Os desafios regulatórios de 2025 para os planos de saúde
Compilado dos desafios regulatórios a serem enfrentados pelos planos de saúde em 2025.
segunda-feira, 17 de março de 2025
Atualizado em 14 de março de 2025 14:05
Os últimos anos têm sido especialmente problemáticos para o setor da saúde suplementar no Brasil. Diversos fatores, combinados ou isoladamente, colocaram (e ainda colocam) a sustentabilidade deste mercado em risco. Dentre esses fatores, podemos citar, apenas para exemplificar, a implacável judicialização (constantemente ampliando as obrigações dos planos de saúde); a crescente sinistralidade (os custos com os serviços assistenciais acabam praticamente empatando e, por vezes, superando os valores arrecadados com as mensalidades); a incorporação de novos tratamentos e tecnologias (alguns, com valores milionários); as fraudes (fala-se em prejuízo de bilhões de reais); as constantes ampliações do rol de coberturas obrigatórias; e a explosão dos casos de pacientes pediátricos diagnosticados com TEA - transtorno do espectro autista.
Haja resiliência, capacidade de adaptação, superação e inovação para sobreviver nesse mercado! Mesmo com esses predicados, já é um cenário difícil. Sem eles, a sobrevivência é praticamente impossível, tamanhos os desafios impostos e que surgem de todos os lados. É isso que os últimos anos mostraram. Os números, aliás, não mentem. São cada vez menos operadoras de planos de saúde ativas no país: de acordo com os dados oficiais da ANS - Agência Nacional de Saúde Suplementar, em dezembro/2000, eram mais de 2.000 operadoras em atividade no país; em dezembro/2024, cerca de 870. Se considerarmos apenas as operadoras com beneficiários, esse número cai para algo em torno de 670 operadoras. E a tendência é que essa redução continue.
Não obstante, foram poucos os anos, no passado recente, em que os desafios avistados causavam tanta perplexidade como ocorre agora. De fato, o ano de 2025 mal começou e já promete ser um ano extremamente movimentado e (ainda mais) desafiador para os planos de saúde, especialmente no âmbito regulatório
A começar pela nomeação do novo diretor-presidente, até o momento ainda não definido. Desde o encerramento do mandato de Paulo Rebello, em dezembro de 2024, o cargo está sendo ocupado de forma provisória. De lá até o final de janeiro, assumiu interinamente a função de diretor-presidente o diretor Jorge Antônio Aquino Lopes. E, desde o início de fevereiro, quem está ocupando a presidência interina é a diretora Carla de Figueiredo Soares.
Cabe lembrar que o indicado pelo presidente da República para ocupar o cargo é Wadih Nemer Damous Filho, atual secretário Nacional do Consumidor (Senacon/Ministério da Justiça e Segurança Pública). A indicação ocorreu em dezembro e, desde então, o assunto aguarda tramitação no SF - Senado Federal - mensagem 87/24. Caso seja aprovado pelo Senado, o indicado ocupará o cargo de diretor Presidente da ANS pelos próximos anos, conforme determina a lei Federal 9.961/00, art. 6.
Além disso, ao longo de 2025, encerrarão os mandatos de outros dois diretores da ANS - Maurício Nunes Silva, atual diretor de Desenvolvimento Setorial, cujo mandato finda em setembro; e Alexandre Fioranelli, atual diretor de Normas e Habilitação de Produtos, que encerrará em maio. Em breve, portanto, a composição da diretoria Colegiada estará substancialmente alterada, o que possui enorme relevância, pois é a ela quem incumbe, entre outras atribuições, editar normas (como resoluções normativas), cumprir e fazer cumprir as normas relativas à saúde suplementar e julgar, em grau de recurso, as decisões dos diretores.
