resposta, portanto, deverá o autor apresentar novo texto, observadas as características acima expostas, cuja publicação está limitada a um terço do espaço destinado ao artigo que veiculou as ofensas, com o tipo do mesmo padrão ("A lógica do deboche", de André Petry, VEJA de 05 de setembro de 2.007).
Pelo exposto, julgo PROCEDENTE o pedido da presente ação para condenar a requerida no pagamento ao autor de R$ 30.600,00, devidamente atualizado desde a presente data e acrescido de juros moratórios de 1% ao mês desde a data da publicação do artigo, e a publicar gratuitamente a resposta do autor, nos termos da fundamentação supra, no prazo de trinta dias da aprovação do texto. Em conseqüência, condeno ainda a requerida ainda no pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios, que arbitro em 10% do valor da condenação.
P. R. I. São Paulo, 25 de fevereiro de 2.011.
MÁRCIO TEIXEIRA LARANJO
Juiz de Direito
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