Fora isso, duas normas com alto impacto no setor, para consumidores e operadoras, devem balançar o mercado nos próximos meses. A primeira é a RN/ANS 593, que dispõe sobre a notificação por inadimplência à pessoa natural. Uma norma tão polêmica que teve o início da sua vigência postergado algumas vezes e que precisou de diversos materiais de apoio da própria ANS (como FAQs - perguntas e respostas) para auxiliar na sua interpretação. A norma exige adequações importantes nos contratos de planos de saúde e nas práticas envolvendo rescisão de contratos e exclusão de beneficiários.
Outra norma com grande impacto é a RN/ANS 623, a qual entrará em vigor em 1/7/25. A RN atualiza as regras a serem observadas nas solicitações de procedimentos ou serviços, substituindo a RN/ANS 395/16. Uma novidade, apenas para exemplificar, é que todas as negativas de cobertura precisarão ser reduzidas a termo, independentemente de solicitação prévia do beneficiário. Negativas, é bom salientar, não são o mero retorno ao beneficiário indeferindo a cobertura, mas um documento formal dizendo "detalhadamente, em linguagem clara e adequada" ao beneficiário o motivo da negativa, "indicando a cláusula contratual ou o dispositivo legal que a justifique".
Além disso, recentemente foi encerrado o período de participação para a CP - Consulta Popular 145, a qual tratou sobre mudanças na política de preços e reajustes. A referida CP abrangeu quatro temas distintos, todos os quais, sozinhos, com grande impacto para todos os agentes do setor: reajuste de planos coletivos; coparticipações e franquias; revisão técnica nos planos individuais/familiares; e venda online de planos de saúde.
Questões nevrálgicas e de imensa relevância prática estão na iminência de serem alteradas. No que tange às regras envolvendo os reajustes anuais em planos coletivos, por exemplo, as modificações praticamente eliminam a livre negociação entre as partes (pessoa jurídica contratante e operadora), premissa existente desde o início da regulamentação do setor.
No que tange aos contratos coletivos com menos vidas, para os quais existe um tratamento diferenciado relativamente ao reajuste anual desde 2012 (quando foi publicada a RN/ANS 309), alterações radicais poderão ocorrer. A regra atualmente vigente determina, para efeitos de reajuste anual, o agrupamento obrigatório de todos os planos coletivos com menos de trinta vidas, de modo que seja calculado, por parte da operadora, para esses planos, um índice de reajuste único (RN/ANS 565). As modificações propostas pela Agência alteram essa metodologia, unificando, para efeitos do reajuste anual, em um mesmo agrupamento, todos os planos coletivos por adesão e os planos coletivos empresariais com até 999 vidas da operadora. A alteração é gritante e impactará severamente as operadoras menores.
Ainda no âmbito dos contratos coletivos, a alteração em vista igualmente almeja estender a regra de rescisão hoje aplicável aos contratos empresariais firmados por empresários individuais (cujo regime jurídico atinente à rescisão é mais protetivo aos contratantes), para todos os contratos coletivos: se a nova regra for aprovada, os contratos poderão ser rescindidos, apenas, no seu respectivo aniversário e desde que haja notificação prévia com no mínimo 60 dias.
As modificações, se aprovadas, também serão substanciais no que tange aos fatores moderadores, coparticipação e franquia. Trata-se de duas ferramentas muito utilizadas no setor e cujas regras, embora antigas (existentes desde a resolução consu 8, de 1998), são amplamente praticadas no mercado e aceitas pela jurisprudência, inclusive pelo STJ. Fator moderador não apenas serve para moderar a utilização (e evitar utilizações excessivas e/ou desnecessárias), mas também viabiliza a contratação de planos de saúde com mensalidades mais baratas. Planos de saúde sem previsão de coparticipação/franquia são, não por acaso, mais caros.
As alterações propostas, resgatando em parte a polêmica RN/ANS 433 (que, após ter sido suspensa através de decisão liminar deferida pelo STF, foi revogada pela própria ANS), trazem novidades impactantes, como a criação de limites máximos por procedimentos e limites globais (mensal/anual), além de estipularem uma lista de serviços nos quais simplesmente seria vedada a incidência de fator moderador.
Essas, entre outras propostas de alteração, estão longe de gerarem tranquilidade. Os assuntos em si são tão polêmicos que, recentemente, durante a 50ª audiência pública, realizada pela ANS durante os dias 28 e 29 de janeiro de 2025, que tratou justamente sobre os referidos temas, entre tantas manifestações, o único consenso foi de que os assuntos demandavam maior debate e aprofundamento.
Paralelamente, tramita também junto à ANS a CP 147, que busca "aprimorar" o modelo de fiscalização da Agência. Nos documentos técnicos que a subsidiam, a Agência cita uma série de "problemas regulatórios" que embasariam as alterações, como crescimento de demandas encaminhadas na ANS, com recorrência dos mesmos atores; aumento do tempo reposta aos casos concretos; e diminuição da capacidade institucional para acompanhamento dos processos e casos individuais. Em resumo, a autarquia entende que o formato fiscalizatório atual, em que pese apresentar bons resultados ao longo dos anos, não alcança a eficiência almejada, o que, conforme defende a Agência, acaba, por vezes, inclusive desestimulando o cumprimento de regras regulatórias.
Com efeito, as alterações propostas atingem principal e diretamente a RN 483 (que trata das ações fiscalizatórias, inclusive do procedimento de NIP - Notificação de Intermediação Preliminar) e a RN 489/22 (que prevê as penalidades para as infrações à legislação dos planos de saúde), duas normas extremamente relevantes para as operadoras.
A NIP é um dos principais instrumentos regulatórios da atualidade. Trata-se da forma como uma reclamação ou denúncia de um beneficiário tramita inicialmente junto à Agência. Ao ser intimada de uma NIP, a operadora tem prazo exíguo para apresentar resposta, esclarecendo, inclusive, se a demanda foi resolvida ou não. Se o beneficiário se dá por satisfeito, o caso é encerrado; se ele não concorda com a resposta/conduta da operadora, o caso é analisado e, conforme o caso, pode evoluir para processo administrativo, podendo acarretar multas severas, na casa dos milhares de reais. Para além disso, as NIPs também são monitoradas pela ANS para efeitos de averiguar se a operadora está em conformidade com a regulamentação vigente.
Indicadores demonstram, há anos, que as NIPs apresentam índice de resolutividade elevado, sempre em torno de 90%. O problema, de acordo com a Agência, é que a quantidade de demandas não resolvidas é igualmente alta e com tendência de crescimento, para as quais o órgão regulador não consegue dar encaminhamento de forma tempestiva e eficiente. Com as alterações propostas, ainda que mantidas as análises individualizadas, a norma volta-se para mecanismos de fiscalização com viés coletivo ou planejado/estratégico.
Na RN 489/22, o "Código Penal" da saúde suplementar, entre outras questões, chama atenção a majoração dos valores das multas - a autarquia defende que as multas atuais estão defasadas pelo tempo, necessitando serem atualizadas, inclusive para manter ou readquirir poder coercitivo. Se essas alterações realmente se concretizarem, os valores das multas serão completamente modificados. No caso em que a operadora descumprir regras relativas a mecanismos de regulação (onde se inserem questões como coparticipação, franquia e terceira opinião/junta médica), por exemplo, a multa passaria de R$ 30 mil para R$ 81 mil (art. 91). Casos de negativa de cobertura indevida passariam a ser penalizados em R$ 216 mil podendo chegar a R$ 675 mil nos casos de urgência e emergência (atualmente, os valores previstos são, respectivamente, de R$ 80 mil e R$ 250 mil).
Essas e outras alterações regulatórias que poderão ocorrer no futuro próximo, exigirão, especialmente por parte das operadoras, adaptações céleres e assertivas.
Mais do que nunca, um assessoramento jurídico especializado será fundamental para auxiliar as operadoras a enfrentarem os novos desafios e a se adequarem às novas dinâmicas e exigências do mercado.
Bernardo Franke Dahinten
Doutor e Mestre em Direito pela PUCRS. Advogado em Porto Alegre/RS.